Projeto Memória dos Trabalhadores Petrobras
Depoimento de Sebastião Henrique Vilarinho
Entrevistado por Paula Ribeiro e Miriam Collares
Rio de Janeiro, 15 de abril de 2003
Realização Museu da Pessoa
Depoimento PETRO_HV036
Transcrito por Transkiptor
00:00:06 P/1 - Boa tarde, Vilarinho. Eu gostaria de começar a nossa entrevista pedindo que você nos forneça o seu nome completo, o local e a data de nascimento, por favor.
00:00:38 R - Boa tarde. Meu nome é Sebastião Henrique Vilarinho. Eu nasci em Belo Horizonte, no dia 14 de janeiro de 1938.
00:00:54 P/1 - E os seus pais? O nome completo e a origem dos pais, por favor.
00:00:59 R - O nome do meu pai, já falecido, era Joaquim Henriques Vilarinho. O nome da minha mãe, também já falecida, era Michelina Fiúza Vilarinho. Meu pai era imigrante português. Veio para o Brasil, eu estimo, em 1906, 1907. E minha mãe, Era mineira, nascida em Ouro Preto.
00:01:31 P/1 - Conhece um pouco a história desse processo de migração do seu pai? Por que ele veio para o Brasil? Qual era a profissão dele?
00:01:40 R - Olha, meu pai nasceu numa região de Portugal muito pobre, cujo nome, se é que eu estou certo, seria Trás-os-Montes, uma região pobre. praticamente só havia uma agricultura muito modesta, e criava-se também carneiros. Ele era de uma família muito grande e achou que era melhor vir para o Brasil, porque o Brasil naquela ocasião representava um desafio muito grande para quem tinha interesse em aqui trabalhar, e ele veio para cá. Veio para o Rio de Janeiro, Deve ter chegado aqui em volta de 1906, 1907. Mas o Rio de Janeiro era uma cidade muito perigosa naquela ocasião. Eu me lembro que... Desculpe. No tempo que ele estava vivo, e às vezes eu ouvia as palavras, ele dizia que era uma cidade muito cheia de doenças, muito mosquitos. E ele, então, resolveu mudar-se para Friburgo. E ele era muito bom consultor de... mexia com madeira, fazia móveis, fazia obra de conção civil e tudo mais. E indo para Friburgo, naquela ocasião estava sendo construído o Colégio Anchieta, que a gente vai hoje em dia visitar Friburgo, fica admirado com a beleza daquele prédio. E ele lá foi um dos mestres que ajudou a construir as portas, as janelas. Aquela enorme porta da entrada lá, a gente vê e se admira quando passa. Ele trabalhou na construção daquela porta e isso ele contava com muito orgulho. Mas logo depois tomou conhecimento de que Belo Horizonte estava... Belo Horizonte tinha sido construída há poucos anos, era a nova capital do estado de Minas Gerais. E ele, então, resolveu mudar-se para Belo Horizonte. E lá começou, entrou na construção civil e foi assim até o fim da vida.
00:03:59 P/1 - Mas dentro da construção civil, quer dizer, como é que é? Ele foi galgando, ele era marceneiro, depois ele foi construindo, ele chegou a estudar, existia faculdade nessa época?
00:04:08 R - Não, não havia faculdade de engenharia em Belo Horizonte naquela ocasião, acho que nem em Belo Horizonte em outras cidades do país. Então, era uma carreira que a pessoa fazia ganhando experiência com o trabalho do dia-a-dia. E foi assim que aconteceu com ele. Começou como simples ajudante, talvez, e depois foi subindo e até chegar em consultor especializado em construção civil. E assim ganhou a vida. Houve uma certa época em que o governo deu o título de consultor licenciado às pessoas que assim ganhavam a vida, que assim trabalhavam ganhando a vida, e ele ganhou o título de consultor licenciado, que era o equivalente àquela ocasião do engenheiro civil. E assim foi. Serviu de exemplo para o meu irmão mais velho, que logo depois também formou em engenharia, o irmão da minha mãe também, que logo depois formou em engenharia, logo depois vim eu que formei em engenharia, quer dizer, meu pai foi um exemplo para todos nós.
00:05:16 P/1 - E sobre a família da sua mãe, conhece um pouco a origem dessa família?
00:05:21 R - Olha, a minha mãe nasceu em Ouro Preto, e o pai dela, o meu avô, era brasileiro, era nascido lá também, de família de origem lá. Não sei quando, mas Ouro Preto era a capital do estado de Minas Gerais, muitos e muitos anos. Ele era coletor fiscal, meu avô era coletor fiscal. E a mãe da minha mãe, a minha avó, ela era nascida em Ouro Preto também, mas de imigrantes. É interessante que eu sempre gostei muito de cuidar das fotografias que eu achava desde os tempos de menininho, e eu tenho guardado lá na minha casa uma fotografia, se eu não me falho a memória, de 1859, onde o pai e a mãe dessa minha avó, que é a mãe da minha mãe, estavam passando pelo Porto, uma cidade de Portugal, o Porto, e tiraram essa fotografia e trouxeram essa fotografia para o Brasil e está de posse da nossa família até hoje. Mas as informações que eu tive através da minha mãe é que era uma família que não eram portugueses, tinham vindo lá dos fins da Europa, como eles diziam. que eu acho que é lá pela região do Calcas, alguma coisa desse, tipo Ochechene, sei lá, pelos lados lá. Então, ela, mas a minha avó já era brasileira.
00:06:55 P/1 - E suas memórias de infância em Belo Horizonte? Que bairro vocês moravam? Como é que era a sua casa?
00:07:03 R - Olha, eu nasci em Belo Horizonte, na rua Rio Casca. Uma rua bem próxima à Avenida Pedro II, e próximo da igreja de Carlos Prates. E o meu pai construiu umas dez casas nessa rua Rio Casca. E nós morávamos lá, numa dessas casas. Isso quando eu era pequenininho, nasci lá. Depois meu pai mudou pra rua Goitacás, com a minha mãe. Já era mais chique, bem mais chique, do que aquelas primeiras casas. E era perto da Praça Raul Soares, que era um lugar bacaníssimo naquela época. Depois ele construiu outras casas ali na Rua Rio Casca, e nós mudamos para outra casa, uma casa mais chique, não sei o quê. Mas logo depois meu pai morreu. Nós já éramos cinco irmãos. Aí esse meu tio, que era irmão da minha mãe, Ele também já era engenheiro e estava também no mesmo negócio de construir casa, fazer construção civil. Nossa família tinha construído cinco ou seis casas no cruzamento de duas ruas, São Paulo com Guajajara, se não me falha a memória. São Paulo com Guajajara. E a família praticamente estava toda ocupando aquelas casas, um tio, uma tia, um tio, uma tia. Nós fomos para lá também. E minha mãe criou, já tinha filhos da engenharia naquela ocasião, eu era o mais novo de todos, e logo o pessoal foi casando, mas morei ali, na rua Goiajaras, o número era 781, eu lembro até hoje, embora já tenha mudado lá desde 1962.
00:08:54 P/1 - E a sua mãe, ela trabalhava fora, ela tinha alguma outra atividade?
00:09:00 R - Não. Minha mãe era dona de casa absoluta. É assim que eu entendo a minha mãe como pessoa. Mas ela gostava muito de costurar, fazer roupinha de criança. Então, se alguém lá em casa pedia para fazer uma roupinha, ela fazia. Fazia para outro, fazia para outro. Às vezes, quando tinha dinheiro, ela cobrava e tal. E assim ela viveu a vida dela até os 80 anos.
00:09:24 P/1 - E a escola? Qual foi a escola que você fez? Seu ginásio?
00:09:29 R - Olha, lá perto de casa, nessa rua Goiajara, 781, tinha uma escola chamada Escola de Aperfeiçoamento... Acho que era Escola de Aperfeiçoamento Aurélio Pires. E eu fui para lá. Tinha que fazer concurso. Eu fiz o tal do concurso. Era pequenininho, tinha uns 5 ou 6 anos. Passei. Aí fui estudar nessa escola. E essa escola vivia fazendo experiências sobre novas formas de ensinar. E eu lá fiquei, acabei formando lá. Quatro anos depois, fui o orador da turma. Coisa interessante, né? Eu fui orador da minha turma. Depois, logo perto tinha uma escola que era o colégio estadual, que era de graça, não pagava. Aí eu entrei para o colégio estadual, fiz concurso, passei e fui estudar no colégio estadual. Mas aí o Colégio Estadual estava crescendo muito em termos de cidade, estava crescendo muito, estava naquela ocasião. Construíram outro prédio longe, lá no fim, lá depois da Avenida Contorno, lá no Santo Antônio. E naquela ocasião, para mim, ficava muito ruim, porque não tinha ônibus. Então, para ir lá, tinha que ir de carro ou coisa parecida. Não tinha como. Carro naquela ocasião era um troço... Chique, difícil de ter, né? Aí, como meu irmão tinha estudado no Colégio Anchieta e tinha sido muito bom aluno no Colégio Anchieta, mais velho, aí eu fui convidado a estudar lá no Colégio Anchieta. E estudei lá até formar no científico. E depois, quando saí do Colégio Anchieta, Eu fui convidado para ser professor do Colégio Anchieta e fui lecionando ele lá no Colégio Anchieta durante muito tempo. No início, eu dava aula sem carteira assinada. Eu era uma espécie de um professor, assistente, uma coisa assim. Depois, acabaram me dando mesmo carteira com tudo assinado. Eu tenho ela guardada até hoje. E era professor lá de matemática, física e mais outras coisas lá, porque eu ensinava esses negócios todos que eu gostava. E assim foi.
00:11:51 P/1 - Agora, sobre outros trabalhos. Quer dizer, esse foi o teu primeiro trabalho? Como professor?
00:11:57 R - Não, eu, mesmo antes de entrar para a escola de engenharia, eu entrei para a escola de engenharia em 90... em 97? Acho que foi em 97 que eu fui aprovado.
00:12:10 P/1 - Em 97, não.
00:12:12 R - Não, não, não. Em 57. Depois que eu estudei em 58, é isso mesmo. Foi aprovado em 57. E... como é que foi mesmo? E até 1957 eu estava fazendo científico, essas coisas, e eu tive dois empregos. Um foi num laboratório chamado Fontoquímica. Fontoquímica era um laboratório que vendia um produto chamado Detefon. Para as pessoas mais velhas sabem o que é Detefon. Era um produto que matava baraco, escorpião, mosquito. E a gente botava aquele líquido dentro de uma bombinha e guixava para todo lado. E matava os bichos e costumava matar as pessoas também, né? É hexaclorofeno, é um troço desse. Eu já nem me lembro, mas naquela ocasião eu me lembrava do nome. Então, eu arranjei um emprego lá, porque esse produto estava vendendo uma loucura em Belo Horizonte, porque Belo Horizonte tinha muito escorpião naquela época, muito barata também. Então, o colégio onde eu estudava era perto desse laboratório. Então, um dia, passando lá em frente, se oferece emprego, não sei o que. Cheguei lá, aí me contrataram para ser entregador. Então tinha uma caminhonetezinha lá, tinha um cara que dirigia, e eu ainda não sabia dirigir naquela ocasião. Sabia, mas não podia porque era menor ainda. Aí eu ia com o cara, pelos bairros da cidade toda entregando, né? Armazém, porque tinha armazém que vendia DETEFON, tinha outras lojas que vendiam DETEFON, e também tinha remédios, tinha xarope, tinha essas coisas todas, e eu passava o dia todo entregando mercadoria. Até que um dia o... O gerente lá do escritório perguntou, sabia que eu escrevia, não sei o que, falou, você não quer fazer ficha para nós? Eu falei, o que é fazer ficha? Não, é que a gente faz o nosso cadastro, quer dizer, a gente pega a informação das pessoas que estão interessadas em comprar nossos produtos. Se as informações forem boas, a gente vende. Se forem ruins, a gente não vende. Eu falei, tá bom, então vou fazer. Ele me deu lá um monte de papel, que tinha tudo carimbado, já direitinho, como devia de fazer, e comecei a fazer. E passei fazendo fichas durante... Eu trabalhei nesse laboratório acho que uns dois anos, no máximo. Aí, coisa interessante, naquela ocasião estava aparecendo no mercado a maquininha de calcular. E a maquininha de calcular era fabricada por uma empresa chamada Facit. Era uma maquininha mecânica. Mexia, mexia, fazia 3x2, não sei o quê, 4x5 e tal. E essa facite, conhecida até hoje, fazia também máquina de escrever e tal. Aí, como me ofereceram um emprego, receberam mais dinheiro, eu falei, é aqui que eu vou. E fui trabalhar lá. Trabalhei nessa empresa, que era uma empresa que representava a facite, que era a fabricante, que era o produto importado. Chamava Sociedade Técnica Murray, me lembro até hoje. do nome dessa empresa. E eu fui lá e também comecei entregando, entregando máquina de calcular e máquina de escrever. Tinha lá um carrinho também. E o mais interessante é que, passados os meses, não demorou muito tempo. Na parte de baixo lá do prédio, era uma oficina mecânica, porque eles lá consertavam também as máquinas. Descrever e máquina de calcular. E nas épocas que eu, nos momentos que eu não tinha nada que fazer de entregar, eu descia lá pra baixo e ficava vendo os caras consertando aquele troço, os mecânicos e tal. E fui tomando gosto pela coisa. Um dia faltou alguém lá, não me lembrei, e precisava de entregar uma máquina, e a máquina não estava pronta, não sei o quê. Perguntaram se eu podia ajudar, e eu fui lá e ajudei, tá entendendo? E a máquina ficou pronta. Aí falaram assim, você quer trabalhar aqui na oficina? Nós estamos precisando de alguém aqui pra ajudar. E aí eu passei pra oficina. Trabalhei lá na oficina também mais algum tempo, mas não demorou muito, porque aí eu tive que fazer CPR. E tinha passado também na escola de engenharia. Então, eu estava fazendo as duas coisas e não pude mais trabalhar. Passei uns tempos até acabar o CPOR. O CPOR demora quase dois anos para fazer. Naquela época demorava, hoje em dia eu não sei como é mais. Então, foi aí. Até aí, fazendo CPOR, mais ou menos. Na faculdade de engenharia, eu fui aprovado em 57, comecei em 58, fiquei 58, 59, 60, 61, 62, cinco anos. E lá, a escola de engenharia no primeiro e no segundo ano é muito apertada. Lá em Belo Horizonte, naquela ocasião, era a única escola de engenharia que tinha no Estado naquela ocasião. E a turma era relativamente pequena. Eu acho que eram uns 40, 50 alunos. E os professores apertavam para burro. E no primeiro ano e no segundo, a gente tinha aula de manhã, de tarde e de noite. E era praticamente todo dia. Sábado praticamente até as quatro horas. Só no domingo é que a gente não tinha aula. Então você não podia se ocupar com outras coisas. A gente ficava literalmente ocupado... durante esses dois anos. Depois, aliviei um pouco. Aí, a gente pode voltar a trabalhar. As aulas só passam a ser de manhã, aí você pode trabalhar à noite, pode ir. Aí, depois, no segundo ano, eu voltei a trabalhar outra vez, como tinha trabalhado no tempo anterior. Eu tinha terminado o CPOR também. Então, voltei a me ocupar. Mas aí, eu me ocupei dando aula. Porque não havia ainda, naquela ocasião, esses cursinhos como há hoje aí, né? Pitágoras, Advances, não sei o quê, a meninada vai toda. Naquela ocasião, a gente dava aula em casa, né? Ou dava aula em pequenas salas que haviam no centro da cidade, lá em Belo Horizonte. E eu era professor, tinha um outro lá que dava Química, tinha um outro lá que dava Biologia, não sei o quê.
00:18:46 P/1 - Você dava o quê? Matemática?
00:18:47 R - Eu dava Matemática. E aí foi. E praticamente fui assim até me formar, dando aula. Dava aula no colégio que eu me formei também, todos os dias.
00:19:02 P/1 - E lazer? Tinha tempo?
00:19:05 R - Olha, lazer... Tinha muita coisa interessante lá em Belo Horizonte. Eu me lembro, eu gostava muito de tomar cerveja. Eu sempre gostei muito de tomar cerveja. Até hoje eu tomo cerveja, apesar da idade. Então, na sexta-feira, de segunda à sexta, era trabalho e cumprir as responsabilidades. Na sexta-feira à noite já tinha um chopinho, uma cervejinha, tinha os bailes, tinha muita moça ali naquela região toda, sempre uma moça dava uma festinha em casa, a outra dava no outro local. Tinha lá o Diretório Central dos Estudantes, a MADECEN naquela ocasião, e todo domingo, todo sábado também tinha bailes, então tinha uma vida muito agradável. Agora, eu... Eu morava na rua Guajajaras e, em 1954, o pai da minha mulher mudou para essa rua, 100 metros de distância da minha casa. Então, em 1954, eu fiquei conhecendo a minha esposa. E, no início, eu não estava muito pensando em namorar ela, não, porque eu estava sempre estudando, não tinha nem tempo, eu era muito novo também. Mas, em 1958, nós começamos a namorar. E aí foi. Estamos casados até hoje, juntos. Então, minha vida, em termos de relacionamento amoroso, foi praticamente só com a minha mulher. O nome dela? Regina. Ela é muito brava, muito exigente, filha de militar. O pai foi general, já falecido também, e a mãe era muito rigorosa. Ela é uma mãe danada de brava. Estamos juntos até hoje.
00:21:08 P/1 - Nesse período da sua faculdade, algum professor te marcou mais?
00:21:14 R - Olha, eu tive dois professores extraordinários na escola de engenharia. Um foi o Eliseo Rezende. Está aí vivo, já foi ministro, já foi candidato a governador do estado de Minas Gerais, mas perdeu a eleição, infelizmente. Foi, me parece, deputado. Foi diretor do DNER quando ele existiu. Acho que o DNER nem existe mais, mudou aí, criou-se outra coisa. Mas, independente do que ele foi depois que ele largou a escola de engenharia, ele era um professor fantástico. Ele era professor de cálculo, cálculo diferencial, integral. Dois anos. Cálculo 1, que é dado no primeiro ano, e depois cálculo 2, que é dado no segundo ano. E ele foi meu professor. Ele é um seito extraordinário. Eliseu Rezende. E o outro era o Edson Judes. Edson Judes formou junto com o meu irmão na escola de engenharia, formaram no mesmo ano. Então, eu já conhecia ele anteriormente, por causa da presença do meu irmão, eram colegas. E ele foi professor meu de geometria analítica. Ele também me marcou uma pessoa extraordinária, extraordinária. Teve um outro também, que era o Cristovinho, Cristóvão Colombo dos Santos. Cristóvão Colombo dos Santos, a turma chamava ele de Cristovinho, mas o nome dele era Cristóvão Colombo dos Santos. Era uma pessoa extraordinária. Mas ele era muito pequenininho, então chamava ele de Cristovinho. E o Cristovinho era professor catedrático da cadeira de geometria analítica, em que o Edson Jutz era, para mim, o melhor professor que eu vi na minha vida, desses dois aí. Mas, interessante, O Cristóvão Colombo dos Santos, ele era uma pessoa extraordinária. A aula dele era um prazer. A gente passava 45 minutos no céu de tanta satisfação com as coisas que aquele homem criava e mostrava pra gente. Mas tinha um dia do ano que ele chegava extremamente sério. Sério, mas não falava nada, não olhava pra ninguém, tá entendendo? E todo mundo ficava... Vocês estão achando que diabo tem com o Deuno Cristovinho hoje? Eu sinto tão agradável, tão suave com o professor, hoje está aí com essa cara de mau, agredindo, não sei o quê. E até que de repente algum bobolhão perguntava, mas professor, o que houve com o senhor? O senhor é tão bonzinho hoje, está bravo, está danado. Aí ele falava sempre a mesma coisa. Ele falava, meu filho, essa noite eu sonhei que estava preso debaixo de um radical e não era quadrado perfeito. Eu não sei se vocês entendem isso, quem estuda matemática sabe. Os números, quando são quadrados perfeitos, eles são retirados debaixo de um radical, que é a raiz que sai debaixo. Raiz de 9, por exemplo, é 3. O 9 está preso debaixo do radical, raiz de 9. Quando você extrai a raiz, ele vira 3. Mas se o camarada não é quadrado perfeito, um número que não tem raiz, ele não sai de baixo, ele fica preso lá o resto da vida. Aí todo mundo ri. Aí ele voltava. Era o que era. Virava o Cristovinha de sempre. Olha a figura.
00:25:09 P/1 - Então, como é que, nessa época, você como estudante, o que você conheceu da Petrobras?
00:25:19 R - Olha, Eu com essas revistinhas... Então, conta.
00:25:25 P/1 - Um pouco a história das revistinhas.
00:25:27 R - A revistinha sempre dizia o que a Petrobras estava fazendo.
00:25:30 P/1 - Mas que revistinhas eram essas?
00:25:31 R - Eram as revistinhas mensais ou bimensais que a Petrobras publicava e começou a publicar praticamente desde o início da sua criação e que mandava para as pessoas importantes do país, inclusive para os sócios que tinham comprado ações por força da legislação que criou a Petrobras. Então, lá em casa, eu recebia a revistinha. Meu tio e nós morávamos num mesmo prédio, embora em residências diferentes, e eu pegava aquele negócio e lia. Desde pequenininho.
00:26:01 P/1 - Mas explica assim, por que teu tio recebia as revistinhas da Petrobrás?
00:26:04 R - Porque ele era acionista da Petrobrás, entendeu? Então ele tinha o direito de receber. A Petrobrás decidiu fazer isso, mandar essas revistinhas para pessoas, para acionistas e pessoas importantes da República, políticos, deputados, senadores, governadores e tal coisa, para criar Para criar esse interesse entre os brasileiros que diz respeito a Petrobrás como empresa estatal importante para o país. O que aconteceu foi o seguinte, em 1958, quando Getúlio assumiu, Essa questão da criação da Petrobras tomou mais força, embora a questão já vinha se arrastando anteriormente. E eu me lembro que, naquela ocasião, o Brasil, se não me falha a memória, tinha três ou quatro partidos. Era a UDN, o PDS, o PSD, não sei bem o que era, o PTB, que era o partido do Getúlio, e tinha, acho que era o PR, que era o partido republicano. Não sei se tinha mais algum ou menos expressivo, tá? E o PTB, que era o partido do Getúlio, e o PDS, esses dois partidos, me parece que eles eram a favor da criação da Petrobras. A UDN era contra, mas não era todo mundo que era contra, tinha gente dos dois lados. E esse PR eu acho que também era contra, uma coisa assim. Então, essa votação que, no fim, acabou criando a Petrobras foi muito disputada e criou um estado de espírito. em todos nós brasileiros que tínhamos algum interesse ou que líamos alguma coisa a respeito de petróleo. Eu queria que a Petrobras fosse criada, porque eu achava que criar a Petrobras era muito importante para o Brasil, porque era a forma que a gente tinha de procurar petróleo no nosso país, com extensão, área e extensão enorme. E não deixar aos americanos, aos franceses, eu não tenho nada contra americano, nada contra francês, nada contra alemão, nada contra inglês, mas deixar esse chão todo aqui para eles furarem e tirar petróleo e nós ficarmos sem o petróleo que pode ser nosso. Aí eu queria que fosse criado e queria que o Brasil produzisse petróleo e muito e se livrasse da carga desses outros países em cima da Géria. Bom, então, quando foi criado, eu fiquei muito satisfeito com aquele negócio. Que bom. Embora o meu tio, que tinha carro, não tivesse gostado muito do negócio, porque quem tinha automóvel naquela ocasião teve que contribuir para a capitalização da Petrobrás. pagando uma certa importância pela compra de ações da Petrobrás. Então, meu tio falava... Eu chamava Sebastião, mas meu tio chamava de Tião. Eu tinha, sei lá, meus 14, 15 anos de idade. Esse Getúlio aí tá me obrigando a pagar esse negócio. Essa Petrobrás não vai pra frente nada, vai acabar, não sei o quê. Isso é coisa que só americano sabe fazer, inglês. Eu falo, não tio, nós vamos dar jeito nisso, você vai ver um dia eu ainda vou parar nesse negócio aí, vou ajudar a resolver o abacaxi. Vai nada, não sei o quê. Mas foi, uai. O negócio aconteceu, tá entendendo? Ele teve que pagar, ele passou a receber as revistinhas e eu passei a saber das coisas da Petrobras através da revistinha. E cada dia que eu via aquilo, eu me interessava mais e mais e mais. Quando eu saí da escola de engenharia, eu queria trabalhar na Petrobras. Se eu não tivesse, por acaso, passado naquele concurso, ou se eu não tivesse, por acaso, sido aprovado nos exames médicos, no exame cheio de coisa lá, porque você tinha que passar em tudo, eu teria ficado muito triste. Não teria perdido o emprego, não. O emprego era completamente diferente. Eu tinha uma meia dúzia de ofertas de emprego naquela ocasião. Eu não teria passado dificuldade nem coisa nenhuma, mas eu não teria ficado... feliz como eu fiquei pelo fato de trabalhar na Petrobras naquela ocasião.
00:30:25 P/1 - Então, como é que se deu esse ingresso? Como é que você soube que tinha concurso? Como é que foi teu ingresso na Petrobras e quando é que foi?
00:30:32 R - Olha, a Petrobras informava que ia realizar concursos, né? Era em São Paulo, no Rio, sei lá, no Rio Grande do Sul, tinha uns quatro ou cinco lugares no país. Então, todo mundo tinha que se inscrever e, no dia, estar lá naquele local onde ia haver o concurso. Eu, por sorte, no ano que eu fiquei disponível para fazer o concurso, porque só podia fazer o concurso quem já era formado ou aqueles que estavam no quinto ano, quer dizer, que iam formar aquele ano. Eu estava no quinto ano e ia formar naquele ano. E o concurso ia ser em Belo Horizonte. Eu falei que beleza. Na realidade foi na escola de engenharia onde eu estudava. A escola cedeu lá uma sala ou duas. E lá fui eu. Fiz o concurso. Graças a Deus fui aprovado. Outros colegas meus também foram aprovados. Aí, nós fizemos o seguinte, juntamos o dinheiro de nós todos para um ir a Salvador para ver como era Salvador. Porque o nosso, a nossa engenharia que a gente ia fazer era a engenharia de petróleo e quem era? Era a Universidade da Bahia que ministrava aquele negócio lá, sob os cuidados da Petrobras e com a ajuda da Petrobras. Pegamos um dos nossos lá, que quis ir à Bahia, e ele foi à Bahia, para ver como era a Bahia.
00:32:10 P/1 - Mineiro desconfiado.
00:32:12 R - E foi, passou lá, sei lá, uma meia dúzia de dias e voltou a dizer o seguinte, é o lugar mais bonito que eu já vi na minha vida. É o mar mais verde que eu já vi na minha vida. Mineiro tem um amor por mar, é uma coisa impressionante. Mineiro nunca viu mar. Quando chega e vê o mar, fica abismado. Então, esse nosso colega falou que era o melhor lugar do mundo, as moças mais bonitas do mundo, é uma comida maravilhosa e não sei o quê. Então, eu aceitei. Falei, vou nessa. E fui. Tudo fechava direitinho. E eu fui para Salvador. Fui para Salvador, me parece, se não me falha a memória, uns dois dias depois do Natal. Antes do fim do ano.
00:32:55 P/1 - Já tinha casado, certo?
00:32:56 R - Já tinha casado. Já tinha casado. E já tinha apartamento alugado em Belo Horizonte. A minha mãe... Eu era o último filho. Minha mãe já tinha casado todos lá em casa. Eu tinha sido o último a casar. Minha mãe viúva. Isso me deu uma angústia danada, porque eu fiquei com uma pena da minha mãe. Mas foi inevitável, porque eu tinha três irmãos lá em Belo Horizonte. Duas morando perto, o outro irmão morando não perto, mas também não muito longe. Então, achei que minha mãe dava para suportar aquilo. E lá fui eu para a Bahia. Chorei uns dois dias por causa disso, mas depois passou.
00:33:52 P/1 - Você levou a esposa, se mudou totalmente?
00:33:56 R - Olha, eu me lembro que eu queria ir sozinho porque eu queria sentir primeiro o ambiente e tal, alugar a casa, não ter despesa de hotel, esse negócio todo com a mulher. Mas ela disse que não, que ela ia de qualquer jeito. Então, foi. E passamos lá uns tempos hospedados, pagando diária, não sei o quê, porque a Petrobras naquela época não pagava nada disso, gastando muito dinheiro, mas depois de um mês a situação já estava sob controle.
00:34:25 P/1 - Qual foi a sua primeira função? Qual foi o seu primeiro trabalho?
00:34:30 R - Olha, esse curso de engenharia de petróleo lá em Salvador durou mais ou menos uns 15 meses, 16 meses. Mas aí tinha vindo a Revolução. Isso foi em abril, maio de 1964. E a Revolução parou o país de tudo quanto é lado. A minha turma, nós éramos uns 20 e poucos alunos, minha turma tinha gente que não era comunista e tinha gente que era comunista. Então, o que a Revolução fez? Não distribuiu as pessoas. Deixou todo mundo junto, no mesmo lugar. para serem acompanhadas e examinadas e não sei o que. Para ver se era comunista ou se não era comunista. E nesse processo de criação das comissões, das comissões de inquérito, esses negócios todos, eu nunca fui nada de comunista, eu não passei nenhum aperto. Mas muitos colegas meus tiveram muitas dificuldades. Muitas. Muitas. Teve alguns até que ficaram lá presos, detidos. Uns sumiram pelo mundo afora, só vinha a ver décadas depois, tá entendendo? Mas comigo não teve nenhuma dificuldade, mesmo porque meu sogro, além do mais era militar, meu sogro era amigo pessoal do Costa e Silva. Quando Costa e Silva era Ministro da Guerra, naquela ocasião a gente chamava Ministro da Guerra. Meu sogro trabalhava lá, era oficial militar assistente lá. Então, ele falava para mim, olha, toma cuidado, hein, rapaz, não fica falando, não, para você não estrepar a sua vida. E eu falava para ele, pode ficar tranquilo, que eu não sou desse negócio de mexer em política, eu nunca fui de política, ele não ouve nada comigo.
00:36:41 P/1 - Mas, por exemplo, um sindicato, nessa época.
00:36:44 R - O sindicato, nessa época, foi desestruturado, literalmente desestruturado. Passou uns cinco ou seis anos totalmente desestruturado. E eu fui trabalhar no interior da Bahia, no que chamava, o nome daquela ocasião era Distrito Norte de Produção. Tinha o Distrito Sul de Produção e o Distrito Norte de Produção. A abreviação era DINOR, DINOR-T, com T no fim. E o Dinórhia era o maior, produzia mais. E eu fui designado para trabalhar lá. Mas a turma que saiu, que formou, tinha gente que foi para a Amazônia, tinha gente que foi para Sergipe, tinha gente que foi para Maranhão, tinha gente para tudo quanto é lado. E eu fiquei num lugar muito bom. O Dinórhia era 100 quilômetros de Salvador com estrada asfaltada. Então, eu não... Isso era pela escolha das próprias... Não éramos nós que dizíamos o que queríamos, não. Eles que escolhiam lá, pelo que o aluno tinha sido antes. E aí eu fiquei lá. Fiquei lá trabalhando, e eu me lembro de uma coisa interessantíssima também, foi interessante, lembrei agora. Eu casei em 1962, a minha filha nasceu, a primeira filha nasceu em setembro, 13 de setembro de 1963. E, em 1968, a Petrobras começou a atividade de exploração de petróleo no mar. Foi fim de 67, início de 68, por aí. Bom, e eu estava trabalhando em terra, mas eu tinha muito interesse nesse negócio no mar, que eu achava que, no mar, a Petrobras ia fazer o Brasil alto o suficiente de petróleo. Então, eu me acompanhava de perto. E aí eu levanto de manhã cedo lá, eu morava no interior da Bahia, lá no Recôncavo. Tinha um radinho lá, eu tafo, rádio elétrico naquela ocasião, não tinha rádio a pilha ainda. Botei lá para ver as notícias antes de sair para trabalhar. Era 7 horas da manhã, coisa assim. Aí a notícia. Notícia importante, a Petrobras acaba de descobrir petróleo no mar em Sergipe. Era 13 de setembro de 68. Eu chamei minha mulher e falei, olha que coisa extraordinária. Descobrimos o petróleo no dia que a nossa filha está fazendo aninhos hoje. E eu nunca mais esqueci isso, sabe disso? A coisa me marcou. 13 de setembro de 68. Ela estava fazendo cinco aninhos naquele dia. Interessante. Logo depois, não durou acho que nem um mês. Eu fui chamado pela administração no Rio de Janeiro para ir trabalhar no mar. Começou em Sergipe e logo depois foi se espalhando. Eu trabalhei em Sergipe, trabalhei no Ceará, trabalhei no Rio Grande do Norte, trabalhei no Amapá, trabalhei em tudo quanto é lado. Uma bacia de campo. Não, não, não. Esse tipo de trabalho, o que aconteceu foi o seguinte. Quando a Petrobras viu que essa atividade estava crescendo, ela criou um órgão específico para cuidar dessa atividade de exploração e produção de petróleo no mar. O nome era CEPLAL. C-E-P-L-A-L. Serviços Especiais da Plataforma Continental. Era um órgão que ficava no Rio de Janeiro. e que controlava toda essa atividade. E eu estava ligado, eu estava lá no Dinor, como eu falei, lá no interior da Bahia. Eu estava ligado a esse órgão lá, Dinor. Aí o Ceplau de Ká disse que precisava de mim. Aí eu estava morando no interior da Bahia. Eu falei, não, eu continuo morando no interior da Bahia e quando houver necessidade de fazer algum trabalho, que era trabalho esporádico, porque a fase de descoberta de petróleo é cheia de detalhes, tem um pedaço aqui, outro, outro, outro, e cada pedaço tem pessoas específicas que cuidam daquilo. E eu estava bem no fim, a minha especialidade era bem no fim, que era fazer as avaliações das descobertas e os testes finais para decidir se a descoberta era comercialmente viável ou não, que era o fim. A melhor coisa que tem é essa para a empresa, comercialmente, economicamente, financeiramente. E aí eu passei um tempo sobre os comandos do CEPLAU, mas morando no interior da Bahia. Eu morava em São Sebastião do Passe. no alto do morro, tem uma vila, Petrobras tinha uma vila lá, acho que já deve ter acabado, tinha umas dez casas, muito boas casas, e os engenheiros da Petrobras moravam lá, e eu morava numa delas. Então, eu saía, passava dez dias, quinze dias fora, minha mulher ficava sozinha lá. Naquela ocasião, nós tínhamos dois filhos. Você sabe que eu frequentemente lembro disso quando eu olho, às vezes, minha mulher, não falo nada com ela, não, para ficar conversando, dá tristeza, mas como ela foi, Como ela foi firme.
00:42:26 P/1 - E companheira, né?
00:42:27 R - Firme e companheira. Como ela foi, viu? Nunca estiou pelos momentos que ela passou sozinha lá sem a minha presença. Mas, na medida que o negócio foi crescendo, essa movimentação achou que ia crescendo, o Ceplau falou, não, vem para o Rio de Janeiro. Aí eu fui. deslocado da Bahia para o Rio de Janeiro, foi Fui parar num órgão lá chamado DIPRO, que era a Divisão de Produção de Petróleo, que estava começando a se estruturar também para essa atividade offshore, mas trabalhando também para atender as necessidades do CEPLAU. E assim fiquei durante uns três ou quatro anos, acho que de 1970 até 1973, 1974, quando nós começamos a perfurar na Bacia de Campos. E um dia, acho que foi em outubro, novembro de 94, nós descobrimos petróleo na Bacia de Campos pela primeira vez no que veio a ser chamado de Campo de Garopa. É interessante que a Petrobras, ela frequentemente é criticada por um escritor lá de São Paulo, um jornalista lá, eu não estou me lembrado bem do nome dele, mas ele frequentemente critica a Petrobras, especialmente na administração que era que eu estava. Sempre achava alguma coisa errada, criticava e não sei o quê. E Hélio Gaspari. Hélio Gaspari. E o Hélio Gaspari. Interessante. Todo dia chateando, chateando a Petrobras, eu telefonei para o Hélio Gaspari. Eu telefonei para ela. Ô, Hélio, eu não te conheço, você não me conhece, mas eu trabalho aqui na Petrobras e cuido muito dessas coisas que você fica reclamando aí. Será que não dá para a gente conversar? Ou eu vou a São Paulo, você vem ao Rio de Janeiro, a gente almoça e conversa. Eu tento explicar essas dificuldades todas, nessas decisões complexas que a gente toma. Ah, não, eu não quero saber de Rio de Janeiro, não, porque eu trabalhei no Jornal do Brasil e no pré do Jornal do Brasil. A gente viu o cemitério ali do Caju e eu não quero saber de Rio de Janeiro mais. Se você vier aqui a São Paulo, a gente almoça." Eu falei, então eu vou. A que dia que eu posso ir? Não, então deixa que eu te diga o dia e tal coisa, mas nunca dizia. Eu falei várias e várias vezes com ele por causa desse negócio. Um dia ele falou assim, vou te pedir um favor então. Eu falei, qual? Eu estou escrevendo um livro, eu espero que um dia eu vá acabar de escrever o livro, sobre o Geisel. E uma das coisas que eu quero colocar no livro é sobre uma decisão que o Geisel teria tomado, não sei o que, a respeito da descoberta do campo de garopa. Será que você pode me passar essa informação?" Eu falei, pô, eu posso. O que você quer saber? Ele falou, eu quero saber isso, mais isso, mais isso, mais isso, mais isso. Aí, eu pedi lá ao assistente meu, procura esse negócio aí no nosso arquivo, negócio de 74, será que a gente vai achar? E o meu assistente achou, né? E pegou o relatório. E o relatório estava assinado por mim. Em 1974, 75. Aí eu mandei para o Hélio Gaspar. Eu falei, olha aí, a informação que você queria está nesse relatório aí, você viu? Desde daquela época eu já cuidava desse negócio. Ah, muito obrigado. Continua chateando. De vez em quando ele bota lá um artigo lá reclamando de gregos e troianos. Aí mesmo descobrimos a bacia de Campos, em 1974. Logo depois foi descoberto que eu tinha namorado. Logo depois, em Chova. Logo depois, Chene. Badejo e por aí vai. Quando chegou em 1975, a Petrobrás tinha chegado à conclusão lá, nós tínhamos chegado à conclusão que nós tínhamos descoberto muito petróleo na bacia de campos, a profundidade era grande, era entre 100 e 200 metros de longa d'água, que é a profundidade de água do mar no local, onde o campo está lá embaixo, lá no fundo. 2, 3, 4 mil metros abaixo dessa lâmina d'água. Então, a diretoria da Petrobras decidiu desenvolver aquele troço. Mas nós não tínhamos a tecnologia. E a tecnologia estava sendo desenvolvida naquela ocasião no Mar do Norte. Porque o Mar do Norte tinha sido descoberto também com lâminas d'águas profundas, mas não tanto iguais às nossas, eram 60, 70, 80 por aí. Então, a diretoria pegou três camaradas para dar a esses três camaradas a responsabilidade por desenvolver todas essas descobertas na Bacia de Campos. Um foi o Paulo Vasconcelos, já falecido. Outro foi o Juvan Conselho de Amorim, que aposentou um pouco antes de mim. Acredito que ele esteja vivo, mora na Bahia, morava pelo menos. E eu. Então, criou um órgão específico com a finalidade de desenvolver Toda a tecnologia e todas as obras que fossem necessárias para produzir todos esses campos na Bacia de Campos. E nós conseguimos. Foi criado um órgão chamado Ascan, naquela ocasião. E nós trabalhamos muito nesse negócio e começamos a produzir. Começamos a trabalhar em 75 e começamos a produzir, me parece que foi em 78, 79. plataformas gigantescas, todas feitas no Brasil. E eu me lembro que eu era muito chateado por diversos colegas dizendo, essas porcaria dessas plataformas não vão ficar nunca prontas, vocês vão ver, vocês vão morrer de vergonha, pois ficaram todas prontas, todas funcionando perfeitamente bem até hoje, está tudo lá. E eu costumo dizer que eu perdi uns 10 anos de vida por causa disso, porque Foi muito difícil, foi muito grande o trabalho que a gente desenvolveu para conseguir fazer o que nós fizemos. Mas conseguimos.
00:49:02 P/1 - Mas quais eram os grandes desafios?
00:49:05 R - Os grandes desafios eram, depois que a descoberta é feita, você tem que tirar o petróleo que está a 3, 4 mil metros de profundidade e trazer ele para a terra. E a tecnologia para fazer isso não existia ou existia, mas estava muito bem guardado no cofre de umas poucas companhias que não queriam dizer isso para ninguém. Então você tinha praticamente que fazer tudo. Fazer do zero. Desenvolver os programas de computador, desenvolver tecnologia de soldagem para trabalhar em águas frias e para trabalhar também com aqueles balanços, que o mar balança tudo o tempo todo, não para de balançar, né? Então, uma plataforma balançando com o mar, acompanhando o mar, ela dá uma fadiga, tá entendendo? Depois de algum tempo, o aço cede, o aço trinca e pode ocorrer desmoronamento e tudo mais relacionado com danos, blowouts. Olha, podem acontecer coisas terríveis se não for tudo feito muito bem feito e certamente corretamente bem feito. E nós conseguimos desenvolver essa tecnologia. Nós fizemos praticamente tudo no Brasil. O que nós importamos naquela ocasião? Importamos o que a gente se importa ter hoje. Turbina, compressores centrífugos, alguns itens para controlar o processo, equipamentos eletrônicos, que não faz no Brasil, mas também não faz nos Estados Unidos. Quem está fazendo esses negócios hoje em dia é Japão, é Coreia e por aí vai. E nós conseguimos fazer essa coisa toda e chegamos até o fim. E com isso, sabe o que aconteceu com isso? A nossa produção de petróleo Em 1975, quando nós começamos, devia de estar mais ou menos em 250 mil barris, 220, 250 mil barris por dia. E quando essas plataformas ficaram prontas e começaram a produzir, nós chegamos em 612 mil barris por dia. 612 mil barris por dia. Agora, isso já aconteceu para mim, por exemplo, que eu comecei lá cuidando da área de engenharia, porque, embora seja da área de produção, como eu falei, sou engenheiro de produção de petróleo, fui, quatro, né? Eu saí, deixei a atividade de produção e passei para a atividade de engenharia, em 1975, quando criou esse tal de Ascanta, entendeu? Mas, quando chegou em 83, 1983, o ECME chamou um dia lá, E falou assim para mim, você quer ser superintendente do departamento de produção? Eu falei, não é. Era uma posição importante na Petrobras, importantíssima. Eu falei, ó, é um prazer, velho. Você quer enfrentar o desafio? Eu falei, pra mim é um prazer enfrentar esse desafio. Ele falou, se eu soubesse que você era engenheiro de produção, a gente tinha te convidado pra essa posição há muito tempo atrás. Ele achava que eu era engenheiro de engenharia, da área de prestação de serviços. Roda a hora que ele soube que eu era engenheiro de produção, ele falou, pô, então eu tô precisando de um cara. Aí ele me levou. Aí eu fui ocupar a posição de superintendente do departamento de produção, que era quem cuidava da produção de petróleo no Brasil inteiro. E aí chegou comigo, na minha gestão lá, 612 mil barris por dia, isso foi em 86. Eu fiquei lá há três anos, 83, 86, quase quatro anos. E, para mim, foi uma realização fantástica. Comecei a obra e terminei com a produção no tanque de petróleo lá em terra, nos navios. Para mim foi uma satisfação.
00:53:05 P/1 - Como é que era um cotidiano seu nessa função?
00:53:11 R - Olha, nessa ocasião a gente já produzia petróleo no estado do Rio, no Espírito Santo, na Bahia, em Sergipe, em Alagoas, no Rio Grande do Norte, no Ceará e no Amazonas. Então, cada local desse tinha um superintendente regional daquele daquela unidade de produção de petróleo. Então, eu tinha essas pessoas todas como meus subordinados. Recebia, todos eles prestavam informação da minha pessoa. E tinha lá no Rio mais dois superintendentes também do departamento de produção, mas que eram subordinados à minha pessoa. Um da área de produção e outro da área de administração e manutenção. Então, eu tinha uma... eu geralmente ia para lá muito cedo, sempre sete horas da manhã eu já estava na rua e conversava com todos eles praticamente todos os dias para saber o que estava acontecendo, quais eram os problemas, o que precisava de ser feito. E tinha também a área de planejamento, que lá na Petrobrás você tem que cuidar do orçamento como se você estivesse cuidando das suas finanças em casa, com todo cuidado. Pode ir além, tem que ver o que está gastando essa coisa toda. E também a turma de projetos, que tem sempre o pessoal que está pensando para frente. Nós fizemos uma descoberta agora e nós queremos estar com essa descoberta produzindo petróleo daqui a um ano, daqui a um ano e meio. Então, o que tem que ser feito para isso? Quanto é que vamos ter que investir e o que tem que ser feito? Então, a atividade do superintendente naquela ocasião era essa, era olhar isso tudo e acompanhar isso tudo.
00:55:06 P/1 - Teve um grande desafio nessa tua gestão que tenha te marcado mais? Alguma coisa que tenha te marcado mais nesse período?
00:55:18 R - É, teve. Teve um acidente lá que me machucou. A atividade numa determinada plataforma, naquela ocasião, ela era conduzida por departamentos distintos. Então, tinha um departamento que cuidava de produzir petróleo e gás. Tinha um departamento que cuidava de fazer exploração. E tinha um outro departamento que cuidava de fazer perfuração. Então, um perfura, o outro produz, o outro explora, e tudo na mesma plataforma. Não só em todas, não, em algumas. Então, eram três superintendentes que ficavam responsáveis por uma mesma plataforma. Em certa ocasião, foi no dia 15 de agosto de 1985, se não me falha a memória. Estava havendo uma atividade na plataforma de enxova com sonda. Atividade com sonda na plataforma de enxova. E a plataforma de enxova tinha lá um campo de gás, uma capa de gás. Tinha um campo que produzia petróleo e tinha uma capa de gás um pouco mais acima. E aconteceu que esse gás vazou. Entrou no poço, subiu. Explodiu, pegou fogo. E as pessoas que lá estavam, foi de madrugada, foi meia-noite por aí. Interessante que dia 15 de agosto era o dia do aniversário do Shigeki Ueki. Acho que era o presidente da Petrobras naquela época. Não sei se estava mudando ali, porque houve uma mudança, entrou um outro, não sei o quê, porque ele queria ser embaixador lá na Comunidade Econômica Europeia, mas depois não conseguiu. Teve uma opção de coisa assim. Bom, e a explosão em si não matou ninguém. Ninguém ficou ferido, nem coisa nenhuma. Mas tinha uma baleira, que é uma barquinha, mais ou menos o tamanho dessa sala aqui, mais ou menos dessa largura, desse comprimento, em que as pessoas que lá trabalham na plataforma, quando tem qualquer coisa, elas entram nessa baleira, que é protegida, ela tem teto, né? Essa baleira desce até o mar e as baleiras vão embora, como qualquer outro barquinho. e para proteger da situação que está difícil lá na plataforma. Aconteceu o seguinte, essa baleira fica de pendurada lá o tempo todo, sem fazer nada, só para ser usada quando há necessidade. Fica de pendurada por dois fios de aço. E para começar a descer a baleira, precisa de soltar os fios de aço. E o que aconteceu foi o seguinte, as pessoas entraram na baleira, não sei quantas, E, em vez de soltarem os dois fios de ar, soltaram só um. Então, a baleira ficou presa num dos cabos e aquele cabo não suportou o peso das pessoas lá dentro junto com a baleira. E a baleira caiu. Sem pegar fogo, sem nada, caiu. Mas ela fica muito alta, porque a plataforma fica acima d'água, 30, 40, 50, 60, porque tem diversos andares, né? E aquilo caiu e as pessoas morreram. A boleira foi pega alguns minutos depois e tal, mas todo mundo machucado, acho que todos morreram. Não sei se alguém sobrou, mas quase todos morreram. E isso foi um azar, um azar sem mais tamanho. Bom, aí você vê que coisa interessante. Eu não sei quem foi que juntou um avião aqui, arrumou um avião aqui no Rio de Janeiro, acho que foi a própria Petrobras, arrumou um avião para levar jornalistas lá na plataforma para mostrar que, se não fosse aquilo do acidente do Combarco, a plataforma em si tinha muito pouco dano. Aí o avião que estava levando esses jornalistas caiu no morro ali perto e matou mais uns oito ou nove jornalistas. Então somando mais de 30 pessoas, parece que morreram por conta desse negócio. Isso me machucou muito, viu? Vai fazer a vida, né?
01:00:08 P/1 - Vilarinho, eu gostaria de recuperar um pouquinho, você falou daquela sua experiência no Recôncavo Baiano, num vilarejo que você viveu, que foi viver com a tua esposa, tinha mais ou menos umas 10 casas, era um grupo de engenheiros vivendo ali juntos, queria que você recuperasse um pouquinho como é que era essa vivência, como é que era a comida, como é que era a infraestrutura, vocês vinham de cidade grande, como é que era morar lá no um lugar interiorzão mesmo, né? Pra tua mulher, como mulher, como é que ela se virava nas coisas de casa, pra criar um filho, como é que era isso?
01:00:42 R - Olha, era um lugar muito agradável. Tem uma estrada asfaltada, já tinha naquela ocasião, que ligava Santiago, que era a sede do local onde eu trabalhava, até a BR que liga Salvador, a Salvador, a Candeias. Acho que é a 324, se não me falho a memória. BR-324. Então, eu ia do trabalho para casa numa estrada asfaltada e ia de casa para o trabalho numa estrada asfaltada. Um acesso também asfaltado, que subia o morro. O morro devia ter talvez uns... 150 ou 200 metros de altura. E tinha dez casas em fila. Acho que eram dez, dez ou doze. E a que eu morava era uma daquelas lá do meio. E na frente, era a visão de todas essas casas, tinha o vale do rio Pojuca. Era um rio não muito expressivo, mas corria uma água bonita por ali. Tinha peixe, tinha caranguejo, tinha pitô. Tinha as coisas todas bonitas ali. E a casa tinha três quartos. Tinha uma sala muito boa. Tinha uma cozinha muito boa também. Minha mulher gostava muito da cozinha. Tinha dois banheiros. Tinha um quartinho para empregada. Eram todas as casas iguais. E tinha uma garagem, que não era garagem. Era uma área coberta e ficava bem em frente da porta de entrada da sala. E o carro ficava ali. Eu tinha um Volkswagen naquela ocasião. um 66, por aí, e ficava o carrinho ali. Minha mulher dirigia, se ela precisasse, quando eu não estava trabalhando, ela saía, ia para todo lado. Minha mulher nunca foi de ficar presa, não. Bom, o local chama São Sebastião do Passeio. É uma cidadezinha pequena, pouco expressiva, mas muito agradável. E eu comprava praticamente tudo em São Sebastião do Passeio. Tinha uma feira nas sextas-feiras, de tarde, começava lá para as quatro horas e ia até às sete, oito horas da noite. E a gente comprava todas as verduras ali. Tinha tudo quanto é verdura. Não tinha problema de faltar nada. Tinha muita carne, tinha de tudo. E tinha lá uns barzinhos que a gente tomava cerveja com os colegas e as mulheres também se encontravam por ali. Também, também. Elas participavam de tudo. As mulheres, já naquela ocasião, a minha e as outras lá, eram muito para frente, não tinha nada de ficar presa, não todas dirigiam o carro.
01:03:26 P/1 - Mas o convívio era entre elas, por exemplo assim, com o pessoal da região, por exemplo, essas pessoas, como é que era?
01:03:35 R - É, olha, eu conhecia o barbeiro, que eu ia lá uma vez por mês cortar cabelo. Eu conhecia o dono do bar lá que vendia uma cervejinha pra gente, eu conhecia o gerente lá da agência bancária, tá entendendo? Eu conhecia muito poucas pessoas, porque eu saía de casa às sete horas da manhã, né? E voltava... saía... não, às sete horas começava o trabalho, eu saía às seis e pouco. Porque desse local até onde a sede dos... Onde eu falei, a sede do distrito era uma meia hora, mais ou menos, de carro. Então, eu saía de casa muito cedo, trabalhava até as quatro e meia, mais ou menos, voltava para casa, e o meu trabalho era 24 horas por dia. Era 24 horas por dia, porque eu trabalhava com sonda, fazendo completação e avaliação de poços. E tinha sonda a 100 quilômetros de distância, então, às vezes, chegava em casa às cinco horas da tarde e falava para a minha mulher, bota alguma coisa aí pra mim comer, que eu vou ter que sair, porque eu tenho serviço hoje lá em Fazenda Imbé, que são 100km de distância. Então eu saía, depois do almoço, depois de jantar, ia pra Fazenda Imbé, passava a noite toda trabalhando lá e voltava pra casa de manhã, com o serviço feito, quase sempre com o serviço feito, bem feito, e depois ia trabalhar outra vez, depois que chegava em casa e tomava um banho, ia trabalhar outra vez. E a vida era assim. Não tinha muito tempo para distrair, não. Era só mesmo na hora que estava com os colegas e depois do serviço, que a gente se juntava em algum localzinho ali. Olha, não tinha televisão naquela ocasião, não é mesmo? Não tinha telefone. Eu não falava para Belo Horizonte porque não tinha telefone. A minha mulher conheceu lá em Salvador, tinha um quartel lá em Salvador, ela ficou conhecendo lá um oficial, que o pai dela falou, que tinha um rádio amador. E meu sogro lá em Belo Horizonte conhecia lá um rádio amador. Então eles falavam assim, rádio amador pra cá, rádio amador pra lá, rádio amador pra cá, rádio amador pra lá. Eu não falava com a minha mãe, porque eu não tinha... Minha mãe não saía de casa para a animadora, então eu escrevia uma carta. Todo mês eu escrevia uma carta para a minha mãe e tal, contando as coisas, e ela devolvia uns dias depois, contando também as coisas. E assim era.
01:06:10 P/1 - Mas, por exemplo, a vida da mulher ali, quer dizer, no fundo, vocês saíam para trabalhar, mas e as moças? Elas eram amigas? Elas tinham atividades, alguma coisa?
01:06:20 R - Eram, eram. Olha, dessas... Porque essas pessoas que moravam nessas dez casas lá de São Sebastião do Passe, um, por exemplo, trabalhava lá no Distrito Sul. Então, às vezes, nem conhecia o cara, está entendendo? Só sabia o nome dele e tal, mas não conhecia. O outro era médico. Então, ele cuidava de examinar as pessoas e tudo mais, também a gente não conhecia. Só via quando estava com uma coisa. Doutor, estou aqui com um negócio. O outro também cuidava de outro negócio em outro lugar. Agora, tinha quatro lá que trabalhavam, quatro engenheiros, quatro casais, que trabalhavam na área do Distrito Norte, que era o Bobel, era o Nelson Schmidt e o outro, o Alfredo Ramalho. Nós quatro, nós vivíamos, tínhamos um relacionamento muito bom. Um era baiano, o Alfredo Ramalho era baiano, que foi depois superintendente lá da Bahia. Eu, mineiro, o Nelson Schmidt, gaúcho, e o Bobé, o paranaense. Essas quatro mulheres passavam o tempo todo falando mal dos outros. Para você ver como é que o relacionamento ficou forte nesses anos todos. Sexta-feira, o Nelson Schmidt e a esposa dele almoçaram comigo com a minha esposa. Eles hoje moram em Salvador, vieram aí passar uns dias. Estivemos juntos, almoçamos juntos e criamos uma amizade sem fim. Agora, com o pessoal da cidade, não havia muita coisa naquela ocasião. Porque quando aparece alguém que gosta de política, por exemplo, Alguém que quer logo conhecer o prefeito e conhecer o presidente da Câmara dos Vereadores. Aí, assim, turma ali na cidade. É outra coisa. Eu tive colegas, por exemplo, que eram assim. Gostavam muito de política e queriam se aproximar da sociedade local. Agora, quem não gosta de política, olha mais o trabalho e as suas obrigações do dia a dia. Trata-se, nós tratamos todo mundo bem, né? Pelo menos lá a gente tinha que tratar. Mas aproximação maior não tinha não.
01:08:54 P/1 - Tá bom, Guilherme, então vamos voltar um pouco aí pra década de 80, né? A partir do ano de 1985, quer dizer, você continua no cargo como superintendente, né?
01:09:05 R - Superintendente.
01:09:06 P/1 - Até quando?
01:09:07 R - Como é que... Olha, eu fiquei até 86. 86. Aconteceu uma mudança na presidência da Petrobrás. Lá na Petrobrás, quando muda presidente, muda um monte de gente, né? É sempre assim. Agora mesmo, o jornal aí tá dizendo que estão... O Globo de Ontem tá vendo que estão mexendo com muita gente lá e tal, mas faz parte do processo. Não tem que reclamar, não. Eu vivi essa experiência tantas vezes. Trabalhei com tantos presidentes lá dentro. Sempre havia isso. E, em 1986, entrou o Osíris, me parece. Não, antes do Osíris, foi aquele que criou aquele programa de desburocratização... Hélio Beltrão. Hélio Beltrão. Entrou lá o Hélio Beltrão e o Hélio Beltrão resolveu mudar lá as coisas que todos os presidentes mudam. E eu estava com um diretor que era o Renault, Joel Renault, que foi diretor antes de mim. E aí o Renault foi botado pra fora com a entrada do Helio Beltrán ou já foi na saída e na entrada do Osíris. Houve uma mudança. E um novo diretor entrou, que foi o Wagner Freire. E o Wagner Freire resolveu mudar a administração do depo. Eu saí e entrou Alfeu Valença. Alceu Valença. Alfeu Valença. Então, eu saí. Bom, eu saí. Mas, logo depois, eu fui convidado por um diretor novo que chegou lá, que era o Edilson Tavara. Edilson Tavara. Edilson Tavara era político, searense. sempre muito, pessoa muito discutida e criticada e não sei o quê. E, como o presidente da República naquela ocasião era o Sarney, e o Edilson Tava e o Sarney eram conhecidos, políticos antigos e tal e coisa, apareceu lá o Edilson Tava para ser diretor. Edilson me chamou um dia e perguntou se eu não queria ser assistente dele. E eu não queria. Eu não queria, mas eu não podia falar que eu não queria, porque falar que não quer para diretor é chato. Eu estava numa posição lá embaixo, no Serviço de Engenharia, estava dirigindo uma divisão lá. O salário era a mesma coisa. Então, em termos de salário, eu não tinha interesse. O Edilson estava e eu não o conhecia bem. Aí eu falei, tá, vamos ver. E saí sem dar resposta. Passado, sei lá, uma semana, duas ou três, ele me chama outra vez lá. Como é que é? Decidiu? Eu falei, pois é, diretor, eu tô pensando. Ele falou, não, você não tá pensando em coisa nenhuma. A partir de amanhã, você tá aqui. Já assinei aí a portaria. Aí, no dia seguinte, eu fui trabalhar com Edilson Tavra. Fiquei trabalhando com Edilson Tavra. 86, 87, 88, 89, aí ele morreu. Pobre coitado Edilson apareceu lá com um câncer desses violentos. Me parece que morreu em novembro de 89. Parece que Edilson morreu, Edilson estava. Eu tinha até acostumado a trabalhar como assistente diretor. Edilson era um político, não tinha muita vivência das coisas da Petrobrás. E eu era... Trabalhava na Petrobras há décadas e décadas e eu conhecia bastante a empresa. Não havia muitos segredos da empresa para mim. Então, eu ajudei disso que pude. E assim foi até o dia que ele faleceu.
01:13:19 P/1 - Mas o que te marcou mais durante esse período como atividade de vocês ou a tua participação em algum... Olha, o.
01:13:27 R - Que me... Um dia o Edilson me chamou e disse assim, olha, você sabe que a Petromisa, quem toma conta sou eu, né? Eu influenciei. Petromisa era uma empresa de mineração, que a Petrobras tinha, Petromisa S.A. E que produzia cloreto de sódio e cloreto de potássio, numa mina lá em Sergipe. Um buraco que vai 400, 500 metros de profundidade e extrai esses dois sais, né? Um a gente usa na comida e o outro é um fertilizante, o cloreto de potássio é um fertilizante extraordinário. Ele falou, então toma conta desse negócio aí pra mim que eu tenho muitas coisas pra ver. E eu fiquei tomando conta, praticamente, da Petromisa. Petromisa tinha, e eu como assessor dele, mas ele tinha lá na Petromisa, ele tinha presidente, ele tinha vice-presidente, tinha diretores, tá entendendo? E eu acompanhei muito a Petromisa durante esses anos que eu lá estive. Acho que tem uma fotografia. Acho que eu não trouxe a fotografia. Eu lá na Petromisa fazendo uma visita junto com as pessoas. Eu não trouxe essa. Ficou em casa. E isso me marcou bastante. Aí Edilson morreu. O Collor entra. Aí o Collor decide acabar com a Petromisa. Petrobrás tinha que vender a Petromisa ou fechar a Petromisa, porque a Petromisa era uma empresa operacionalmente muito complicada de operar. Para Petrobrás, que mexe com petróleo, mexer com sal, acabou se passando aquela empresa para a Vale do Rio Doce, me parece, hoje em dia a Vale do Rio Doce cuida dela. E aí eu continuei. O diretor que entrou lá depois do Edilson Tavra, eu acho que foi o Roberto Vila, se não me falha a memória, Roberto Vila ficou com a responsabilidade de acabar com a Petromida. E eu, que era lá o assistente, fiquei responsável por fazer as coisas para fechar a Petromida, entendeu? E assim foi. Fiquei com esse abacaxi na mão aí mais de um ano. E eu me lembro até hoje da lista. A Petromiros acho que tinha 1.060, 1.070 empregados, e nós íamos demitir todo mundo, porque era para fechar. E o mais interessante é que tem pessoas importantes que estão agora nessa administração aí, que estavam lá na lista, que foram demitidas, porque a ordem era demitir, era a ordem da presidência da república. E assim aconteceu. Isso tudo me marcou muito, viu, nessa época.
01:16:34 P/1 - E depois, então, quer dizer, depois da morte desse, aí como é que você, dentro da empresa, como é que você vai para outra função?
01:16:43 R - Como é que... Aí, morreu o Edilson Tavaro, logo depois o Collor assumiu e botou lá como presidente da Petrobras o Mota Veiga. Mota Veiga. Eu não sei qual o nome do Mota Veiga, acho que é Luiz Otávio Mota Veiga, alguma coisa assim. E o Mota Veiga queria arrumar a Petrobrás direitinho lá, né? Embora o Collor, as orientações lá do Collor eram meio complicadas. Eu não sei, nunca falei com o Collor, mas achava que era um negócio complicado. Aí um dia, para a minha surpresa, Eu recebi uma oferta do Matavega para ir dirigir a Braspetro, que é a companhia internacional que cuida da Petrobras, internacional. Produz petróleo no exterior, explora, não sei o quê, faz um monte de coisa. E aí eu aceitei, foi um frento, um desafio para mim, vale a pena, não sei o quê. Isso foi em 1990, foi logo depois da... Isso foi logo depois da posse do Collor na Presidência da República. Eu não fui nunca naquele prédio lá, como é que chamava? Bolo de Noiva, alguma coisa assim, não foi? Tinha um nome estranho, né? Eu nunca fui lá. Nunca fui convidado por ninguém de fora da empresa para participar de coisas estranhas, nunca. Eu não tive esse problema na Petrobras. Para mim, foi até a surpresa, porque disseram assim para mim, olha, seu nome vai para Brasília para ver se nada consta. Passados uns dias, nada consta. Falei, uai, então está muito bom. Vou poder trabalhar com o meu interesse pessoal nas coisas e não com alguém lá de Brasília mandando. Eu fui ser vice-presidente da Brás Petro. Bom, então eu acabei indo para Brás-Petro, para ser vice-presidente da Brás-Petro. E o interessante é que a Brás-Petro, a administração lá era assim, o presidente da Brás-Petro era o presidente da Petrobrás. Eu acho que até hoje é assim. Mas o dia-a-dia, quem tocava todo o processo administrativo, operacional, tudo, era o vice-presidente. Eu fui para ser o vice-presidente. O chefe meu era o presidente da Petrobras, embora de vez em quando mude, bota outro, não sei o quê, mas estruturalmente é assim. Bom, e eu lá fiquei, 90, 91, né? E aí, 91, tudo na época do Collor mudava muito rapidamente, né? Era um semana, o outro não era. Passei lá um ano, mais ou menos, aí saí de lá. Aí voltei para ser assistente da diretoria. Isso já foi fim de 91. Eu fui ser assistente da diretoria, cujo diretor, meu chefe, era o João Carlos Deluca, que já aposentou e já saiu também. E fiquei lá um ano e pouco, coisa assim, como assistente da diretoria. Aí houve mudança, mudança, mudança na presidência da Petrobras e parou lá o João Renor. E o João Renor me convidou. Logo quando chegou lá em 93, acho que foi no início de 93, me convidou para ser chefe do gabinete dele. E eu fui ser chefe do gabinete do João Renor durante alguns meses. Aí houve também uma mudança na diretoria da Petrobras, feita pelo Renault, e eu fui ser diretor. E lá fiquei como diretor de 93 até 99. E uma coisa interessante também, que eu vivi com uma experiência ótima que eu tive na vida, foi trabalhar no IBP, Instituto Brasileiro de Petróleo. Na década de 80, no fim da década de 70, O ex-diretor, o nosso ex-diretor, o... como é que é o nome dele, lembra? Vai ficando velho, vai ficando difícil lembrar o nome de tanta gente. O Ofila, o diretor Ofila, ele me botou lá no IBP com algumas responsabilidades, negócio de criação de normas, no IBP negócio de criar normas e procedimentos operacionais, esse troço todo. E eu comecei, então, a trabalhar no IBP, sem salário, trovo de cafezinho e água, e lá fiquei trabalhando nos momentos de vazio da Petrobras, porque Petrobras sabia, era tudo direitinho. Fui assim até 92, 93, 94. Em 94, eu fui ser diretor do IBP, acho que foi no início de 94, e logo depois eu fui ser presidente do Conselho de Administração do IBP. E fui assim até maio de 99. Eu usava isso muito para mim, por exemplo. Quando eu ia aos Estados Unidos fazer palestras lá e não sei o quê, eu dizia que era presidente do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro de Petróleo. Porque isso é importante para o amor. Qual a ligação que tem com a Petrobras? Olha, naquela ocasião, o Instituto Presidente do Petróleo era uma associação, era uma empresa, associados diversas outras empresas do mundo do petróleo com ações, cada um com sua participação. Petrobras era majoritária. E quando eu era lá presidente do Conselho de Administração do IBP, eu propus que a Petrobras deixasse de ser majoritária. E foi aprovado pelo Conselho de Administração da Petrobras. E nós vendemos as nossas ações para outras empresas e a Petrobras deixou de ser majoritária. Hoje não é mais majoritária. Quem é uma empresa agora é um troço privado. E eu boto isso lá nas minhas responsabilidades. E outra coisa muito interessante também, experiência que eu vivi, é que o Collor mandou acabar também com as empresas de fertilizantes do Brasil, estatais. E a Petrobrás tinha um monte, tinha uma tal de Petrofértil, que tinha empresas de fertilizantes na Bahia, em Sergipe, em São Paulo, em Minas, em Goiás, pra todo lado aí, né? No Paraná. E aí veio a ordem de acabar com aquilo. E a empresa foi privatizando. A Petrofértil foi privatizando todas essas subsidiárias que ela tinha. E no fim ficou uma só. chamada ICC. Eu não me lembro mais o que é ICC. E não sei o quê, carbonífera catarinense. Eu não me lembro do I. Não me lembro do I. Indústria carboquímica catarinense. Exatamente. Que tem uma atividade, tinha atividade, me parece, no Paraná, no sul do Paraná e um pouco ali em Santa Catarina. O negócio deles era lavrar carvão, produzir carvão, vender carvão para gerar energia elétrica. Só que tem que, junto com o carvão que era minerado, vinha uma quantidade de rejeitos enormes que foram se acumulando, se acumulando, se acumulando, se acumulando. E quando foi vender, ninguém queria comprar aquilo, porque o passivo ambiental era gigantesco. Bom, e aí eu fui ser o presidente, não dessa ICC, mas da Petrofértil, do que restou da Petrofértil, que depois que ela vendeu tudo, sobrou esse bagulho aí, mas outros bagulhinhos espalhados pelo Brasil afora. E eu fui lá, subi com o encargo de resolver o problema da ICC. Olha, me deu um trabalho esse negócio de ICC. Mas um trabalho, eu acho que eu conseguia chegar ao fim. A ICC, por fim, foi liquidada e acabou, e sumiu do mapa. E a petrofértil mudou de nome. Passou a chamar de gás fértil, se não me falha a memória. Gás fértil. E eu era o presidente da Gás Fértil. O que fazia a Gás Fértil? Eu gostaria até, acho que no meu currículo tem um nome aí. É a empresa que assumiu o gás da Petrobras. Então, esse gás que vem da Bolívia, por exemplo, hoje, é de uma empresa chamada, acho que, Transpetro. que é uma subsidiária, uma filial da Gás Fértil. E esse gás hoje todo da Petrobras parece que está agora nas mãos da Gás Fértil. E eu fui o presidente. Eu gostava muito de falar também, lá nos Estados Unidos, quando ela fala que me apresentava como o presidente da companhia de gás do sistema Petrobras. Então, para encher as coisas. Os americanos gostam muito disso. E aí foi. Até que chegou o dia, chegou o fim, que foi no início de 1999. Mudaram lá a presidência, como sempre. E aí muda tudo. E estamos lá. Estamos até hoje. Esperando que a Petrobrás continue indo para frente sempre. Já podia ter atingido a autossuficiência na minha avaliação. Não atingiu, por dificuldades, me parece, de orçamento, que a Petrobrás com esse negócio do equilíbrio fiscal, a Petrobras tinha que contribuir para o equilíbrio fiscal, então ela não podia gastar para aparecer como saldo no equilíbrio fiscal. E não podendo gastar, não pode produzir, porque para produzir petróleo você gasta muito dinheiro, para fazer as instalações para te permitir produzir o petróleo. Mas eu acho que agora saiu fora, já não faz parte, O equilíbrio das contas não depende, me parece. A Petrobras não está mais proibida ou não tem mais que seguir um limite fixo. Isso é o que eu entendi da leitura dos jornais. E, assim, ela tem uma abertura maior para poder investir, para poder atingir a autossuficiência. Petróleo tem muito. Quando nós saímos de lá, quatro anos atrás, as reservas já eram, me parece, mais de 7 bilhões de barris. Reservas provadas. E isso dá para produzir muito mais do que um milhão e seiscentos mil barris que está sendo produzido por dia. Eu acho que o dia que atingir a autossuficiência é dever cumprido.
01:28:20 P/1 - Então, para a gente ir finalizando, são mais de 35 anos. Você trabalhou na Petrobras, né?
01:28:27 R - Quase 37, né?
01:28:29 P/1 - Você, no começo do depoimento, contou que você era menino e lia aquelas revistinhas e que seu grande sonho era trabalhar na Petrobras. Você realiza esse sonho? Qual é o significado da empresa para você?
01:28:44 R - Olha, deixa eu te contar uma coisa que eu não contei. Com a Revolução, a Petrobras estava vivendo um momento muito difícil. Nosso salário estava baixíssimo. Porque o Roberto Campos tinha proibido aumento de salário nas empresas estatais e a gente estava com um salário extremamente pequeno. Aí eu conversei com a minha mulher e nós pensamos em decidir voltar para Belo Horizonte, porque empregos lá havia bastante. com um salário maior, melhor, e perto da casa da mamãe e do papai. Aí, decidimos, decidimos. Está de acordo? Estou de acordo. Então, vamos. Aí, peguei um pedaço de papel e escrevi lá minha pedido de demissão. Entendeu? Entreguei para o meu chefe. E o meu chefe falou que ele não podia decidir, que ele ia entregar ao superintendente, que era o Hamilton Lopes, aquele que foi assassinado alguns anos depois. Hamilton Lopes ficou lá com o meu pedido durante alguns dias. De vez em quando eu passava perto do meu chefe lá do Distrito Norte e perguntava, como é que é, não vai decidir? Não, eu tenho coisas para fazer. Não, Hamilton vai conversar com você. Passados uns dias eu recebi um fax do Hamilton Lopes dizendo para ir a Salvador, que eu morava lá em São Sebastião do Passeio, 100 quilômetros de Salvador, para conversar com ele sobre o tal pedido meu. Aí eu fui, né? Fui, cheguei lá. Era pouco antes de três horas da tarde. Aí me apresentei lá à secretária dele. E a secretária disse, olha, vamos... Senta aí, aguarda um pouquinho que ele vai te receber. Passados uns dias, passados uns momentos lá, ele me chama, eu entrei, né? Ele virou pra mim e falou assim, pô, marcado pra você às 13 horas, você chega às 3? Falou isso pra mim. Aí eu falei, uai, a informação que eu tenho aqui era pra chegar às 3, não era às 13, não. Ele falou, peraí que eu vou procurar o seu papel. Era o meu pedido, né? Aí eu olhei a mesa dele, a mesa dele era grande, né? E cheia de papel em cima, tá entendendo? Pra todo lado. Eu falei, ele não vai achar o meu papel, não vai. Aí ele começou a procurar em cima, embaixo, de lado, no outro, tá entendendo? Procurou, procurou, não achou o meu pedido de demissão. Aí ele levantou e falou, olha, deixa pra lá, deixa pra lá esse negócio. Continua trabalhando, pensa mais. Eu acho que eu perdi esse papel. Vem lá, manda outro, não sei o quê. A Milton era autoritário, que era danado. Então eu saí de lá, entendeu? E mudei de ideia. Mudei de ideia. Resolvi atrabalhar até... em 1999, por conta do Hamilton Lopes. Foram as pessoas que me estimularam muito e que me criaram vontade de trabalhar. Hamilton Lopes e o diretor Alphila. Alphila também é uma pessoa maravilhosa. Pessoa extraordinária. E outros que não posso falar ainda porque está muito pouco tempo que passou. A gente precisa esperar o tempo passar mais para poder falar as coisas.
01:32:34 P/1 - O que significa Petrobras para você?
01:32:40 R - Olha, Petrobras para mim significa... A Petrobras só não é mais importante para mim do que a minha família. É a família, número um. E a Petrobras, número dois. E mesmo com as dificuldades que eu vivi lá dentro, eu não vivi só momentos bons, não. A Petrobras é fogo, né? Aquilo ali é uma disputa terrível. São pessoas, de um modo geral, muito competentes e muito trabalhadoras. E todo mundo quer subir. Então, o que há de encontrões ali é uma coisa terrível. Ninguém gosta de ser passado para trás e ninguém deixa de passar o outro para trás se puder passar. A disputa ali é terrível, e eu vivi aquela disputa. Eu costumo dizer para a minha mulher, que minha mulher é muito brava, de vez em quando ela reclama comigo, eu falo, dona Regina, eu trabalhei 37 anos na Petrobrás, nunca briguei com ninguém. Nunca briguei com ninguém. Então, vai ser aqui em casa que eu vou brigar.
01:33:50 P/1 - E o que você atribui isso de nunca ter brigado? É teu estilo mineiro de ser, calma?
01:33:55 R - Eu acho que é. Os mineiros são menos de brigas. É interessante.
01:34:02 P/1 - Mas está cheio de político mineiro aí.
01:34:05 R - Tem, tem. Mas daquela região ali de Ouro Preto, Belo Horizonte, não sei se é muita montanha, um clima muito agradável. O mineiro não gosta muito de... O mineiro não gosta de brigar e não gosta de falar muito. Eu aqui até estou falando muito porque... não sei por quê. Porque vocês estão falando pouco. Eu não gosto muito de falar, não.
01:34:30 P/1 - Para a gente acabar, como é que é um dia seu hoje?
01:34:33 R - Como?
01:34:34 P/1 - Como é que é um dia seu da sua vida hoje?
01:34:35 R - Hoje?
01:34:36 P/1 - Você está sentado, você tem filho, você.
01:34:37 R - Tem neto, não é isso? Eu tenho três filhos e um netinho. Olha, eu levanto... meu relógio está despertando a 15 para 6 atualmente. Porque ele varia em função da luminosidade, né? Na época de verão, eu levanto mais cedo. Boto o relógio para despertar 5h15min. Agora está 15h para 6h. Daqui uma semana vai passar 6h. Porque fica escuro, né? Aí eu boto a minha roupa de fazer cúper e vou para a lagoa fazer cúper. Eu, todo dia, desde que não esteja chovendo, eu dou uma volta na lagoa. Faço um pouco de ginástica lá. Aí venho para casa. Tomo banho, tomo um cafezinho, muito modesto. Não sou de comer muito também, não. Aí, leio jornal. Às vezes, nem tudo, porque o tempo é controlado. Aí, faço alguma coisa que minha mulher pediu. A torneira está vazando, eu vou lá e reparo. Isso aqui não sei o quê, eu vou lá e faço. Aí, não venho mais à cidade. Eu moro na lagoa ali perto do quarto de Cantagena, Eu só vou agora em Copacabana, que é pertinho, vou em Ipanema, que é pertinho, e vou no Leblon, que não é muito pertinho, mas é perto também. São os únicos três locais que eu vou, viu? Aí eu vou lá, pago alguma coisa no banco, compro alguma coisa que minha mulher pediu, né? Tomo um chope, se tiver muito calor, não sei o quê, e volto pra casa. Ou às vezes na rua, almoço, com a minha mulher, né? Eu volto pra casa, almoço. Aí é tarde, eu leio. Ouço música, gosto muito de música, gosto muito de ler. E, de noite, ligo a televisão, vejo o Jornal Nacional. mais alguma coisinha, assim, até 10 horas e vou dormir outra vez, porque 10 horas eu estou com sono, porque eu levantei às 5 e meia. Essa é a minha vida hoje. E se você somar as coisas todas que eu trabalhei antes da Petrobras, dá uns 10 anos, ou quase 10 anos. E eu trabalhei na Petrobras 37, então eu trabalhei 47 anos na minha vida. Minha mulher, de vez em quando, vem com esse negócio. Ah, você precisa de trabalhar. Trabalhei 47 anos na minha vida, já estou com 65, não é mesmo? Para que trabalhar mais?
01:37:02 P/1 - E os filhos? Qual é a profissão dos filhos?
01:37:04 R - Olha, eu tenho uma que é bióloga e fonoaudióloga. Eu tenho uma outra que é jornalista e estilista, tudo com curso superior. E tem um outro que começou a estudar engenharia igual a eu, depois parou porque disse que não estava gostando, passou para arquitetura, formou em arquitetura. Minha mulher gosta muito de arte, está entendendo? Então, esse meu filho puxou ela. Banada negócio de ar. E agora está estudando Direito. Está aí no quarto ou quinto período já de Direito. Então, todos trabalham. A minha filha é professora, essa mais velha, que é audióloga, bióloga. Essa que é jornalista, estilista, trabalha também, tem um emprego aí. Tudo bicharia. Ninguém ganha lá. Acho que dessas duas, ninguém ganha mais de dois mil reais por mês. O meu filho tem uma pequena empresa de projeto de engenharia, de artes, de propaganda de loja. Ele mexe com esse negócio todo. Ganha também uma porcaria, mas acho que ganha mais de dois. Mas uma coisa, raríssimo me pedir dinheiro emprestado.
01:38:18 P/1 - Estão felizes.
01:38:20 R - Estão felizes. Tenho netinho e minha mulher é doida com netinho. E eu gosto muito do netinho também.
01:38:30 P/1 - O que você acha desse projeto de memória dos trabalhadores da Petrobras? O que achou de ter dado esse depoimento?
01:38:40 R - Olha, eu não recebi. Nada da Petrobrás dizendo que ia fazer esse projeto. Só recebia, no fim da semana passada, uma carta do Santa Rosa, depois que eu pedi para ser convidado. Eu falei, eu não vou lá nesse local dar uma entrevista sobre as coisas da Petrobrás sem que a Petrobrás me peça. Porque que história é essa? Pode alguém que trabalhou numa empresa e saiu dela já e está aposentado e falar dessa empresa para uma outra empresa? Não pode, né? Esse negócio tudo tem suas reservas. Então eu pedi que o Santa Rosa me mandasse uma carta pedindo que eu viesse cá prestar esses esclarecimentos. Ele me mandou a carta. E eu cá estou. Isso foi... Mas você colocou outra questão. Qual foi a outra?
01:39:37 P/1 - O que achou de você ter dado um depoimento sobre a sua trajetória na Petrobras?
01:39:41 R - Pois é, e eu gostei. Eu tinha pensado nisso anteriormente, está entendendo? Antes da carta do Santa Rosa, antes da carta da Ana Carolina, do telefonado da Ana Carolina, né? Eu tinha pensado, foi, a Petrobras tem que fazer isso, pois está fazendo 50 anos e não vai fazer um livro para contar a história desses 50 anos, pelo menos um palpite aí de meia dúzia de pessoas. Então, para mim, eu fiquei satisfeito em saber que a Petrobras estava fazendo isso. E eu gostei muito de vir cá e conversar com vocês e contar as coisas aí. É pena que muitas coisas eu não me lembro mais, e muitas coisas não podem ser ditas, mas que são também muito interessantes. Só depois. Só depois que as pessoas morrerem, a gente conta.
01:40:33 P/1 - Então, agradeço a Bessa pelo seu depoimento. Muito obrigada.
01:40:36 R - Eu que agradeço.
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