Projeto Memória de CDI
Depoimento de: Gládis Andréia de Oliveira
Entrevistada por: Danilo Ferrete e Marllon Chaves
São Paulo, 16 de outubro de 2004
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: CDI_HV009
Transcrito por: Thaís Ramos Cechini
Revisado por: Elaine de Almeida Pereira
P1 – Gládis, bom dia. Você pode começar falando o seu nome completo, local e data de nascimento, por favor?
R - Meu nome é Gládis Andréa de Oliveira. Nasci em Porto Alegre no dia 11 de janeiro de 1971.
P1 - Gládis, você poderia falar um pouco dos seus pais? O nome deles, a atividade deles?
R - Pois não. O meu pai se chama Miguel Bruce. Hoje ele trabalha ainda na área de construção civil. Acho que desde que eu me conheço por gente sempre foi nessa área. E minha mãe, Maria Darci Souza Bruce. Atualmente eles são separados enfim, tem vidas independentes e minha mãe não trabalha, né? A família é que auxilia.
P1 - E eles são também do Rio Grande do Sul?
R - Sim, sim. Eu nasci lá. Eu estou aqui em São Paulo há 12 anos. Eu vim para cá quando eu tenho 21 anos. Então assim, toda a minha infância, toda a minha vida foi lá em Porto Alegre.
P1 - Você teve contato com os seus avós? Você lembra?
R - Avós maternos sim, né? Minha avó, meu avô. Meu avô faleceu quando eu ainda era criança, né? Agora a minha avó vive até hoje e é muito saudável. É interessante até. Tem mais de 80 anos e está lá firme e forte.
P1 - Lá no Rio Grande do Sul?
R - Também no Rio Grande do Sul.
P1 - E como foi essa sua infância? Onde você morou, passou a infância lá no Rio Grande de Sul em Porto Alegre? Você poderia descrever o lugar?
R - Bom, foi em um bairro bastante simples em Porto Alegre, até uma determinada fase da minha vida. Porque a gente mudou muito de um bairro para outro, de um lugar para outro, né? Mas assim, acho que foi uma infância muito gostosa, com boas lembranças. Uma família muito grande. Oito irmãos, né? Então é...
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Depoimento de: Gládis Andréia de Oliveira
Entrevistada por: Danilo Ferrete e Marllon Chaves
São Paulo, 16 de outubro de 2004
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: CDI_HV009
Transcrito por: Thaís Ramos Cechini
Revisado por: Elaine de Almeida Pereira
P1 – Gládis, bom dia. Você pode começar falando o seu nome completo, local e data de nascimento, por favor?
R - Meu nome é Gládis Andréa de Oliveira. Nasci em Porto Alegre no dia 11 de janeiro de 1971.
P1 - Gládis, você poderia falar um pouco dos seus pais? O nome deles, a atividade deles?
R - Pois não. O meu pai se chama Miguel Bruce. Hoje ele trabalha ainda na área de construção civil. Acho que desde que eu me conheço por gente sempre foi nessa área. E minha mãe, Maria Darci Souza Bruce. Atualmente eles são separados enfim, tem vidas independentes e minha mãe não trabalha, né? A família é que auxilia.
P1 - E eles são também do Rio Grande do Sul?
R - Sim, sim. Eu nasci lá. Eu estou aqui em São Paulo há 12 anos. Eu vim para cá quando eu tenho 21 anos. Então assim, toda a minha infância, toda a minha vida foi lá em Porto Alegre.
P1 - Você teve contato com os seus avós? Você lembra?
R - Avós maternos sim, né? Minha avó, meu avô. Meu avô faleceu quando eu ainda era criança, né? Agora a minha avó vive até hoje e é muito saudável. É interessante até. Tem mais de 80 anos e está lá firme e forte.
P1 - Lá no Rio Grande do Sul?
R - Também no Rio Grande do Sul.
P1 - E como foi essa sua infância? Onde você morou, passou a infância lá no Rio Grande de Sul em Porto Alegre? Você poderia descrever o lugar?
R - Bom, foi em um bairro bastante simples em Porto Alegre, até uma determinada fase da minha vida. Porque a gente mudou muito de um bairro para outro, de um lugar para outro, né? Mas assim, acho que foi uma infância muito gostosa, com boas lembranças. Uma família muito grande. Oito irmãos, né? Então é uma família muito grande e assim, bastante diferente de como é aqui em São Paulo, né? Um lugar simples, muito contato com a terra, com alguns animais. Meus pais gostavam de morar em chácaras, em lugares onde tinha... Então assim, eu me lembro que criaram cachorro, cavalo, ovelha. Meu Deus, eles queriam criar de tudo um pouco, né? Então, é uma infância muito gostosa de ver a minha mãe plantar o feijão e a gente comer aquele feijão assim. E não era interior, né? Mas eram lugares mais próximos da capital de Porto Alegre mesmo, mas sempre tinha esse contato muito gostoso, aquela lembrança agradável de um banho de chuva, né? Então assim, uma infância muito tranquila mesmo.
P2 - Dá pra você descrever para a gente um dos lugares? O primeiro que vier à sua memória assim. Uma dessas casas, como é que era a casa, como é que se distribuía a família na casa? Como é que era o quintal, como é que era a rua? Dá para você descrever mais ou menos?
R - Eu acho que um lugar que marcou bastante foi quando nós moramos em Viamão. Uma casa que foi construída assim com a ajuda da família. Cada um ajudou a colocar um tijolinho ali. Então foi muito marcante, né? E naquele local, assim, a gente foi construindo. Quando fomos para lá era apenas um cômodo, né? E naquele incômodo ali a gente teve que dormir por ali em uma igreja que fica em frente. Porque meu pai mudou, negociou a casa anterior que nós tínhamos. Tinha um prazo para sair e não conseguiu cumprir a construção da nossa casa naquele prazo e a gente teve que ira pra lá. Aí conseguimos um auxílio de ficar na frente de uma igreja dormindo e ficávamos em um cômodo só para construir, né? Alguns anos depois, acho que talvez três a cinco anos, nós tínhamos uma casa já com 10 cômodos grandes, bem estruturada, em uma esquina. Então assim, foi uma conquista muito agradável porque a família participou de tudo isso, né? Não foi uma coisa assim, que, houve só, que chegamos e estava tudo pronto. A gente ajudou a participação, então passamos por todos os momentos, houve um acidente muito grave na família logo que fomos pra lá. Nesse um cômodo onde a gente cozinhava e fazia tudo, estourou o botijão de gás. E isso queimou o rosto do meu pai, das minhas duas irmãs. Tiveram que ficar três meses dependentes da minha mãe para tudo. Então assim, a gente passou por um momento da família muito marcante, né? Deles, essa coisa assim desse acidente, até um precisar muito do auxílio do outro, até conseguir construir toda a casa onde cada um tinha o seu quarto, onde tinha toda uma comodidade para a família, né? Aí os meus irmãos já estavam adultos, alguns já tinham casado, já tinham as suas próprias casas, outros estavam ali. Mas enfim, ajudaram a construir. E aí um espaço muito grande, onde tinha a oportunidade de plantar, criar animais. Tudo aquilo que os meus pais tanto gostava.
P2 - Vocês eram em quantos?
R - Oito. Oito irmãos.
P1 - Vocês brincavam entre si? Tinha idade que dava, ou como é que era? Com quem elas brincavam?
R - Tinha. Desses oito nós temos uma diferença de um ano e meio, dois. Então, eu tenho uma das minhas irmãs mais chegadas por conta da idade, né? Que é a Adriana. Até hoje, apesar de ela estar lá em Porto Alegre a gente ainda tem uma proximidade muito grande. Mas eu acho que a família toda, essa coisa de família grande tem de tudo um pouco, né? Tem aqueles dias que todo mundo briga, se pega. E tem aqueles dias que todo mundo está junto e é meia noite no frio. Porque lá faz muito frio, né? No Rio Grande do Sul. Às vezes está, eu lembro de um dia que devia estar uns dois graus aquela madrugada. Era meia noite e nós estávamos jogando vôlei no fundo do quintal de casa. Então são essas coisas muito agradáveis, muito boas de lembrar, né?
P1 - E a escola onde você estudou? Como é que foi o período? Você poderia lembrar algum fato, algum professor?
R – Bom, escola. A gente, por conta de ter mudado para vários lugares, eu mudei também bastante de escola. Não me formei em uma só escola, né? Então eu acho que eu fiz talvez a sexta, da primeira à terceira série em um local, da terceira até a sexta em um outro. Aí depois eu completei o Ensino Médio, o Ensino Fundamental, o Ensino Médio. Aí depois eu fui estudar em escola técnica, né? E acho que a minha escola...
P2 - O que é que era uma escola primária lá no Rio Grande do Sul? Como é que era o cotidiano, as roupas o dia-a-dia? Quais eram as ações?
R - Bom, eu lembro que assim, a primeira escola que eu estudei foi uma escola que a minha mãe estudou quando era criança. Então, a professora dela já era, na minha época, diretora da escola, né? E era assim, muito legal. Eu lembro que eu era muito calada, muito quietinha. Então as pessoas olhavam para mim e diziam: "O que é que está acontecendo com essa menina que ela não se comunica, não conversa?". Muito tímida mesmo. E na escola era muito agradável. Particularmente eu gostei muito de estudar, né? Diferente de todos os meus irmãos que pararam na quarta série no máximo, eu fui a única que consegui concluir. Então assim, gosta muito era um ambiente super agradável, muito concentrada, muito concentrada ali. E a reclamação era essa. Que eu era quieta demais. Até a sexta série. De repente, na sexta série eu me tornei líder de turma e dali, talvez naquela época, eu comecei a me descobrir enquanto liderança. E aí a minha vida começou a encaminhar para esse lado, né?
P1 - Algo provocou essa mudança? Como ____________ na sexta série?
R - Dessa questão da liderança? Ah, eu não sei dizer exatamente se foi algo que provocou. O que eu lembro que marcou também foi quando eu conheci uma igreja, uma igreja evangélica onde eu comecei a aprender algumas coisas. Eu comecei naquela época a tocar, cantar, e aí era muito interessante porque eu andava na rua de cabeça baixa porque eu tinha vergonha de olhar para as pessoas. Da escola para casa, de casa para a escola. Extremamente tímida, né? Com a família, as pessoas diziam: "Fala alguma coisa, você é quieta demais". As crianças todas lá fora correndo, brincando, bagunçando e eu lá quietinha ouvindo os adultos conversarem. De repente, eu acho que essa coisa de começar aprender a tocar, a cantar, surpreendeu a mim mesma e a toda a família. As pessoas olhavam para mim e: "Não acredito, não é a mesma pessoa, né?". E aí eu acho que esse convívio com a igreja de às vezes ter algumas atividades que estimulavam você ter que liderar algum grupo, cuidar de alguma coisa. Então assim, cuidei de crianças em escolinha de igreja. Depois liderei e secretariei alguns grupos de jovens na igreja. E nessas coisas você acaba tendo que se articular e tudo o mais. Talvez. Talvez, não. Penso que isso contribuiu muito, né? Então, na quinta série eu era uma pessoa e na sexta série eu me lembro que uma colega olhou para mim e falou: "O que é que aconteceu com você? De repente, hoje você é líder da turma. E você era a mais calada, que mal abria a boca". Aí eu falei assim: "Ai, eu acho que assim, sei lá. Descobri e a coisa foi acontecendo, né?". Mas eu penso que esse contato com a igreja, a oportunidade de estar liderando, de estar cuidando, sendo responsável por algumas coisas, fez eu descobrir.
P1 - E quando se deu esse contato com a igreja? A sua família é religiosa?
R - A minha mãe começou a ir à igreja. Eu lembro que quando ela começou a ir eu ia algumas vezes para agradá-la. Ela ficava feliz, queria companhia. Então, acho que por uns três anos eu ia às vezes até porque eu era pequena, tinha nove, 10 anos. E eu ia porque ela dizia: "Não, vamos". Então nós íamos, né? Só que aí depois com 11 anos, eu comecei a compreender o que era que a igreja propunha, né? E quis então começar a ter esse contato. Conviver e conhecer cada vez mais. Foi quando então eu me inseri em um hal de membros que assim é considerado. Então foi aí quando eu comecei a fazer parte da igreja evangélica. Porque até então eu conhecia só a igreja católica, né? Mas a minha mãe é que começou a nos levar. Então eu era uma pessoa observadora, simpatizante. Até que com 11 anos eu compreendi o que seria o evangelho na minha vida, quem era Jesus, o que era Deus. E comei a ter uma compreensão melhor e crer. Porque, na verdade, a religião, a fé, o credo religioso está muito vinculado àquilo que você quer acreditar, àquilo que você crê. E então passei a crer realmente que Jesus Cristo é o senhor e que enfim, a partir daí comecei a conhecer cada vez mais o que era o evangelho, o que era a igreja. E isso contribuiu para esse desenvolvimento como líder.
P2 - E assim, você já começou nesse trabalho, nessas atividades na escola. Como é que eram as atividades que você liderava?
R - Na escola? Eu lembro que a minha escola tinha todo ano uma gincana muito grande, conhecida por toda escola. Porque quem ganhasse viajava para Gramado e Canela. Cidades turísticas do Rio Grande do Sul desejadas por muitos. E todo anos nós ganhávamos. A gente tinha que participar dessa gincana. O líder tinha que articular junto à comunidade para arrecadar aquelas prendas tinha que programar a melhor atividade no dia da festa, e tinha que cuidar de tudo isso. Então eu tomava a frente das coisas e enfim, a gente ganhou por quatro anos seguidos. Foi muito legal.
[RISOS]
P2 - Então eram atividades que jogam você de encontro com a comunidade?
R - Sim, sim. Acabava fazendo isso.
P2 - E como é que foi? Qual é o resultado disso?
R - Olha, eu acho que esse contato com a comunidade. Eu nunca tinha pensado. Talvez isso tenha sido um começo, né? A gente começa a ter um novo olhar. Porque até então são pessoas que passam por você o tempo todo. E de repente a gente passa a perceber que tem diferenças nessas pessoas, que há uma diferença social, que há uma diferença comportamental. E aí você começa, por conta dessa observação, a ter algumas atitudes, algumas reações a esse respeito, né?
P2 - E você atuou junto com a igreja e com a comunidade até quando lá no Rio Grande do Sul? Foi constante a partir dessa idade?
R - Eu acho que assim. Depois, na igreja, acabei sempre tendo um contato com a comunidade. Essa coisa assim de visitar pessoas que precisam, de levar uma cesta básica, de ajudar em alguma coisa assim, né? Lembro que eu trabalhei também um tempo na Febem [Fundação Casa]. Eu fiz um curso de datilografia. Um curso comum que a Febem propunha para pessoas externas, não internos, né? E depois eles, a pessoa que fazia esse curso podia fazer um estágio dentro da Febem. E eu fiquei três meses trabalhando na secretaria da Febem. Foi uma das coisas que também sensibilizou muito, né? Foi essa questão do social. Lembro que eu escrevia, eu datilografava os laudos. Então eu conheci um pouco das histórias daquelas meninas que eu tinha contato. Porque eu trabalhava no departamento feminino. E nas Febem sempre são enormes, divididas em vários departamentos. E eu ficava com essa parte do chamado Infantil Feminino. E assim, era cada história que chocava. Porque eu tinha uma família tranquila, todo mundo ali por perto, você pensa que o mundo é aquilo ali, que está tudo bem. Seus colegas de trabalho, escola, tudo está tranquilo. Aí quando, de repente você começa a ler e conhecer algumas pessoas que ficam vulnerável a uma situação, isso choca bastante sim. Sensibiliza muito. Então acho que foi uma das coisas também que marcou a minha vida ter trabalhado. Foram acho que três ou seis meses. Acho que foram seis meses. Não lembro agora muito bem. Eu sei que o curso foi três meses. Agora não sei se foi seis, enfim. Mas marcou muito a minha vida nessa questão de conhecer um pouco da realidade. A forma como as meninas se aproximavam da gente para dar carinho, assim elas chegavam perto de mim, eu tinha um cabelo compridão e elas chegavam perto de mim e puxavam o meu cabelo. E era a forma de dizer: "Oi, eu estou aqui. Legal, sou sua amiga, gosto de você.". Era uma forma agressiva de expressar o carinho, né? Então foi uma das coisas também que marcou a minha vida essa experiência.
P2 - E você fez curso técnico onde?
R - De administração de empresa. Foi no colégio Protásio Alves. Foi muito legal também. E foi o momento também que eu comecei a pegar ônibus para ir para a escola. Eu tinha 15 anos, mal conhecia a cidade de Porto Alegre. Conhecia só ali onde eu morava, né? O ônibus, talvez mais longe que eu tenha ido é até a Febem, que era uma condução mas assim, era muito próximo de casa. Então é uma experiência legal. E a gente pensa assim, ah agora eu sou gente grande. Que nada. Tinha muito o que aprender e ainda tenho, né? Mas assim, foram três anos lá. E eu me lembro que para poder entrar nessa escola, é uma escola que ainda é muito conhecida e muito difícil de entrar. Uma escola pública técnica é muito concorrida. Eu fui, eu, a minha irmã, e mais duas amigas para fazer então o concurso, né? E aí nós fomos assim super desencanadas. E ela, a minha amiga estudou até não querer mais e, de repente, ela não passou e nós passamos. Aí a minha irmã parou no meio do caminho, não concluiu e eu continuei. E nessa escola técnica a gente aprendeu muita coisa, né? Tivemos bons professores. Eu lembro que o professor de administração estava lá desde que começou a escola. Um professor muito reconhecido. E foi um aprendizado muito bom. Eu lembro que a escola também tinha secretariado, contabilidade, a gente podia fazer a opção. E eu entrei meio que na sugestão da minha irmã mais velha. Ela falou assim: "Não, vai fazer administração.". Os meus pais tinham assim, eu pouquinho de resistência nessa coisa de secretariado, porque secretária tinha uma história que hoje, graças a Deus não tem mais. Mas era aquela história meio dois de secretária, né? Contabilidade era muitos números para a minha cabeça. Aí eu falei está bom, vou fazer administração porque, de repente, você vai cuidar da área tanto de secretariado como contábil e você está em uma parte mais ampla. Quem sabe pode ser bom, né? Mas muito mais por influência. Só que aí eu comecei a gostar dessa questão de estudar administração.
P2 - E essa coisa de sair, do via mão, de conhecer o resto da cidade mudou também a cabeça da jovem? Olhar outras coisas, outras atividades, como é que foi isso? A abertura do mundo?
R - Foi, eu acho assim, que quando a gente se encoraja e começa a fazer isso, a gente começa a aprender de fato a viver, a madurecer. Na época eu também comecei a fazer pré-vestibular. Eu sonhava em ser médica. Eu queria ser cirurgiã. Fiz vestibular na URBS (?) que é assim dificílimo de passar. E eu dizendo para os meus pais que queria ser médica e eles: "Não, faça administração, faz direito, faz não sei o que lá.". Aí tudo bem. Vou fazer administração. E fiz administração em escola particular e fiz na URBS medicina. Resultado eu não passei na escola particular para fazer administração, e eu passei na URBS para fazer medicina. Só que assim, passei na, não sei se aqui em São Paulo também é assim. Mas tem o provão e depois tem a prova específica, né? Que é então o que pega. Que é descritiva, que você tem que conhecer um pouco mais, no caso da área de medicina, eram algumas questões de biologia e eu não consegui passar nesse afunilamento. Não consegui passar. Aí foi um sonho que não deu para realizar, né? Não deu para ser médica. Até porque, hoje eu penso assim, talvez os meus pais não entendiam o quanto eu queria isso. E eles não incentivavam. Eu praticamente fui sozinha. E até por conta da formação deles muito simples, aquela coisa de assim, ah, nós estudamos até a quarta série, então pô, você já chegou até aí, um ano de escola técnica já está bom. Então eu lembro que quando eu passei em medicina foi quando eu estava me formando no terceiro ano e precisava da roupa, e queria ter um anel de formatura e eles não queriam me dar nada, o meu pai não estava nem aí para mim. Quando ficou sabendo que eu passei foi no outro dia: "Filha, vamos lá na loja, vamos comprar a sua roupa". E isso não foi muito legal, né? Não foi muito legal, mas assim, valeu. Valeu sim para eles terem percebido realmente um pouquinho o interesse, e enfim, né? Só que, por não ter passado, eu poderia ter tentado um outro ano e aí eu desencanei a idéia de medicina. Comecei a entender que era muito caro, que era muito difícil, ficaria inviável para a realidade. Ou talvez eu não tive mais ânimo, fôlego para continuar lutando à esse respeito, né?
P1 - Aí você seguiu na área mais de administração? Como é que foi o começo do mundo do trabalho?
R - Sim. Aí comecei a trabalhar na área de administração. É. O mundo do trabalho foi muito legal. Eu estava de férias na minha casa. Todo ano a gente ia para o litoral com a família. E eu estava no litoral e não estava mais aguentando ficar lá. Aí eu falei: "Ai mãe, vou esse final de semana para casa, depois eu volto pra cá, enfim". Aí, no final de semana quando eu estava em casa, eu falei assim: "Poxa vida, bem que podia pintar um emprego, alguma coisa. Porque aí eu não vou mais precisar voltar lá para o litoral. Porque lá está muito chato, né?". Eu acho que a gente passa a querer descobrir coisas novas depois de já ter completado o Ensino Médio. Eu queria algo mais. Não queria ficar ali parada. Aí estava pensando nisso e pedi para Deus e falei: "Poxa meu Deus, bem que podia aparecer alguma coisa.". E eu acabei de pensar nisso e toca a campainha. E era a minha tia com uma ficha de cadastro da empresa Seven Boys porque ela trabalhava lá. Aí ela falou assim: "Olha, a gente esta precisando de uma pessoa lá e eu lembrei de você. Lembrei que você estava procurando emprego. Enfim, preenchi a ficha em casa, fui até a casa da minha tia que morava em frente à empresa Seven Boys. E fiz a entrevista, passei. Trabalhei dois anos lá. Entrei como recepcionista, depois passei para a parte de faturamento, cuidava também um pouco da parte de contábil. Porque eu tinha essa formação técnica. Então assim, tinha muito a ver aquela coisa tudo da teoria que eu pude colocar em prática. Foi uma experiência bacana. Fiquei dois anos lá, mas eu sai de lá já como faturista, né?
P1 - Você saiu como que idade mais ou menos?
R - 19.
P1 - 19?
R - 19 anos.
P1 - E como se deu? E depois você foi fazer o que? Qual foi a outra atividade?
R - Bom, aí eu, com 19 anos ainda trabalhando na Seven Boys, eu vim para São Paulo.
P1 - E como foi?
R - Eu tenho familiares aqui. Eu tenho tias, tenho tios e enfim, eu vim visitá-los. E nessa visita assim, coisa de passar um mês, conhecer o pessoal, conhecer o restante da família e tudo o mais e eu vim ficar um tempo aqui. E foi quando eu conheci o meu esposo. Aí nós nos conhecemos, né? E quatro. Fazendo um resumo assim, quatro anos depois nós nos casamos. Mas o que aconteceu assim, eu vim para cá, conheci todo o pessoal e tudo o mais. Voltei para Porto Alegre, continuei trabalhando nessa empresa, né? Foram quatro anos? Eu sei que eu trabalhava na empresa quando ia me casar. Então eu sai. Eu pedi as contas. Eu pedi para sair da empresa, né? Não queriam que eu fosse embora. Mas eu falei: "Gente, não tem como, porque eu estou indo para São Paulo".
P1 - Era Seven Boys?
R - Seven Boys. E eu falei: "Não tem como, eu estou indo pra São Paulo, vou mudar, vou morar lá". Meu marido já tinha aqui, já tinha casa, trabalho. Toda uma estrutura. Trabalhava em cartório. Então assim, tinha uma estabilidade financeira e, para ele ir pra lá e recomeçar seria mais difícil, né? Então a gente achou melhor eu vir para cá.
P1 - E como foi? Você notou alguma diferença entre Porto Alegre e São Paulo? Teve um período de adaptação? Como foi essa chegada em São Paulo? Na cidade?
R - Uma diferença não, é toda a diferença. É assim, primeiro que São Paulo é uma grande metrópole e isso é inegável. Então assim, eu considero que aqui tudo é em proporção maior. Aqui você tem mais dinheiro, mais recurso, mais tecnologia. Mas você tem mais perigos, né? Você tem mais, assim, é difícil o relacionamento humano aqui. Porque as pessoas são mais desconfiadas. E não é porque as pessoas são desumanas. É porque elas vivem em uma metrópole onde tem de tudo. Tem pessoas com boas intenções, tem pessoas com intenções realmente só de levar você. Então assim, as pessoas tornam-se inseguras e ao mesmo tempo muito precavidas. Ou então assim, as pessoas, sei lá. Não são tranquilas, né? E lá em Porto Alegre é uma tranquilidade. Você pega ônibus todo dia e você cumprimenta os seus vizinhos; "Oi, bom dia, como vai?". Eu vim para cá e seis meses depois eu não aguentava mais ficar em casa. E eu falei assim: "Não, eu quero trabalhar". Aí fui trabalhar em uma empresa. E eu pegava ônibus todos os dias. E esse percurso todo me assustava. Eu passava por vizinhos na rua e eu dizia: "Oi!". E ele olhava pra mim e tipo, não posso cumprimentar você. Foi, foi muito estanho isso.
P1 - Onde você veio morar aqui em São Paulo?
R - Na mesma casa que eu moro até hoje. Há 12 anos eu moro no Capão Redondo, né? E assim, é a mesma casa, o mesmo local. Tudo o mesmo.
P1 - E como se deu a sua relação com a atividade social aqui em São Paulo? Como você entrou nessa área?
R - Bom, foi assim. Eu entrei, quando eu entrei na primeira empresa aqui em São Paulo em seis meses eu entrei no Rodão. Em uma empresa que vende rodas de automóveis, enfim, ali na Avenida Santo Amaro. E dessa empresa eu fiquei dois anos. Vendia rodas de automóveis para o Brasil inteiro. Perdi rápido o meu sotaque porque eu observei que as pessoas que vêm do Norte, ou do Sul, ou de qualquer parte do Brasil, você tem esse convívio dentro de casa. Então você acaba demorando muito mais ou às vezes nem perde o sotaque. No meu caso, eu vim para cá sozinha. E logo, seis meses depois eu já estava trabalhando e falando com o Brasil inteiro e eu perdi rapidamente o meu sotaque. E depois de trabalhar lá por dois anos, eles fecharam o departamento. Eu trabalhava na área de telemarketing, né? E eles fecharam esse departamento. E então eu fiquei em casa. Aí eu falei, bom vou ficar em casa descansando um pouquinho. Só que dois meses depois eu fui convidada para trabalhar em outra empresa, na TVA [Televisão Abril]. Também na área de televendas. Fiquei dois anos lá também. E aí, depois de ter trabalhado dois anos na TVA, foi quando então eu já tinha tido o meu primeiro filho, ele já estava com um ano e quatro meses. Foi quando eu falei assim, não agora eu realmente não vou mais trabalhar fora, vou dar um descanso, vou parar e vou ver o que é que eu faço da vida. Fui para casa, né? Pedi as contas e falei, vou ficar em casa descansando um pouquinho. Cuidar do meu filho e tudo o mais. Só que vindo aqui para São Paulo, nós tínhamos o meu esposo também é de uma igreja evangélica, enfim. E ele, nós temos, a igreja tem um trabalho social que, antes mesmo de nós assumirmos esse trabalho social ele já existia. Ele existe há 13 anos a Associação Provisão, existe há 13 anos. Mas a gente veio para cá assim, apenas éramos aquelas pessoas que às vezes eram os voluntários. Ir até lá, “pô”, bacana a igreja tem um trabalho social e olhávamos aquilo de longe, né? Aí, quando eu comecei a ficar em casa, comecei a ser um pouco mais voluntária. Vai um dia, vai outro, vai fazer uma coisa para ajudar, vai fazer outra, né? E nessa assim, de ir uma vez ou outra para ajudar a gente começa a relembrar tudo aquilo que você já viveu. Toda aquela sensibilização do social. E eu assim, eu lembro que o meu esposo, ele assumiu não só assim, deixou de ser apenas um colaborador da igreja, mas assumiu a liderança da igreja. E, por assumir a liderança, a pessoa que assumisse, na época, por eleição e tudo o mais, teria que assumir também o trabalho social. E aí nós tínhamos uma decisão difícil para se tomar. Ou o nós pegávamos o trabalho social e encerrávamos, porque era o desejo de muitas pessoas. Ou seja, nós parávamos com aquele trabalho, ou então a gente daria continuidade. E era uma decisão nova, eu tinha acabado de me casar, nós tínhamos meses assim. E o que fazer? Alguns meses foi quando nós assumimos a igreja. Acho que foi dois anos depois que a gente assumiu trabalho o social. E aí o que fazer com aquele trabalho social? Aí nós pensamos o seguinte. Porque na forma de decidir se a gente fecha ou não, o que é que a gente faz com aquilo em vez de só enxergar de longe, vamos até lá e ver como funciona. O que é, que proposta tem. E foi quando nós começamos a conhecer um pouco mais. É diferente você ser voluntário, vai lá, ajuda e faz uma coisa e você começa então a conhecer a proposta que se está fazendo lá, né? Quando nós chegamos lá, o trabalho social atendia 70 crianças em um programa em parceria coma ação comunitária e era isso o que fazia. Eram crianças de quatro a seis anos, era conhecido como a escolinha. Apenas um trabalho de uma escolinha, como se fosse uma creche ou alguma coisa assim. E nós vimos que não caracterizava uma organização não governamental, um trabalho social expressivo para a comunidade, né? E aí a gente pensou bom, a gente pode mudar essa realidade. Fazer de fato aqui algo que possa ser expressivo para a comunidade. E isso foi em 1997. Acho que foi isso 1997. Quando nós organizamos juridicamente, porque até então a Organização Social não tinha um jurídico. Ela era totalmente ligada ao nome da igreja. E a gente entende que assim, tudo bem que a igreja faça um trabalho social. Mas é legal que seja totalmente distinto o que era um trabalho social da igreja, uma proposta social e o que é a igreja. Não dá pra você fazer um mix, uma coisa só. Não é bom, né? Então a gente organizou juridicamente em 1997. Acho que foi isso. Em 1997 organizamos juridicamente e eu então assumi a direção do trabalho junto com o meu esposo. Então a gente começou a reestruturar organização. Desde a parte administrativa, burocrática, que era a minha área, né? Comecei a colocar tudo em ordem porque não existia nenhum cadastro de alunos. Você chegava lá e você não encontrava quem era quem. Era feito com muito boa vontade, mas sem experiência nessa área administrativa, né? Então eu comecei a organizar tudo isso e começamos a reestruturar não só o administrativo e o jurídico, mas também o espaço físico. Nós conseguimos uma reforma em todo o prédio, conseguimos uma reestruturação nessa reforma. Hoje nós atendemos lá 228 crianças no mesmo espaço com a reestruturação que a gente fez. Antes acho que dava emprego para talvez quatro ou oito pessoas. Hoje nós temos, em toda a equipe, 18 pessoas que trabalham. Então a gente conseguiu ampliar em todos os aspectos o trabalho social. Depois do atendimento de educação infantil que eram 70 crianças, hoje já são 168 crianças que são atendidas lá no programa que é chamado Primeiras Letras, que é uma parceria com a ação comunitária. Depois nós implantamos um novo programa social que era chamado Projeto Crescer, que é para crianças de 7 a 14 anos que estão na escola formal. Então a criança sai da escola, vai para lá e recebe uma complementação a vida escolar. Tem o objetivo assim de poder promover ou contribuir com o sucesso escolar da criança. Então, todo o aprendizado, tudo o que é proposto não tem o formato de uma escola formal, mas tem essa intenção de atingir esse desenvolvimento da criança, né? E aí é chamado Projeto Crescer, que também é uma parceria da Ação Comunitária. E depois disso foram acontecendo algumas coisas dentro do trabalho social. A gente começou realmente a conhecer cada vez mais. Eu comecei a fazer alguns cursos de gestão social, conhecer um pouco mais o terceiro setor. O ano passado eu fiz um curso de Gestão Social, que foi promovido pelo SENAC [Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial]. Um curso de cinco meses eu acho que foi. É, foram cinco meses. E esse curso, ele foi promovido pelo SENAC para cinco principais regiões de São Paulo. Norte, Sul, Leste, Oeste e a Zona Central, né? E dentro da proposta do curso, no final era para se inscrever um projeto. Eles iam escolher o melhor projeto de cada uma dessas regiões. E o projeto que ficasse então em primeiro lugar, receberia como prêmio uma viagem aos Estados Unidos. E eu consegui. E aí eu viajei para lá. Fiquei 13 dias nos Estados Unidos conhecendo organizações sociais lá. O projeto que nós escrevemos é sobre protagonismo juvenil, e tem esse foco do jovem atuando, do jovem realmente intervindo de forma positiva na comunidade onde ele está. Eu escrevi esse projeto e vivi essa experiência. O curso em si, ele foi muito proveitoso. Não só pela viagem, como todo o aprendizado. Aquela coisa da gente estar, durante esse período eu já estou a sete anos já trabalhando no terceiro setor, né? E assim, em meio à essa soma de custos e a gente foi conseguindo fazer um trabalho cada vez com mais qualidade, né? E depois dessa viagem, depois desse projeto ter sido aprovado, desse desenvolvimento da (Provisão?), nesse tempo é que começam então os novos programas sociais da Associação Provisão. Porque nós tínhamos Primeiras Letras e o Crescer. Então, o ano passado a gente escreveu um projeto para o CDI [Comitê para Democratização da Informática] também, além do projeto de jovens temos o projeto para o CDI e foi aprovado o nosso projeto. Não sei se nesse momento é que vocês querem estar falando já sobre isso? Ou querem saber algo que vem antes?
P2 - Eu queria que você falasse mais da associação. O que ela é? Como é que surgiu? Descreva para a gente.
P1 - Talvez antes, qual a realidade daquela comunidade e, se possível aquela associação.
P2 - Qual é a missão dela com a comunidade? Qual é o alcance dela?
P1 - Onde é que ela atua?
R - Bom, Capão Redondo eu acho que é muito conhecida até porque a Mídia nos ajuda a tornar Capão Redondo conhecido de forma às vezes positiva. E, infelizmente, na maioria das vezes, bastante negativa. Conhecido pela violência, pela criminalidade, né? Pela vulnerabilidade, ou seja, há ali um contraste social muito grande no Capão Redondo. Você encontra lá boas casas, bons carros. Porque há todo um comércio forte ali. Mas você encontra também a periferia, que são favelas, pessoas que vivem sob condições precárias de vida mesmo. Que moram em barracos, né? Então há um contraste social muito grande no Capão Redondo. E isso tudo, é óbvio que carrega junto a vulnerabilidade, toda essa violência que não dá para negar. Então a gente nota, eu moro ali há 12 anos e desde que fui pra São Paulo. E a gente está junto de toda aquela pobreza, de toda aquela necessidade de pessoas que moram super bem, que tem bons carros. Nós temos ali um bocado de escolas públicas, mas tem também um bocado de escolas particulares. Escola adventista, por exemplo, uma escola que conta a história do bairro do Capão redondo, porque eles foram um dos primeiros a irem para lá. Então assim, eles têm vários lugares de escolas particulares lá, porque tem público, né? Então é muito interessante esse contraste que há no Capão Redondo. Você tem assim, um público que é bastante pobre e um público que é bastante rico. Claro que não é um público assim que mora, A e B, né? Que mora nas regiões mais nobres, mas são pessoas que têm uma vida econômica totalmente estabilizada enquanto que outros não têm nem o que comer. E a gente vendo toda a realidade dessa comunidade, assim, nós poderíamos continuar fazendo como igreja aquilo que nós já fazíamos. Que é apenas dar aquela assistência, ser assistencialista. Que você vai lá e dá uma cesta básica. Vem alguém, te pede um ajuda e você dá uma ajuda, você dá uma roupa, você faz uma campanha de agasalho, você faz alguma coisa. Você ajuda de alguma forma. A gente poderia continuar fazendo isso. Mas a gente preferiu, então, aproximar-se ainda mais dessa comunidade, ouvir essa comunidade e tentar atender essa grande demanda, essa grande necessidade que eles tinham, né?
P1 - E a história da Associação? Como é que ela apareceu, como é que ela se formou?
R - Então, em 1991. Foi quando alguns líderes já desta igreja eles começaram então esse trabalho social, que era só atender as criancinhas de quatro a seis anos. Porque, na época, as pessoas que lideravam elas eram professoras de escola formal, sabiam desse trabalho social, dessa possibilidade de parceira e começaram. Só que esses líderes que começaram esse trabalho social, eles saíram. Hoje são donos de uma escola particular, são pessoas que proferiram e estão super bem, foi super legal. E então continuou o trabalho social ali com uma amiga. Uma pessoa que, mesmo que a igreja estava um pouco indiferente àquela realidade ali, essa amiga continuou. O nome dela é Josélia. E é uma pessoa que realmente, se ela não tivesse continuado, talvez nem existiria o trabalho social. Então a gente tem todo um reconhecimento do que ela fez, né? E não sei dizer quanto anos exatamente ela ficou lá, mas uma vez que os líderes, os fundadores saíram, ela manteve. Mas só com educação infantil, com as limitações dela, com essas dificuldades na administração e tudo o mais. Foi quando então em 1996 que o meu esposo assumiu o trabalho agora. Que atendia só a 70 crianças. E quando ele assumiu lá o trabalho foi que a gente percebeu que para realmente atender essa comunidade nós tínhamos que ouvi-los um pouco mais e começar a fazer ações que atendesse toda essa demanda. É óbvio que a gente não consegue resolver todo o problema de um bairro, né? Mas a gente pelo menos tenta ajudar. E então a gente começou a ampliar os projetos com essa reestruturação que eu tinha comentado. Reestruturação jurídica, reestruturação do espaço físico, administrativo. E essa reestruturação trouxe um reconhecimento maior da comunidade. Porque antes as pessoas passavam por lá e falavam: "Ah, aqui é a escolinha da tia _____________. Ah, aqui é a escolhida de crianças". Hoje as pessoas reconhecem que lá é uma associação beneficente, que está ali para servir a comunidade, que está de portas abertas, que gera oportunidades. Hoje uma das coisas que a gente tem também até é a distribuição de leite. Enfim, fazemos bazares e doações. Nós tivemos uma época com doação da _______________ que a gente doava para a comunidade. Então assim, a comunidade começou a reconhecer que ali não era apenas uma escolinha. E isso de 1996 para cá. Começou a reconhecer que é um trabalho social que estava ali para servir a comunidade. Ela começou a se apropriar disso e contribuiu. Hoje, uma boa parte da comunidade é voluntária ali. Eles ajudam.
P2 - Então assim, em termos gerais assim, qual é o alcance? O que é que ela faz? Quais as atividades que ela faz? Além dos projetos, o que é que ela está ali. Se ela desde o leite até? Dá um panorama geral da Provisão.
R - Um panorama geral da Provisão. Bom, a Provisão hoje tem cinco programas sociais, né? Que são projetos que eles são sustentados com parcerias e com a contra proposta nossa que são bazares e eventos. E esses cinco projetos que nós temos, nós, tem faixas etárias diferentes que atendem então à comunidade. Então nós temos o primeiro projeto que atinge crianças de quatro a seis anos, um segundo projeto que atende crianças de sete a quatorze, um terceiro projeto que atende a famílias desse público. Temos o CDI, que é um projeto que é o curso de inclusão digital, de informática. Que é para toda a comunidade, não existe uma faixa etária. E tem os Jovens Urbanos que é um projeto que é uma parceira com o SINPEC [Sindicato Nacional da Indústria de Pneumáticos, Câmaras de Ar e Camelback], com a Fundação Itaú, que atende o público jovem. Então hoje, a Provisão, desenvolve um trabalho social que atende desde à criança de quatro anos, até a terceira idade, né? Porque a pessoa hoje que faz um curso de informática, ela pode ter, nós tivemos até alunos de 60 anos e foi muito legal a experiência. Então a gente está ali aberto a comunidade, né? Com esses cinco programas sociais que atendem, eu diria assim, são jovens, crianças e adultos hoje o público que nós atendemos. E isso representa hoje um público de umas 60 pessoas atendidas nesses projetos sociais.
P2 - E dentro desses programas têm projetos específicos, por exemplo, os dos jovens existem várias atividades? Como é que é?
R - É assim. Cada um desses programas, eles têm toda uma proposta pedagógica. Então assim, eu posso mencionar cada um deles. O Primeiras Letras que é um projeto para crianças de quatro a seis anos, ele tem uma proposta de preparar a criança para a primeira série. Então a criança fica três anos ali conosco. No local, ela recebe alimentação, ela recebe a maior parte do material didático, todos os nossos educadores que trabalham nesse projeto, eles são formados. Eles têm um acompanhamento pedagógico, um acompanhamento técnico da Ação Comunitária, ou seja, é todo um trabalho que tem toda uma reciclagem para poder garantir a qualidade. Então não é um aglomerado de crianças que estão ali para ficar enquanto a mãe trabalha. Não. A criança tem realmente uma proposta pedagógica para realmente desenvolver as habilidades e estar preparada para a primeira série. Esse projeto Primeiras Letras também atende, ele é o projeto que começou primeiro da Provisão. Então ele já existe há 13 anos, né?
(PAUSA)
P1 - Quer uma água?
R- Ah, eu quero e o limão.
R - Não, você tem que estabelecer relações humanas. Como é que você vai conseguir que todo o auxílio, ou seja, para que esse público carente mude a realidade de vida vai precisar de um auxílio e o auxílio vai ter que vir dessas relações. Não adianta.
P2 - E aí você vai conversar com quem não está nem aí para você mesmo, né? Quer dizer é fonte. Quando eu trabalhava com o pessoal da Zona Leste. É que história deles é muito política. Sempre acabava em quase pancadarias, né? Gente, a gente não vai conseguir nada assim, você apontando para o cara, você é safado, você.
R - Quem trabalha com __________________ políticas acabam tendo. Mas nós não trabalhamos com nenhuma ________________.
P2 - O problema deles é assim. É um lugar muito especial só que eles não conseguem fazer essa ponte. Porque já ficaram marcados. Já são os radicais, né?
R - É. Fica difícil.
P1 - Vamos embora?
R - Onde eu tinha parado?
P1 - Você estava explicando os projetos.
R - Eu estava no programa Primeiras Letras, né?
P1 - Gládis, você poderia retomar a explicação dos projetos? Você estava no programa Primeiras Letras. Por favor.
R - Pois não. Bom, então, no programa Primeiras Letras hoje nós atendemos 168 crianças de quatro a seis anos, né? E tem uma proposta de preparar a criança para a primeira série. Porque uma criança que ela entra na primeira série sem ter passado por uma pré-escola, ela acaba, assim, tendo mais dificuldades. Mas isso também não é tudo. Além disso, o programa também tem a intenção de contribuir com as famílias. Porque hoje a realidade é que não é só o pai que trabalha. E muitas vezes o pai já nem está mais na família, né? Então a mãe precisa sair, precisa trabalhar. Então aquele período que a criança fica conosco, a mãe acaba tendo uma despesa menor, porque a criança recebe alimentação e fica pronta para quando a mãe chega do trabalho, sabe que a criança ficou em um local seguro, bem cuidado. Tem também essa intenção de contribuir com as famílias, né? Hoje, se uma mãe for pagar lá, ainda que na periferia, pagar que uma criança, para alguém cuidar da criança em casa ou pagar um escola particular, essa mãe vai gastar mais de 150 reais para isso, né? E aí ela não tem essa despesa. E quando ela precisa de alguém é muito mais fácil conseguir alguém que cuide da criança metade do período e outro meio período ela está na escolinha, do que deixar a criança em casa às vezes com irmãozinho pequenos também, enfim. Tem também essa intenção. Além de preparar a criança para a primeira série, né? Esse seria então o Programa Primeiras Letras, que tem uma parceria com a Ação Comunitária do Brasil. Depois nós temos o programa chamado Crescer. Que tem a intenção de contribuir com o desenvolvimento global da criança, ou seja, a criança está na escola formal da primeira à oitava série, né? Porque são crianças de sete a quatorze. Ela está na escola formal, ela tem todo o aprendizado lá. E a proposta do Projeto Crescer é complementar. Então a gente quer que a criança tenha sucesso escolar. A gente quer que a criança perceba o quanto ela é capaz, o quanto ela tem potencial e ela pode desenvolver. Então a gente provoca esse interesse da criança, explora todo esse desenvolvimento para que ela realmente possa se sair bem na escola, né? E também tem essa intenção de não deixar a criança na rua, de não deixar a criança ociosa. As mães saem para trabalhar e ficam inseguras por ter que deixar o filho sozinho, né? Então ela, a criança, está na escola formal no período da manhã, um exemplo. E a tarde ela está conosco. Então a mãe sabe que quando chega a criança participou de dois programas, esteve em um lugar seguro, né? Então tem também essa intenção dessa contribuição para a família. Esse é então, o Projeto Crescer. Hoje nós temos duas turmas desse projeto. Atendemos 60 crianças. Temos também o Projeto Jovens Urbanos. Que é um projeto que nós fomos convidados, ele começou esse ano, nós fomos convidados pela Ação Comunitária, pela Fundação Itaú e pelo CENPEC [Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária]. CENPEC é uma sigla. Eu não lembro agora todo o nome, mas é um centro de estudos e pesquisas. Eles implantam vários projetos em vários lugares e eles ficaram sabendo da Provisão através da Ação Comunitária. Como nós somos parceiros da Ação Comunitária há 13 anos, convidaram a Ação Comunitária para implantar um projeto pra jovens, e queriam que fosse no Capão Redondo. Então a Ação Comunitária fez essa ponte até a Provisão e nos convidou. É um projeto que atende 60 jovens. Esse jovem está passando por um processo de formação de 10 meses, onde tem a intenção de provocar um intervenção social na própria vida do jovem, e provocá-lo a ter esse intervenção social também na comunidade. Então o projeto ele começou em Março, ele já passou por vários processos e agora nós estamos em um processo onde o jovem vai efetivamente implantar um projeto de intervenção social na comunidade. Então ele já passou por toda uma sensibilização, né? Ele já explorou, já conheceu vários lugares em São Paulo, várias possibilidade de tecnologias para poder então desenvolver um projeto de intervenção social.
P2 - É um projeto de protagonismo?
R - Sim. Protagonismo juvenil.
P2 - Já veio de relação com aquele que você fez?
R - Sim. Veio. Assim, uma coisa que aconteceu que é um projeto que eu escrevi que se chama criação, tem essa intenção do jovem atuar junto à comunidade. Ele ia desenvolver várias habilidades. Tem muito a ver como que é esse projeto. Mas como nós não conseguimos financiadores, quando nós íamos começar a buscar isso, foi quando nós fomos convidados a executar o projeto Jovens Urbanos. Então a gente parou um pouquinho com criação e foi então atender a essa demanda dos Jovens Urbanos. E tem essa intenção do jovem realmente poder interferir de forma positiva na comunidade onde ele vive, né? Não apenas uma formação profissional. Porque isso é muito comum em projetos sociais para jovens. O que torna esse projeto diferente, desafiador, é você fazer o jovem reconhecer o local onde ele está, valorizar e perceber o quanto ele pode contribuir para o meio, né? Então tem essa intenção desse projeto. Não é apenas profissionalizar. Ah, o jovem vai ficar pronto para uma área de trabalho. Não. Jovem fica pronto para a vida. Então a gente quer estimular essa intervenção social primeiro pra ele mesmo, para ele perceber que ele pode gerar os seus próprios recursos. Querendo ou não, o mercado informal ele cresce cada vez mais e o jovem tem que estar atento a isso também. Muitas vezes são as boas idéias que tornam grandes empresários, né? Então a gente quer estimular a desenvolver esse jovem para isso. Então esse projeto começou esse ano, ele encerra em março do ano que vem e ele já vai se replicado no ano que vem. Nós já fomos convidados para poder dar continuidade nesse projeto no ano que vem. Ele vai ser implantado, esse ano foi implantado em 10 organizações sociais, ano que vem tem mais 10. A ideia é multiplicar isso. E nós estaremos então acompanhando também para o ano que vem. E esse é então o Projeto Jovens Urbanos. E temos também o Projeto Provisão e família. Provisão e Família ele acontece dentro da Provisão. Ele não tem especificamente um financiador, um mantenedor. Esse projeto ele é sustentado pelas próprias ações das famílias. Por exemplo, nós promovemos palestras quando a gente consegue alguma pessoa voluntária que vai lá e quer tratar algum assunto de interesse de interesse para as famílias. Promovemos alguns passeios, lazer, entretenimento para essas famílias. Teatro. Agora mesmo no dia seis nós vamos ter uma equipe de teatro que vai até o local para fazer uma apresentação para essas famílias. Então a gente tenta promover várias ações que tragam para a família cultura, esporte, lazer, informação, para que ela fique também conectada ao meio, não viva só de casa para o trabalho, do trabalho para casa. E perceba o que está ao seu entorno, o quanto ela pode usufruir de muitas coisas, né? Uma coisa muito marcante no Projeto Provisão e Família é que uma vez por ano a gente leva a família inteira pra um sítio. Um sítio enorme, com três piscinas. É uma experiência muito bacana porque são pessoas que nunca sequer saiam dali de onde elas vivem. Então, de repente elas se vêem em um local onde tem alojamentos, tem piscina, tem salas de jogo. Um ambiente muito legal que ela nunca viveu, né? E é muito bacana a gente poder proporcionar isso. E não é só para a criança, a família. Está ali o pai, está a mãe, estão os irmãos todos juntos. Então é uma oportunidade legal que a gente também consegue promover dentro desse projeto Provisão e Família, né? E o nosso último projeto é então o CDI. Que é o...
P1 - Esse a gente pode falar depois. Eu só queria antes que você tratasse um pouco de como é feita a captação de recursos para todos esses projetos.
R - Certo. A captação de recursos. Para cada um desses projetos nós temos parcerias. Então assim, é um percentual que é responsabilidade do parceiro, e há um percentual que é a nossa contrapartida, que é responsabilidade da Provisão. Então, o que é que nós fazemos? Para poder garantir essa nossa parte, nós então realizamos bazares beneficentes, nós realizamos eventos, festas, para que possa pagar as despesas dessa parte. E o parceiro ele vem com a maior parte do financiamento. Aquilo que tem um custo maior felizmente vem das parcerias. Então hoje nós temos parceira com a Ação Comunitária do Brasil, temos parceria... Deixa eu lembrar de todos os parceiros. É que cada um desses programas sociais é um parceiro diferente. Então temos a Fundação Itaú, temos uma parceria que começou esse ano com o Pão de Açúcar onde eles doam alguns alimentos e a gente faz o bazar para poder reverter isso em recursos para a organização. Temos a Copenhague que vai lá e doa chocolate para as crianças, que é uma delícia. E assim vai. A gente sempre tem os colaboradores, os parceiros, né? Que vem com uma proposta que normalmente cobre 60, 70% e as vezes até, dependendo do projeto até 80 % do projeto e a contrapartida que é quando a gente faz então eventos, bazares. E recebemos também algumas doações algumas vezes, que ajudam a suprir as despesas da organização.
P2 - E como é que vocês chegaram a essa rede de colaboradores? Os contatos? Como é que vocês vão atrás dessas pessoas desses projetos?
R - Bom, é, uma coisa que eu aprendi que quanto mais séria, assim, organizada é uma organização social, muito mais ela se torna visível e procurada. Então nós começamos e, a única parceira é a Ação Comunitária. É o único e nós começamos a desenvolver e organizar cada vez mais o trabalho. Então muitos começaram a nos procurar. E algumas vezes nós mandávamos cartas, ofícios, procurávamos parceiros, fazíamos uma visita, fazíamos uma proposta de qual era o nosso trabalho, né? Então acontecem esses dois canais. Tanto a gente vai até a empresa. Manda um ofício, manda um projeto, como também a empresa vem até a gente. Uma vez que a gente conseguiu nos tornar cada vez mais conhecido, a seriedade, a responsabilidade social, a transparência do trabalho acaba fazendo com que a gente acaba sendo indicado, procurando. Um exemplo disso foi o próprio Pão de Açúcar. Nós não os procuramos, eles nos procuraram. A Fundação Itaú, o CENPEC, nós não procuramos, eles nos procuraram por conta de conhecer o trabalho. Então acontece as duas vias atualmente. E isso é muito bom.
P2 - E vocês mantêm um contato, um retorno? Como é que é a comunicação com eles?
R - Com os parceiros? Bom, existe assim um relacionamento diferente para cada uma dessas parcerias. Existem alguns que pedem apenas um relatório e pronto das atividades, uma prestação de conta formal, enquanto que outros querem assim, uma proximidade. Então acontecem reuniões, visitas, né? Então depende muito da característica de cada parceiro e a gente precisa respeitar isso. Alguns parceiros querem apenas te dar a contribuição que você precisa para manter aquele projeto e pronto. Enquanto que outros não, vem cá, a gente quer visitar vocês, a gente que vocês estejam vindo até aqui. E aí a gente tem que tem que ficar sempre aberto e flexível para o que esse parceiro está querendo. Afinal de contas, a parceria eu considero como um casamento, né? Quer dizer, você precisa ter essa relação, e essa relação tem que ter também esse respeito. E alguns parceiros querem uma proximidade maior, outros nem tanto, outros querem assim, não a gente te ajuda, mas fica você lá e a gente aqui e pronto.
P2 - E só faltou mais uma coisa sobre a associação. É um prédio? São vários prédios? Como é que é fisicamente?
R - Nós temos. Fisicamente hoje nós temos dois prédios. Nós temos a sede, né? Que atende lá às 228 crianças, que tem o programa Primeiras Letras e Crescer e nesse prédio então acontecem esses dois programas e o Provisão e Família também. Na verdade são três programas nessa sede. E os Jovens Urbanos e o Projeto CDI não tinham mais espaço físico. Então dentro da igreja, nós temos salas embaixo no salão da igreja tem salas de aula e acontece nesse espaço. Então nós temos a sede e temos na igreja salas, e temos um documento de comodato para poder utilizar. Tem toda uma autonomia para estabelecer os trabalhos da organização ali dentro.
P1 - E como você chegou ao CDI? Vocês chegaram ao CDI?
R - Ao CDI foi assim. Nós ouvimos falar através de uma educadora. Ela trabalhou um ano conosco e ela falou assim, olha, eu conheço uma pessoa que trabalha no CDI, que o CDI é isso assim, e assim e tentou explicar mais ou menos o que era. E falou: "Ah, eu vou dizer para essa pessoa te procurar". E aí a Rose. A Rosimeire do CDI veio nos procurar, né? Porque nós fizemos um contato com ela, agendamos um dia, e ela foi e nos fez uma visita. Conhecer a organização, quais eram os projetos, qual era a proposta social e tudo o mais. E falou nós tínhamos que então escrever um projeto, uma proposta para poder então ter um (EIKE ?), né? Ter uma sala de informática dentro da organização. Então, ela conheceu todo o espaço. Nós fizemos então o projeto, isso no ano passado e entregamos esse projeto para ela. E aí passou por uma avaliação, porque eu sei que eles recebem vários projetos. Então foi feita uma avaliação que também soma a essa questão de conhecer o espaço, conhecer a proposta da organização e não apenas aquilo que está no papel. E então foi aprovado o projeto. Aí uma vez que foi aprovado começou então a implantação. Passamos por um processo de capacitação tanto do educador quanto do coordenador. Eu hoje sou coordenadora do projeto. Então fizemos essa capacitação. Até para eu conhecer bem qual é a proposta do CDI, né? A metodologia. Então fizemos toda essa capacitação e implantamos. Hoje nós temos uma sala com 10 micros, com impressora, com scanner, com toda uma estrutura legal. Todos esses equipamentos, os micros tudo vem do CDI. A parte de manutenção técnica, nós temos assim o apoio do CDI e temos também um voluntário que, para algumas coisas mais simples ele vai lá e nos ajuda, né? Temos dois educadores. O Rodolfo e Claudinha, que são pessoas assim que eram da comunidade. A Claudinha tem até uma história muito bacana. E era a nossa cozinheira. Ela trabalhava fazendo o lanchinho das crianças. Ela é que fazia a merenda. Só que assim, sempre se tinha esse desejo de fazer algo diferente, mas não queria voltar a estudar e tudo o mais. Aí eu comecei a provocar ela: "Não, você tem que voltar a estudar, você quer oportunidade então você tem que buscar isso, né?”. Então ela voltou a estudar, se formou, fez o colegial. E foi quando fomos então implantar o CDI e precisávamos de dois educadores. Aí nós chamamos o Rodolfo, que já tinha um pouco de conhecimento de informática, enfim. E a Claudinha que era nossa cozinheira, mas que tinha um sonho de crescer, desenvolver. Então a gente deu essa oportunidade para ela e os dois estão lá se saindo muito bem. Eu sou suspeita em falar, mas assim, tem feito um trabalho muito bacana junto à comunidade.
P1 - E quem atende? A EIKE atende a que perfil?
R - Hoje nós atendemos assim, crianças e adultos, né? Então nosso público começa com 10 anos. É o mínimo 10 anos. E vai até a melhor idade. 60, 70. Nós temos até um desafio. Como estamos agora, é o primeiro ano e estamos com uma segunda turma, mas o nosso desejo é atingir uma turma de terceira idade. A gente percebeu que esse público eles são pessoas assim que querem fazer algo, mas assim não notaram o quanto pode ser interessante para eles fazer digitação, fazer informática aprender, né? Usar essas ferramentas. Uma vez eu estava comentando com uma senhora e ela falou assim: "Ah, minha filha, mas para que é que eu vou aprender isso?". Aí eu olhei para ela e falei assim: "Olha, a senhora já pensou que os seus netos e seus sobrinhos, eles não precisam entrar no mercado de trabalho, eles não querem currículo?". E aí ela falou: "É verdade. Você sabe que outro dia eu até tenho um computador em casa e eu tive que chamar uma outra pessoa para vir, para fazer?". E eu falei: "Então, a senhora tem tempo. Poderia estar fazendo isso. Ajudando tantos jovens". Sabe que eu convenci ela a fazer o curso.
P1 - E ela fez?
R - Então assim, essa questão de às vezes as pessoas perceberem também. As pessoas mais idosas elas acabam ficando ociosas e acabam ficando muito mais dodói por não ter muita atividade, né? Então a gente acha interessante. E também o público em geral que a gente atende, a gente percebe que a inclusão digital, ela não dá apenas uma ferramenta, a pessoa não está apenas a lidar com uma máquina que todo mundo sabe lidar, você mexe na cidadania dessa pessoa. A pessoa passa a se sentir incluída a um mundo que ela não fazia parte, né? Eu achei umas pessoas lá que tinham medo do computador, tinham medo de lidar, de tocar. Que tremiam de chegar perto da máquina. Então é muito gostoso poder promover essa inclusão para essas pessoas.
P2 - Eu acho que você até comentou já. Assim, a formação dos educadores?
R - É feita uma capacitação pelo próprio CDI, porque tem toda uma proposta pedagógica, uma metodologia a ser seguida.
P2 - ____________ ___________ ______________, algum perfil que o CDI já pede dessas pessoas?
R - Não. O que eles pedem é que tenha o Ensino Médio, né? O segundo grau completo e eu acho que é só isso. Não precisa ter conhecimento informático porque eles se propõem a formar essa pessoa. Então é bacana até essa ação do CDI porque não há uma exclusão. Se a pessoa não tem conhecimento, não tem problema, eles vão ajudar a pessoa a se capacitar. Então nós tivemos esses dois casos. Um educador já era formado em informática, já conhecia e tudo o mais, enquanto que a educadora, que é no caso da Claudinha, ela não tinha o conhecimento, né? Então o CDI ajudou. E a gente ajudou também bastante para que ela pudesse hoje ser uma educadora de informática.
P2 - E o que é que você acha da formação que o CDI deu?
R - Para esses educadores? Eu acho que ela poderia assim ter uma continuidade ainda maior. Tem uma boa proposta, né? Porque não há uma exigência de que a pessoa seja formada. Então ela não tem toda uma didática, ela não sabe o que fazer com os alunos. Então tem também a proposta de cidadania. Então esse educador ele precisa ter toda uma bagagem para isso. Então o CDI vem e faz essa capacitação para que esse educador tenha essa bagagem. Eu sinto um pouquinho de falta de uma continuidade. Eu acho que precisa ter uma continuidade a esse respeito, mas é muito significativo porque o aluno ele não entra, o aluno, não o educador não entra lá totalmente cru, sem saber o que fazer, qual é a proposta, né? Então ele passa por essa formação.
P1 - Os educadores são voluntários? Como vocês mantêm?
R - É assim. Nossa sustentabilidade ela vem da própria contribuição dos alunos. Cada aluno contribui com 15 reais por mês. Aí é somada essa contribuição, 50% fica para a organização para as despesas administrativas, para ajudar a pagar a luz e tudo o mais que gera, né? A manutenção dos equipamentos, material de apoio que precisa. E o restante, os outros 50 % ficam então para esses dois educadores. Que então recebem essa ajuda de custo. Não chega a ser um salário que hoje é para um educador de informática, mas assim é uma ajuda de custo, né? É o que é proposto.
P1 - E como foi o trabalho de formação do educador, do coordenador de EIKE lá no CDI? Como é que é esse trabalho? O que é tratado?
R - Bom, eu acredito que todos os assuntos relacionados a gestão social mesmo, dentro de uma proposta de informática. Dentro de uma EIKE. Ou seja, como você cuida da questão de recursos humanos, como você cuida da questão da gestão financeira, administração como um todo. Então assim, eles se preocuparam e até achei interessante porque ali realmente havia coordenadores que realmente não tinham a menor noção de tudo aquilo, né? Eu até já tinha passado por alguns cursos, então assim, muita coisa não era tanto novidade. Mas foi bom porque nunca é demais aprender, acrescentar e rever algumas coisas. Mas há todo um cuidado de pegar esse coordenador e mostrar para ele quais são todas as áreas que ele vai precisar cuidar e acompanhar para garantir o sucesso dessa EIKE. Então isso é muito interessante. Essa preocupação até nós fizemos um curso até de comunicação, com a possibilidade de assim, olha, algum dia vocês podem ser entrevistados, etc e tal. E olha eu aqui. É foi engraçado.
P2 - E é contínuo esse contato com vocês? Com a formação dos coordenadores?
R - Nós temos assim. Existe um cronograma anual, e então nós já temos as reuniões que vão acontecer no decorrer do ano, onde são tratados vários assuntos relacionados às EIKES, né? As escolas de informática.
P2 - Mas são individuais, ou é um grupo de coordenadores? Como é que feito isso? Vocês têm uma rede já?
R - É assim. Existe uma rede por conta desses encontros formais, que encontra então todas as ONGs que estão ligadas em parceira com o CDI quem tem as EIKES, né? Então existem esses encontros de coordenadores onde são tratados todos esses assuntos. A gente procura trazer soluções, fazer trocas de experiências, abordam alguns assuntos relacionados à inclusão digital e outros assuntos que estão em evidência nos terceiro setor. E isso traz desenvolvimento para o coordenador, para a organização. E, além disso, há também uma supervisão técnica, um coordenador do próprio CDI que vai até a EIKE, faz uma visita técnica, acompanha. Vê como é que estão funcionando as coisas e tudo o mais. Para realmente não perder esse vínculo. Então eles estão sempre lá. E eles sempre falam assim, em um atendimento, se precisar a gente pode telefonar. Se estamos com alguma dúvida, alguma dificuldade a gente tem esse auxílio, né?
P2 - Mas essas relações então sempre passam pelo CDI? Você de uma EIKE não tem contato com outra EIKE em passar pelo CDI? Não tem essa proposta, não está surgindo nada assim?
R - Olha, até assim, eu acabo conhecendo porque existem algumas organizações que eu já conhecia antes de conhecer o CDI. Então quando a gente se encontrou lá, ah, legal, você também é parceiro do CDI. E a gente acabou se encontrando em outros lugares e enfim. Mas eu digo assim, a troca acontece também em outros momentos por conta disso. Por serem organizações que eu já conhecia. Agora eu concordo com isso que você está dizendo. Se a gente tivesse um estreitamento maior entre as próprias organizações, formando até uma rede contribuiria muito mais para o desenvolvimento da EIKE, né? Mas eu acho assim, já existe, mas eu estou no primeiro ano. Então talvez eu não esteja ainda bem articulada com as outras organizações. Mas as que já estão há mais tempo com o CDI, eu acredito que já acontece sim. Então eu não posso dizer que não exista, né? Eu penso é porque nós é que estamos no primeiro ano.
P1 - E você notou alguma mudança nos alunos da EIKE? Assim, desde que eles entrara, a partir do curso que eles fizeram, você poderia dar algum exemplo, citar algum caso de mudança?
R - Ah, com certeza. Eu lembro assim de uma experiência bacana que a gente teve assim. O curso que nós propomos na EIKE é um curso de cinco meses onde nós ensinamos Windows, word, excel, digitação, né? E felizmente ano que vem nós vamos ter até internet. Vai ser muito legal. Então nós, dentro desses cinco meses nós formamos uma primeira turma agora no primeiro semestre desses anos. E o interessante é que a gente pensou assim, vamos ou não vamos fazer uma formatura, aquele momento todo formal, chamar todo mundo porque é um curioso. Por mais que a gente trate da cidadania, inclusão social, inclusão digital, mas não deixa de ser uma ferramenta. Uma ferramenta de trabalho que a pessoa vai usufruir em outros meios, outros motivos, enfim. A gente pensou: "Fazer ou não fazer, né?". "Ah não vamos fazer não, né?". "Ah, para quê, né? Ah, não sei". De repente eu me dei conta de uma coisa e falei, não se nós estamos tratando com a cidadania e esse é um momento importante para essa pessoa. Ainda que para nós de repente eu já lido com computador há muitos anos, então para mim, né? Só que para as pessoas que estavam se formando, isso tinha um outro significado, um outro olhar. E felizmente eu me dei conta disso e falei assim, não vamos sim, vamos fazer. Porque aquilo que de repente para nós, o que é hoje uma câmera para ele, né? Para vocês? Poxa, vocês estão acostumados lidar com isso. Agora, é diferente para uma pessoa que nunca lidou com aquela ferramenta, então é uma conquista. É um momento importante para aquela pessoa. E nós fizemos então a formatura, né? Foi um sábado. E o interessante e gostoso é que no dia não tinha só aluno. Tinham várias pessoas da comunidade que foram lá. Foi muito agradável ver tantas pessoas que, poxa, mas não é aluno e por que é que está aqui? Porque sabe o que nós estamos fazendo. Estão entendendo a proposta para a comunidade, né? E teve um momento que a gente deixou que alguns alunos dessem depoimento do que foi essa experiência de fazer então esse curso de informática, o que foi essa oportunidade. E eu confesso para vocês que foi emocionante. Até porque no começo eu não queria fazer, né? Então foi muito bom ouvir as pessoas dizendo: "Olha, foi significativo para a minha vida, eu hoje sei que tenho mais possibilidades de conseguir um emprego, eu hoje sei que tenho mais conhecimento, hoje eu sei que não assim, que eu faço parte de um grupo de pessoas que antes eu não fazia. Quer dizer, eu não tinha conhecimento nenhum, não entendia muito bem como é que essa máquina funcionava e hoje eu já posso utilizar. Então a pessoa ficou com autonomia. Você mexeu em um lado humano dessa pessoa, né? Enfim, foi muito bom.
P2 - E você acha que isso mexe também com as expectativas dessas pessoas? Elas entram buscando uma coisa e isso muda? Como é que é a expectativa? Por que é que elas entram no curso?
R - Bom, a gente, eu acho que hoje nós temos dois públicos lá. Aquele público que apenas quer um conhecimento técnico, né? A pessoa quer conhecer, saber mexer na máquina. Os amigos já sabem e ele também quer estar por dento. Mas existe aquela pessoa que atua um pouco mais. E é muito gostoso quando a gente encontra aquela pessoa que ela quer assim, ela quer uma inclusão social de fato. Você parece isso. Então a pessoa, ela se sente excluída, ela se sente. Por exemplo, nós temos hoje um caso de um aluno que ele é semi-analfabeto. E ele aprende muito rápido as coisas, ele tem uma percepção rápida Então a gente percebe o quanto aquilo está representando para ele. Porque ele mal sabe ler e escrever. Ele se sente discriminado por isso. Ele se sente inferiorizado por isso. E agora ele tem a oportunidade de ter uma ferramenta que dá essas possibilidades de ele poder fazer algo pelo menos semelhante ao que os outros faziam. Lembrei agora de um outro caso de uma senhora também que ela, ela assim, ela tem uma escrita com muita dificuldade, é pouco alfabetizada também. E ela falou: "Não, agora que eu vou aprender informática, eu vou poder escrever tudo direitinho porque o computador vai corrigir os meus erros". Sabe, é muito gostoso você ver uma pessoa. Ela vai fazer as coisas com um pouco mais de segurança, ela vai se sentir mais incluída. Ela não vai se sentir inferior diante das relações humanas, né?
P2 - Você falou desse primeiro tipo de pessoa que entra só por conhecimento técnico. É que o CDI tem uma proposta político pedagógica que mexe um pouco com isso. Você acha que uma pessoa que entra só para ter o técnico, o cidadania mexe com ela? Essa proposta político pedagógica modifica?
R - Mexe. Mexe com certeza. Porque a gente começa a fazer algumas ações que mobiliza essa pessoa, né? Cada texto que ela vai digitar, cada vez que é proposto um novo projeto que vai ser desenvolvido naqueles cinco meses, você vê que acaba mobilizando. Uma experiência que a gente teve foi de um rapaz. Rapaz, menino, ele não chega a 12 anos. Não lembro agora a idade dele. E ele foi ali para conhecimento técnico mesmo. E no final ele queira falar e ele quis ser uma daquelas pessoas que formatura quis dar um depoimento. E ele escreveu um texto e ele leu. E a gente, poxa vida, deu para dimensionar o quanto a gente conseguiu atingir aquela pessoa que foi para conhecimento técnico. Já tinha computador em casa, e só queria mesmo conhecer um pouco mais. E a gente percebeu quanto a gente pode despertar a cidadania naquele menino, né?
P2 - E essa proposta? Ela se articula com proposta da comunidade? Como é que se dá essa proposta político pedagógica do CDI na realidade de vocês?
R - Eu acho que tem tudo a ver. Vem de encontro, né? Porque nós trabalhamos a missão da nossa organização é ser uma ponte que amplia o acesso a uma formação cultural, social e educativa das famílias menos favorecidas no Capão Redondo. Então assim, nós queremos ser essa ponte, fazer esse link, né? Poder promover a cidadania, a inclusão para essas pessoas. E essa proposta político pedagógica do CDI tem a ver com a nossa missão que é realmente a inclusão.
P1 - E você disse que nessa formatura estavam presentes pessoas na comunidade, né? Como é que você percebe a recepção da comunidade ao trabalho da EIKE, ao trabalho que vocês estão fazendo com o CDI lá dentro? Tem algum retorno, tem alguma, ou você sente isso?
R - É difícil falar um pouquinho de si mesmo, né? Mas assim, eu percebo que a cada ano as pessoas estão conhecendo e reconhecendo cada vez mais a Associação Beneficente Provisão. Que até então era conhecida só como a escolinha. Então 13 anos depois ou de quando nós assumimos, de sete anos para cá, há um reconhecimento da comunidade. As pessoas querem estar junto, querem ouvir o que é que a gente tem para dizer, o que a gente está fazendo. Nós fizemos recentemente uma oficina chamada pais e filho, onde chamamos os pais para dentro das salas de aula para conhecer o que estavam fazendo, o que as crianças faziam no cotidiano. Então assim, a gente percebe o quanto a comunidade está reconhecendo e se apropriando cada vez mais de que ali é um trabalho que é para eles. É para nós. É pra os moradores do Capão Redondo. Então há um reconhecimento. As pessoas valorizam, né? É óbvio que a gente nunca consegue atender 100%, né? Sempre vão ter os 10% desinsatisfeitos, né? Mas eu acho que é assim o reconhecimento da comunidade. As pessoas ficam satisfeitas. E uma coisa que as pessoas falam muito e que eu acho muito legal é falar olha, vocês têm um trabalho que é sério e organizado. A gente sempre ouve. A sensação que as pessoas falam assim é, olha parece que a gente está entrando em um lugar particular. Mas não é particular. É para a comunidade. Então aquela idéia assim de que ah, já que é para a comunidade então pode ser tudo simples, tudo precário. Então a gente mudou essa mentalidade na comunidade. E não, se é para a comunidade então tem que ser com qualidade, tem que ser organizado, tem que ser bem feito. E mudamos essa visão. Então é muito legal, porque você acaba mexendo com a mentalidade dessa pessoa. Na própria rua onde nós começamos a organização ainda não era asfaltada. A gente conseguiu através de ofícios e reivindicações a asfaltar a rua. Logo as casas começaram a melhorar. Então quer dizer, você mexe com a cidadania das pessoas. Elas percebem que elas estão não só pelos moradores de um lugar, mas elas fazem parte da história daquele lugar.
P2 - E a EIKE, vocês estão conseguindo promover algumas ações da EIKE para já tentar esse contato com a comunidade? Como é que está a relação dos alunos da EIKE e esse trabalho?
R - Bom, como é o primeiro ano, eu acho assim que nós ainda estamos dando os primeiros passos a esse respeito. Eu, até por conta da experiência dos outros projetos, eu acho assim que a gente pode avançar muito mais dessa participação do aluno. É mais desafiador porque a gente fica só cinco meses com ele. Então você conseguir sensibilizar, envolvê-lo na comunidade, então isso é muito mais desafiador. Então eu diria, nessa segunda turma a gente está conseguindo uma sensibilização maior. Estamos amadurecendo, dando uns passos mais nesta direção de conseguir sensibilizar este aluno para realmente promover uma intervenção social, né? Hoje a gente já está conseguindo mobilizar os alunos para levá-los para conhecer o que é que tem de inclusão digital na região, infocentro, telecentro. Então a gente que os alunos conheçam e usufruam disso. Nós fizemos uma festa que é chamada Expocampo que é uma festa que é para a comunidade. Então nós levamos os alunos do CDI para lá para promover um dia de inclusão digital para a comunidade. Aí tinha alunos lá ajudando. Então assim, até nós mesmos por conta de ser primeiro ano, nós estamos nos apropriando cada vez mais disso. E tentando sensibilizar os alunos. Mas eu acredito que daqui um tempo a gente vai ter experiências ainda melhores para contar desse envolvimento dos alunos nessa proposta, né?
P1 - Qual é o acesso da comunidade do Capão Redondo em relação a tecnologia de informática? Qual é o acesso ao computador que essa comunidade tem? Os alunos da EIKE?
R - Ah, a maioria só ali mesmo. Difícil, né? Poucos são os que têm em casa.
P1 - Eles vinham com alguma experiência, algum?
R - Não, não. É uma minoria que tem experiência. É um outro aluno que. O contato que hoje, principalmente quando são estudantes eles têm na escola pública, né? Porque hoje a escola pública tem. Só que o contato é assim. A escola pública ela tem até que de repente alguém foi lá, assaltou, levou todos os micros embora. Então ele teve por um tempo aquele contato, né? E então eu acredito que o maior contato ainda é ali com a máquina. Alguns falam assim: "Ah, eu tenho computador em casa". Mas aí a gente sabe que é aquela máquina que ganhou não sei de quem e que quase não funciona. É que hoje em dia tem algumas máquinas que estão obsoletas por aí e que as pessoas acabam dando e você pensa, poxa ganhei um computador. Mas a maioria do contato que as pessoas acabam tendo é ali.
P2 - Internet ainda não tem?
R - Não. Nós vamos ter até março do ano que vem se Deus quiser.
P2 - E já estão pensando em alguma atividade?
R - Já. A idéia é nós termos assim. É abrir para a comunidade. Porque hoje assim, a gente abre para a comunidade, mas há uma grade de horários com alunos. Então a gente quer que tenha essa visitação, como é que chama mesmo? Acesso livre, né? Nós queremos o acesso livre. A gente quer que a comunidade possa ir até lá, e ela está precisando pesquisar alguma coisa, ela quer conhecer, ela quer aprender, para a gente ver que a comunidade tenha sim esse acesso, né?
P2 - E como vocês estão conseguindo?
R - Foi através de uma ação do próprio CDI. Eles conseguiram, eu não lembro agora o nome. Foi feito um projeto onde o Rodrigo conseguiu captar recursos de várias empresas, enfim, para poder então implantar a informática nesses locais. A informática não, a internet nos locais ainda não tem.
P2 - Todas as EIKES?
R - Todas. A proposta é que as 25 EIKES que ainda não tem, vão passar a ter até março do ano que vem. Essa é a proposta. E nós ficamos super felizes porque a gente percebe assim que as pessoas estão ligadas a isto. Elas vêem televisão e vêem que a internet é algo que faz parte do cotidiano das pessoas. E eles acabam não tendo esse acesso e a gente também não pode dar. Então, saber que nós vamos poder proporcionar isso o ano que vem é muito bom. Muito bom mesmo.
P2 - E sobre a didática mesmo? Assim, eles vão aprender o instrumental da internet? E como é que vocês vão incluir a cidadania aí?
R - A Cidadania, ela começa com uma sensibilização. Então a gente procura ter uma aula que não seja totalmente técnica ou formal. Ou seja, o aluno chega em uma roda de conversa, são feitas algumas dinâmicas, e todas as dinâmicas têm essa intenção de trazer essa sensibilização. Quando o aluno, por exemplo, já está em uma fase de digitar um texto, em vez de ser um texto qualquer, ele tem essa intenção da provocação. E texto fala de cidadania, né? É feito também, no decorrer do curso, uma proposta de desenvolver um projeto de intervenção social. A primeira turma, por exemplo, a gente tentou. Não conseguimos muito bem porque, esse como eu falei foi o primeiro ano. E acredito que a gente ainda vá conseguir com mais êxito isso. Mas nós propusemos, surgiu uma proposta dos alunos fazerem um informativo para as escolas públicas. Então, muitos deles estudavam, estudam em escola formal. Então a idéia era assim, de eles buscarem a notícias, as informações como, por exemplo, a escola da família. Por mais que ela seja divulgada, como ela é nova, ela precisa de mais força de comunicação para melhorar. Para as pessoas se apropriarem que é algo para a comunidade utilizar, né? Então a proposta era que os alunos pudessem desenvolver um informativo para então colocar nas escolas públicas. E aí poderia fazer várias cópias, conseguindo parceria para isso, ou então apenas um único informático para fixar em alguns lugares estratégicos, né? Foi feita essa ação com os alunos.
(PAUSA)
R - Vocês falaram de um material e trouxe. Tinha assim um pauzinho só.
P1 - Tem alguma experiência ou algo que você quisesse falar e que não foi perguntado?
R - Não sei. É tão amplo tão difícil. Não sei se ficou alguma coisa na gaveta. Acho que não. Acho que não. Se eu lembrar eu.
P2 - Eu só queria uma perguntinha assim. Como é que é a relação das pessoas que trabalham na associação com esse projeto daí? Como elas vêem isso? Como é que você sente a aceitação dessas pessoas ao projeto EIKE?
R - Das pessoas que trabalham?
P2 - É.
R - Bom, na semana passada nós fomos convidados para falar um pouquinho dessa nossa experiência de trabalhar em equipe. E isso foi muito legal. Agora, por que é que eu estou te dizendo isso? Desde que nós assumimos o trabalho social, uma coisa que eu percebi foi a diferença de você trabalhar com o grupo e de você trabalharam em equipe. A diferença de você realmente fazer com que pessoas compreendam que nós estamos trabalhando por uma causa. E nós não estamos ali apenas trabalhando cada um fazendo a sua parte e pronto, acabou do seu jeito. E acabou meu tempo, bati meu cartão e fui embora, né? Então eu diria assim que foi todo um trabalho que a gente começou do que é trabalhar em equipe, do que é ser um time, o que é vestir uma camisa, né? Então a cada conquista nossa é uma festa assim. Todo mundo participa, todo mundo fica feliz, todo mundo trouxe junto. Quando fica sabendo de possibilidades vem e nos fala. Então não há aquela competitividade, ah o programa tal, Primeiras Letras é melhor do que a EIKE ou a EIKE é melhor do que os Jovens Urbanos. Não, não há. Justamente por causa de todo esse trabalho que a gente conseguiu de hoje ter realmente uma equipe. Hoje nós temos 18 pessoas que trabalham defendendo a causa, né? Que acreditam em um trabalho social, que entendem que nós temos ali uma missão que é um trabalho sério, que buscamos trabalhar de forma organizada. Então cada conquista não é assim a equipe se apropria disso, então assim não é uma coisa que. Não, é nossa. Nós temos hoje uma EIKE. Nós temos hoje uma sala de informática que promove a inclusão digital para um público que antes não tinha acesso. Então não há dificuldade a esse respeito. Pelo contrário.
P2 - E como você vê essa iniciativa do CDI de estar buscando esse resgate da memória em 12 anos de existência. 10, né? De projeto CDI. De memória.
R - O CDI está buscando. Bom, eu acho que é assim, valoriza cada vez mais o trabalho que o CDI faz. Trás reconhecimento, além de que vai ficar marcado para sempre, né? Acho que fica marcado. Eu acho que dá também a oportunidade, porque eles poderiam simplesmente falar dos 10 anos usando uma fita assim, fazendo uma produção onde um repórter, alguém falaria de cada uma das coisas e pronto. Mas eles prefeririam ouvir o que as pessoas que estão com o público direto, as pessoas que estão executando preferiram ouvir o que é que esse público tem a dizer. O que é que o coordenador tem para dizer, o que os educadores tem para dizer. Então eu acho que isso enriquece muito mais essa proposta de mostrar quem é o CDI. Que trabalho é esse. Então acho que isso enriquece, valoriza, enobrece muito mais esse trabalho de 10 anos de CDI.
P1 - E o que é que você achou de ter dado esse depoimento?
R - Uma experiência legal. Eu estou assim super a vontade. Acho que são oportunidades para nós enquanto organização social. É mais uma oportunidade de mostrar o que nós estamos fazendo, de divulgar a nossa missão, nosso trabalho. Divulgar a nossa comunidade. Sem querer vir de guerras, sem querer brigar com meio mundo. Quer dizer, a gente consegue mostrar o que nós estamos fazendo e isso é bom. É bom assim, você poder ser ouvido, divulgar, fazer com que mais pessoas acreditem, conheçam e passem também a acreditar no trabalho que você está fazendo. Então eu acho que isso assim é muito de uma realização pessoal, é uma realização para a organização. Então tudo isso é uma oportunidade muito bacana.
P1 - Você queria colocar mais alguma coisa?
R - Eu quero só agradecer vocês pela oportunidade.
P1 - Está certo. Nós agradecemos também Gládis. Em nome do CDI e do Museu da Pessoa. Obrigada.
R - Obrigada vocês.
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