Meu nome é Milton João Moretti, nasci no dia 28 de março de 1950, em Santa Catarina.
Eu entrei na Petrobras em 1976. Fiz o concurso em 1975 e acabei ingressando em janeiro de 1976. Optei pelo curso de instalações marítimas. É uma área que eu gosto muito. Ela tinha um programa bastante extenso, achei interessante, tanto que, até hoje, continuo trabalhando com instalações marítimas.
Eu vim para o Rio fazer o curso, que era separado em duas partes: uma parte era ministrada no Rio de Janeiro durante nove meses e, depois tinha seis meses na Bahia. No ínterim do Rio para a Bahia, a gente fez um estágio nos campos de petróleo de Aracaju, porque offshore no Brasil na época era lá. A gente ficou em Aracaju um mês e meio visitando as plataformas, acompanhando os trabalhos desenvolvidos nas plataformas, nos campos de petróleo e em terra também. Depois voltei para a Bahia e lá fizemos mais um estágio de um mês e pouco nos campos de petróleo, que foi o berço do descobrimento do petróleo no Brasil. Na hora de optar pelas vagas de trabalho, eu acabei ficando na Bahia mesmo, já que estava iniciando um projeto grande da Petrobras, que era o desenvolvimento do campo de Garoupa. Nessa época, a Petrobras estava desenvolvendo o canteiro onde seriam construídas as plataformas e eu fui trabalhar na área de fiscalização da construção do canteiro, na Bahia. Fiquei lá até 1980, quando terminou a construção da plataforma de Garoupa e fui acompanhar sua instalação. Depois, apareceram as plataformas de Enchova, de Cherne, de Namorado, de Pampo, toda a Bacia de Campos. Então, em resumo, eu fiz o concurso e estudei em Porto Alegre, fui para o Rio e, depois, para a Bahia.
Começamos a fazer um canteiro de obras para construir as plataformas de grande porte no Brasil. A Petrobras estava entrando na área offshore. Na época, cento e poucos metros eram considerados águas profundas, agora já são mais de mil metros. O mercado foi indo para essa...
Continuar leituraMeu nome é Milton João Moretti, nasci no dia 28 de março de 1950, em Santa Catarina.
Eu entrei na Petrobras em 1976. Fiz o concurso em 1975 e acabei ingressando em janeiro de 1976. Optei pelo curso de instalações marítimas. É uma área que eu gosto muito. Ela tinha um programa bastante extenso, achei interessante, tanto que, até hoje, continuo trabalhando com instalações marítimas.
Eu vim para o Rio fazer o curso, que era separado em duas partes: uma parte era ministrada no Rio de Janeiro durante nove meses e, depois tinha seis meses na Bahia. No ínterim do Rio para a Bahia, a gente fez um estágio nos campos de petróleo de Aracaju, porque offshore no Brasil na época era lá. A gente ficou em Aracaju um mês e meio visitando as plataformas, acompanhando os trabalhos desenvolvidos nas plataformas, nos campos de petróleo e em terra também. Depois voltei para a Bahia e lá fizemos mais um estágio de um mês e pouco nos campos de petróleo, que foi o berço do descobrimento do petróleo no Brasil. Na hora de optar pelas vagas de trabalho, eu acabei ficando na Bahia mesmo, já que estava iniciando um projeto grande da Petrobras, que era o desenvolvimento do campo de Garoupa. Nessa época, a Petrobras estava desenvolvendo o canteiro onde seriam construídas as plataformas e eu fui trabalhar na área de fiscalização da construção do canteiro, na Bahia. Fiquei lá até 1980, quando terminou a construção da plataforma de Garoupa e fui acompanhar sua instalação. Depois, apareceram as plataformas de Enchova, de Cherne, de Namorado, de Pampo, toda a Bacia de Campos. Então, em resumo, eu fiz o concurso e estudei em Porto Alegre, fui para o Rio e, depois, para a Bahia.
Começamos a fazer um canteiro de obras para construir as plataformas de grande porte no Brasil. A Petrobras estava entrando na área offshore. Na época, cento e poucos metros eram considerados águas profundas, agora já são mais de mil metros. O mercado foi indo para essa área. A produção de petróleo era quase toda em terra. Como o Brasil não foi muito privilegiado com petróleo em terra, teve que ir para a água. Por sorte, o mar tinha óleo, então começamos a achar petróleo e desenvolver os campos no mar.
Eu nunca me balizei pelo local de trabalho, minha opção sempre foi pelo tipo de trabalho e era uma área que eu gostaria de participar, de acompanhar, então eu fui fiel aos meus anseios. Na época, no Brasil, ninguém tinha tradição de construções dessas plataformas de grande porte porque eram plataformas com uma tecnologia bem avançada. Hoje já é comum, mas na época era bastante avançado. Os projetos eram feitos todos no exterior. Não tinha firma de projeto e nem construtora no Brasil. Para começar, a Petrobras o que fez? A Petrobras teve que dar um incentivo, porque não tinha canteiro de obra de plataforma no Brasil. A Petrobras construiu um canteiro de obra e a gente começou a qualificar as empresas para trabalharem nessa área. Fomos preparados para isso, qualificamos as empresas para trabalhar e começamos a construir a primeira plataforma de grande porte com tecnologia bastante avançada para a época, todos os requisitos de qualidade bem avançados. Começamos com Garoupa. Tinha dois projetos, era um contrato grande de construção e instalação de duas plataformas, uma era Garoupa e a outra não lembro mais a palavra, era nome de peixe também, mas não lembro. Esses contratos eram de dois, três, até quatro anos. A construção de uma plataforma dessas demorava quase dois anos. A gente projetava a construção durante uns dois anos e pouco e depois fazia a instalação. A gente tinha contrato com empresas estrangeiras de projeto e consultorias de empresas tipo a DNV. A Petrobras tinha também um contrato grande de consultoria de uma empresa estrangeira que dava suporte, digamos assim, técnico. A gente trabalhou mais com a tecnologia que a Petrobras já tinha, não de plataforma, mas de refinarias, de oleoduto, terminais. A Petrobras já tinha um começo, que foi extrapolado para essa área com a ajuda de empresas estrangeiras e consultoras estrangeiras que foram contratadas. Era uma coisa bem envolvente. Acabei trabalhando nas fábricas em São Paulo, na Bahia, no Rio de Janeiro, dando assistência, qualificando as empresas, construindo os componentes. Como era um projeto muito grande e eram plataformas de grande porte, de mais de 10 mil toneladas, então tinha muitos componentes para serem fabricados. Isso foi dividido entre várias fábricas, que faziam os componentes e mandavam para o canteiro, onde eram montados. A gente trabalhava com 1.400, 1.500 pessoas no canteiro, chegou a ter mais de duas mil pessoas trabalhando direto. Eram 24 horas de trabalho, um volume de obras muito grande.
Antigamente, a gente não tinha tanto direito como tem agora. Hoje, em um canteiro como o de São Roque, a gente trabalha em um regime quase de embarcado, de um para um, um e meio. Naquela época, a gente não ganhava nada, só ganhava um adicional regional que existia na Bahia. Trabalhava sábado, domingo e, às vezes, íamos lá de noite acompanhar. Alguns trabalhos tinham que ser feitos à noite porque a gente não tinha a tecnologia da construção e montagem. Parece que é simples, mas havia vários detalhes que você tinha que aprender, como as deformações, as dilatações, uma série de coisas que aconteciam devido ao porte muito grande da estrutura. Era complicado. A gente não tinha vivência daquilo. Já se usava infravermelho para fazer controle dimensional, então você tinha que ter vários pontos bem colocados no canteiro para ver as dimensões das coisas. Por exemplo, se o tubo crescia muito, a gente fazia medições para ver o quanto crescia. Às vezes, tinha que esperar a temperatura adequada para fazer a montagem, senão não dava, teria que fazer correção de temperatura. Se você corta um tubo quente, você está cortando mais curto do que ele realmente é. Então, tem que corrigir, medir a temperatura, fazer a correção e aí vai cortá-lo maior do que realmente precisa, porque na hora da montagem, que ele fica frio, vai estar no tamanho que você quer. Essas coisas a gente foi aprendendo. O controle dimensional era muito rigoroso e você tinha que tomar todos esses cuidados. Quando a gente faz uma solda, por exemplo, a solda encolhe, sofre uma contração, e a gente tinha que medir essa contração para ver o que ia fazer, porque senão a estrutura ficava toda hipertensionada. Era preciso tomar cuidado com a seqüência de montagem e com essas de dimensões.
Era tudo novidade, a gente tinha que ler muita norma estrangeira, ler muitos artigos de estrangeiros, porque aqui não existia. O inglês era fundamental, tudo estava em inglês, e a gente tinha que se virar. Caíamos em cima dos desenhos, olhávamos, pensávamos, perguntávamos e começamos a criar nossos conceitos, os nossos padrões. Depois a Petrobras começou a fazer normas em cima de todo esse conhecimento que foi adquirido e desenvolvido no dia-a-dia. Lá fora, eles têm outros tipos de problema devido à temperatura, devido aos esquemas de trabalho, têm uma série de diferenças. Aqui no Brasil a gente teve que fazer algumas adaptações.
Eu fiquei um ano e pouco na Bahia e acompanhei toda a construção de Garoupa, daí veio o convés, que não acompanhei, e comecei a acompanhar a instalação. Na área de instalação, a gente não sabia como se instalava, ficávamos na mão daqueles contratos das empresas de instalação estrangeiras. Mas percebemos que tínhamos uma vantagem muito grande, porque nós participamos, inicialmente, na gerência também, na forma de contratar, nas discussões de contrato. Então a gente conhecia os contratos, os termos, os deveres, as obrigações de todos. Quando a gente estava na instalação, tínhamos uma vantagem gerencial, porque fazíamos uma fiscalização e sabíamos como o contrato tinha sido elaborado, quais eram os termos do contrato. Tecnicamente, estávamos aprendendo também. Então tinha empresas de certificação que eram contratadas para fazer acompanhamento. O seguro exigia uma certificadora, como se fosse uma empresa que trabalhava junto com a gente, com os mesmos interesses. O nosso interesse era a qualidade, o enfoque principal era a qualidade. Como não sabíamos, então dávamos um valor muito grande para a qualidade. Eu digo a gente, mas não só eu, a Empresa como um todo. Às vezes, até se exagerava nesse aspecto de qualidade devido a essa preocupação com o seu custo e por ser um investimento longo. Não podíamos ter problemas.
Na Bahia, eu estava trabalhando na construção e montagem da plataforma, saí e vim para a instalação no Rio de Janeiro. Instalamos aquela plataforma enquanto as outras já estavam em andamento. Garoupa veio primeiro, depois veio Enchova, Cherne, Cherne I, Cherne II, Namorado I, Namorado II, aí o que a gente fazia depois? Com o grupo de instalação, a gente fazia acompanhamento no canteiro. Nessa fase, era um grupo especial que conduzia toda a Bacia de Campos e a engenharia, o Segen, passou a assumir a fiscalização da construção e montagem. A Engenharia era o Segen, que tratava com as obras, na verdade, a experiência deles era de refinaria. A Petrobras montou várias refinarias. O Segen que gerenciava as obras de construção e montagem das refinarias e também dos terminais de oleoduto, mas as plataformas eram novidade, era a primeira vez que estavam sendo construídas. Havia aquelas plataformas do Nordeste, plataformas-padrão de primeira família, que não tinham tanta tecnologia na construção nem na instalação. Nessas plataformas de grande porte havia tecnologias novas, tinha que fazer várias análises, a engenharia era muito pesada também. Enquanto isso, as empresas no Brasil também foram se adaptando, foram trabalhando junto com as empresas estrangeiras, com as firmas de projeto, e, como a coisa não é tão difícil, foram aprendendo também. Depois as empresas nacionais acabaram fazendo os novos projetos. Depois veio uma outra etapa que foi o Pólo Nordeste, foram mais sete plataformas. Primeiro foram as sete da Bacia de Campos: Garoupa, Enchova, Cherne I, Cherne II, Namorado I, Namorado II e Pampo.
É um trabalho gostoso, interessante, sempre tem novidade. Uma coisa que eu gostava era que todo dia era diferente, sempre tinha uma coisa nova para acontecer. Aconteceu o seguinte: nesse ínterim, a Petrobras achou vários campos até a lâmina d’água dos 170 metros, que foi Namorado II. Depois a Petrobras começou a achar óleo em águas profundas, acima de mil metros, e não houve essa continuidade para uma lâmina d’água mais profunda. A Petrobras partiu para um campo mais flutuante, de semi-sub, de navios. Nos outros países ainda não existia muito esse tipo de solução, por outras razões, leis, não sei o que foi. Então, a Petrobras saiu de lâmina d’água rasa de 100 até quase 200 metros, e partiu para mil metros, não teve no meio do caminho um intermediário. Os outros países tiveram lâminas d’água de 200, 270, quase 300 metros. A minha área sempre foi de plataforma fixa, de sistemas fixos. Então essa parte flutuante de navio, semi-sub, já é outro tipo de trabalho, tem outra tecnologia, é mais com a engenharia naval. Eu fiquei nessa área de sistemas fixos e, hoje, acho que temos 80 e poucas plataformas fixas na Petrobras, todas envolvidas em águas mais rasas, até 170 metros. A maioria é de 15, 20, 30 metros de profundidade. Tem no Ceará, no Rio Grande do Norte, em Sergipe, no Espírito Santo e no Rio de Janeiro, e uma aqui perto de São Paulo, em Santos, que não é da Petrobras.
É difícil ver as diferenças porque, em termos de como fazer, é tudo meio parecido. Tem variações de como se faz e a profundidade não prejudica muito, às vezes até melhora, porque você sai de uma tecnologia para outra. Por exemplo, eu prefiro trabalhar com veículo submarino de controle remoto do que com mergulhador, porque a coisa fica mais planejada e o nível de acerto é melhor, existe menos risco. A gente foi se preparando. A Petrobras teve um programa, chamado Procap 1000, que foi o primeiro, em que foi feito todo um trabalho, uma sinergia, cada um participou, disse o que pensava, como a tecnologia ia se desenvolver, de que forma e para que lado. E, em cima desse trabalho, foram tomadas as ações. A gente partiu para vários segmentos da Petrobras, principalmente o Cenpes, para se capacitar e se desenvolver. Mudou totalmente o conceito: de plataforma fixa passou para o sistema flutuante e sistema submarino. Houve vários programas internacionais de E&P, programas com outras empresas, com institutos no exterior, de desenvolvimento de vários projetos, tipo estaca-sucção, o uso de bate-estaca submarino de profundidade, que não existia. Os bate-estacas que a gente usava, por exemplo, eram a vapor ou diesel. Em águas profundas, não podia mais ser, tinha que usar submarino. Nesse tempo, o mercado internacional também tinha uma tendência, principalmente o Golfo do México, na época. O Mar do Norte não era tão profundo assim. No Golfo do México, as empresas começaram a se adequar a esse tipo de atividade e foram desenvolvidos os martelos submarinos, certos ROVs de potências maiores, com manipuladores que fazem várias atividades. A gente usava só uma câmera submarina em água rasa, porque a intervenção era pequena e era feita com mergulho. Então, o ROV era só para a gente ver o que estava acontecendo lá embaixo e orientar o mergulhador ou era usado ainda um sonar, algum instrumentozinho que pegava um outro tipo de informação. Como a profundidade começou a aumentar e o mergulhador não conseguiu mais acompanhar, porque o mergulho vai até uns 300 metros, mesmo assim com grandes problemas e riscos, começou a se desenvolver equipamentos de controle remoto, que são os ROVs. Nos ROVs, você tem manipuladores que exercem várias atividades e você controla de cima, com joystick, fazendo a operação que você quiser. Então, todo o seu planejamento de atividade é baseado nesses recursos, em que o ROV vai lá e faz coisas como tipo cortar um cabo, soltar um parafuso, arrancar um pino, certas atividades que dá para ele fazer com bastante segurança. Todos os procedimentos e toda a tecnologia foram caminhando para esse lado. TECNOLOGIA PARA O MAR Eu não sei se foi adaptada a tecnologia de terra para o mar, porque isso é um pouco histórico. Eu não saberia falar porque toda a tecnologia era de plataforma de água rasa, são plataformas pequenininhas, tipo aquelas que a gente tinha na Bahia, no campo Dom João, iguais a palafitas. Eram cravados tubos em terra e colocados tanques em cima, equipamentos, uma coisa bem rudimentar, típica do Golfo do México no início. Porém, no Golfo do México, eles têm outro tipo de problemas, que são os furacões. O mar lá é tranqüilo, igual à Baía de Guanabara, mas quando tem furacão eles têm que abandonar a plataforma, quer dizer, o dimensionamento e a preocupação deles é outra. A nossa preocupação, quando a gente passou para águas profundas, foi a fadiga, porque o mar aqui tinha muita solicitação e as estruturas tinham que ser dimensionadas. O problema da fadiga era sério. Os americanos não tinham muito essa preocupação, mas os europeus tinham. O nosso problema quando fomos para o mar aberto foi mais parecido com o do Mar do Norte, era a influência das ondas, a correnteza etc. Isso implica em um tipo de estrutura que resista à fadiga, então esse é o detalhe na construção dessas plataformas. Havia uma preocupação muito grande com a qualidade do material, qualidade da solda, o perfil de solda, tudo isso porque uma estrutura pode ter resistência a esforço, mas pode não ter resistência a fadiga, aí ela colapsa não por causa de esforço excessivo, mas pela constante ação das ondas do mar. Foi uma mudança de tecnologia bastante significativa e, na época, quase todas as estruturas foram projetadas por europeus, da Inglaterra, da França e da Itália, que já tinham essa preocupação. O americano depois que saiu das águas rasas para águas profundas é que passou a ter esse problema de fadiga, mas eu acredito que nem seja um problema muito sério para eles, porque o nível de solicitação é diferente, é de condições extremas, não de condições de ciclo.
O que se desenvolveu muito foram os softwares usados para fazer as análises. No começo, os softwares eram bem mais acanhados, mais simples, agora estão bastante sofisticados, muitos deles dispensam até modelo. Antigamente, você fazia todo o cálculo, fazia toda a simulação e depois usava modelagem – tem gente que ainda faz. A gente usou muito o IPT – Instituto de Pesquisa Tecnológica de São Paulo – para simular os lançamentos das jaquetas, as verticalizações, as docagens. Não havia software, mas havia modelo reduzido. A gente tinha um modelo matemático e um modelo reduzido. Os softwares foram se aprimorando e a maioria dos trabalhos hoje já dispensa a modelagem, porque os softs têm uma boa confiabilidade, digamos assim, têm um histórico bastante extenso. Hoje se faz modelagens de alguns casos específicos, como a gente fez para o lançamento do manifold em águas profundas, porque a gente não sabia como ele ia se comportar. Você faz a modelagem matemática, vê como ele se comporta passando para a água, lançando, descendo. À medida que vai descendo, você verifica como é o comportamento dinâmico dele, porque a embarcação fica balançando. Você faz uma modelagem matemática sobre isso para ver se não vai ter nenhuma surpresa no meio do caminho, como uma ressonância ou os esforços subirem acima do esperado, coisa desse tipo. Tem que verificar qual a influência da correnteza no manifold quando ele está descendo, se não vai rodar, se não vai girar, se ele vai ficar estável. Então, nesses casos, é feita uma modelagem para ver como ele se comporta.
No caso do manifold, a gente acabou fazendo essa modelagem. Fizemos o modelo matemático e o modelo reduzido, que mostrou que o manifold tinha uma tendência a rodar, a se alinhar com certo ângulo para a correnteza. Isso é um problema, porque existe previsão de vento, de direção de onda, mas previsão de correnteza ainda não tem, estamos desenvolvendo modelos para fazer previsão de correnteza também. Nunca se sabe como está a correnteza, você tem que medir, então o que a gente fez? A gente se preparou, levou correntômetro* para medir a correnteza, a direção, e fazer alguma se fosse necessário ou então ficar aguardando condições de tempo devido à correnteza para fazer o serviço, sabendo dos limites, quais seriam os esforços envolvidos para manter uma certa estabilidade e direção. Era mais uma informação que você teria para não executar a operação quando não fosse seguro. No caso, o manifold mostrou que tentava girar para a direção da correnteza e isso não pode acontecer, porque a gente tem que botar ele lá embaixo em uma posição bem precisa. Os manifolds são equipamentos que coletam o óleo dos poços. No desenvolvimento de um campo, dependendo do tipo de formação, você vai explorá-lo com vários poços. Por exemplo, esse campo comporta, digamos assim, seis poços. Quando você bota uma plataforma fixa, você bota os poços todos embaixo, porque a plataforma está lá em cima. Você fura ou completa lá de cima da plataforma, puxa os condutores do poço que está embaixo, em um gabarito de poço, leva para cima, coleta o óleo, joga para os tanques, leva para os separadores, faz todo aquele processo de separação, bombeio etc, e manda o óleo para a terra. Quando são águas profundas, que não é plataforma fixa, existem outros sistemas: você coleta os poços, leva para a plataforma flutuante através de riser ou então você joga tudo para o manifold. Por exemplo, a maioria tem oito poços, então você joga oito poços para o manifold e aquele manifold manda para cima. Os manifolds são equipamentos que concentram um conjunto de válvulas, conexões e desvios com controle e que recebem vários poços e mandam uma linha só para cima. Na verdade, existem duas linhas, uma para mandar pra cima e a outra é para voltar, para fazer limpeza, para atuar, ter o cabo. Você pode instalar vários desses manifolds. Lá na plataforma só sobe uma linha daquele manifold, uma linha de produção, as outras são para controle, então você otimiza. Ao invés de subir oito poços lá para cima, sobe uma linha só e você controla cada poço através do manifold.
O manifold funciona via ROVs. Mas o que a gente fazia? Como a água era profunda, na época, o manifold mais pesado que a gente lançou foi de 420 toneladas. Isso, em 1986, era muito pesado. Instalamos uns cinco ou seis. Depois a gente instalou uns sete manifolds menores. Os dois primeiros, inclusive, foram do Campo de Albacora. Esses manifolds foram de 400 e poucas toneladas, porque tinha outro tipo de concepção, tinha bastante equipamento residente, por isso ele era tão pesado. O que ele precisava? Essas análises todas, ver qual era o problema, como era o primeiro, a gente tinha que tomar mais cuidado para saber o que pode acontecer, para se precaver contra eventuais problemas. Esse projeto foi muito interessante, ousado, a gente usou bastante criatividade, por que qual é o nosso problema aqui no Brasil? O problema é que o mercado não está no Brasil, o mercado principal é nos Estados Unidos, na Europa e agora já passou para o Oriente Médio também. Na época, o Brasil ficava fora do mercado, nós não tínhamos recursos para fazer as coisas, era complicado. A gente tinha que fazer pacotes de trabalho para poder ter esses equipamentos pesados que existiam no exterior. A Petrobras tem a BGL, que é uma balsa guindaste que lança duto e tem um guindaste que pode fazer alguma coisa também. O que a gente fez? A gente adaptou a balsa para fazer um lançamento de manifold. Para isso, a gente teve que mexer, fazer um projeto de um bloco, pois a gente não tinha bloco para aquele número de polias. Qual o problema das águas profundas? O problema das águas profundas é o cabo. Por exemplo, como você vai içar uma peça pesada em que você precisa de polias de 14 cabos? Você vai botar um quilômetro para baixo, são 14 quilômetros de cabo só para descer um. Então, havia o problema do comprimento de cabo e da capacidade dos guinchos. Os guinchos de todas as embarcações no mundo não foram projetados para águas profundas, foram projetados para içar coisas fora da água, não para baixo. Então, quando você bota para baixo, você tem problema de cabo. Não existia cabo suficiente para aquela quantidade de polia, para descer a peça pesada. O que a gente fez? Primeiro: projetar um bloco. Como fazemos o projeto de um bloco? Nós pegamos um bloco que nós tínhamos, que estava na Reduc – Refinaria Duque de Caxias, era um bloco de 600 toneladas, short ton*. Nós precisávamos de 400 e poucas toneladas, quase 500 de capacidade, então mexemos nele, trocamos as polias, botamos o número de polias que a gente queria. E como a gente ia conseguir a quilometragem de cabo que a gente precisava? O guincho é o que existe na balsa e ela tem um guindaste com os guinchos dos cabos, cabo da lança, cabo do bloco um, cabo do bloco dois, cabo do bloco três. A gente precisava de um cabo de um bloco para um bloco bem maior. A gente pegou um guincho de ancoragem – a BGL tem 11 guinchos –, que ficava debaixo do guindaste, trocamos aquele cabo, que era de uma polegada e meia, colocamos cabo de uma polegada e três quartos, igual ao outro bloco. Esse projeto ainda não era Procap, isso já era nossa realidade, com os nossos recursos disponíveis. Então a gente estava usando tudo que a gente podia com a criatividade. O nosso grande desafio era o recurso, porque era muito fácil fazer um serviço desses, pegar uma semi-sub de não sei quantas mil toneladas, com DP - Posicionamento Dinâmico –, a gente fazia logo, não era problema, mas isso custa uma fortuna. A balsa era da Petrobras, o bloco era da Petrobras, o guincho era da Petrobras. Nós usávamos o que tínhamos em mãos. A gente fazia até coisa ousada. A gente pegou o guincho, passou o cabo para cima, mexeu no projeto do guindaste também, botamos polia de desvio. Deste modo, o cabo do guincho ia para cima, passava pelas polias, subia, descia pelo bloco, voltava e ia para o outro guincho. E nós emendamos os cabos, porque não tinha cabo de seis quilômetros, nossos cabos eram de 1.500 metros, dois mil metros no máximo. O cabo que a gente tinha era de 1.700 metros. Pegamos dois cabos e emendamos. Estudamos direitinho como se fazia, fizemos teste, ensaio, uma porção de coisas, e emendamos os cabos para conseguir o bloco. Com esse sistema que a gente fez, o bloco descia 300 metros, mais ou menos. Como é que nós íamos descer dos 300 para os 600 e poucos metros? Fizemos a mesma coisa. Outro ponto também é que nós não tínhamos cabos no Brasil à vontade, a Confab fabrica cabo agora, mas o cabo mais grosso que a gente tinha, de diâmetro maior, era de duas polegadas e meia, não havia cabo mais grosso do que isso. Tinha uns cabos que foram comprados para usar para ancoragem, então pegamos esses cabos de três polegadas e três quartos e fizemos lingada* com eles. Tivemos que pegar cada cabo, cortar, trançar, fazer à mão, costurar, chumbar, testar, para fazer lingadas para içar o manifold. Aí o manifold foi içado, pendurado do lado, foi descido cada pedaço desse, porque o guindaste não podia pegar muito cabo, podia pegar até uns 50, 60 metros de cabo. Nós fomos pegando trechinhos, descemos com dois cabos, emendando, até uns 300 metros, depois de descer os outros 300 e poucos com o bloco que ia até lá embaixo. Isso foi no campo de Albacora. Para conseguir manter o manifold na posição correta, a gente ia direitinho em cima do lugar, não tinha problema. Quando é DGPS – Sistema de Posicionamento Global Via Satélite –, você sabe onde está direitinho. Lá embaixo já tinha feito um levantamento batimétrico de alta resolução, a gente sabia bem a topografia do fundo, já tínhamos escolhido um lugar bem plano e com uma inclinação constante. E o manifold, a sapata dele, já estava prevendo essa inclinação, ou seja, o solo era inclinado e o manifold tinha que ficar acompanhando o solo, ficar nivelado. Então, você não podia errar de posição e nem de orientação, senão ele ia ficar todo fora de nível, ia ter problema com conexão. O que a gente fez para manter o controle do aproamento dele? A gente desceu dois cabos com poita* e, à medida que o manifold ia descendo, a gente ia descendo os guias. Tinha um guia que a gente fazia correção e, com isso, conseguia evitar que o manifold rodasse e fazia com que fosse para onde a gente quisesse, em termos de rotação.
Tudo é documentado, tem todo o procedimento escrito, tudo calculado, as avaliações, as análises, os modelos, todo esse trabalho. A gente também monitorou a descida desse manifold. Fomos acompanhando o desenvolvimento do manifold porque tinha umas dúvidas – sempre tem dúvidas. O pessoal achava que ia haver um problema de oscilação e que as tensões iam subir demais e os cabos não iam resistir. Havia uma série de dúvidas e a gente tinha que se preparar para isso. Então, o que a gente fez? Decidimos monitorar. “Como nós vamos monitorar um equipamento debaixo d’água? Os sensores são todos eletrônicos.” A gente foi adaptando o conhecimento existente. Esse conhecimento estava no IPT – Instituto de Pesquisa Tecnológica de São Paulo – e nós trabalhamos muito com ele desde o começo. O IPT já tinha desenvolvido vários softwares e vários recursos para monitoramento, não só para a Petrobras, como para outro mercado em São Paulo também. Então, a gente foi adaptando tudo para a atender à nossa necessidade: “Como a gente vai fazer?” “Vamos lá, sentamos com eles, conversamos, queremos isso.” E a gente resolveu fazer isso tudo em cima da hora: “Vamos monitorar para saber o que está acontecendo e para aprender” O grupo de pessoas trabalhando nesse projeto não era muito grande, quem trabalhava direto era uns quatro ou cinco engenheiros do EDIHB, mas tinha do Cenpes e do IPT também. Nesse caso, o Cenpes ficou um pouco de fora, a gente trabalhou mais com o IPT porque era um problema operacional. O Cenpes trabalha mais com projetos, com tecnologia, e nós trabalhamos com o lado operacional. A gente trabalha junto com eles porque tem coisas que eles desenvolvem, que eles estão na frente, e tem coisas que nós temos aplicação, então a gente complementa o nosso nível de experiência, a parte operacional, com o desenvolvimento de pesquisa.
O Cenpes trabalhava muito na fase de pesquisa, de programa, em um outro nível de engenharia. O nosso nível de engenharia era mais o nível prático, de experiência, de vivência. Eu acho que isso também foi, digamos, segredo, no sentido de uma coisa que foi positiva e que complementou, houve uma sinergia grande. Claro que tinha sempre problemas de dúvida, gente que não confiava, achava que não ia dar certo, aquele negócio todo, porque era a primeira vez, então tínhamos que nos cercar da forma mais segura possível para garantir. Na época, um manifold desse custava uma fortuna. Eles falavam em 20 milhões de dólares, mas o problema não era nem esse valor, o problema era o programa. Se a gente perdesse, ia atrasar o desenvolvimento de um campo por mais de anos até construir outro e instalar, então tinha uma preocupação muito grande para que não houvesse esse acidente. Era quase tudo feito aqui, mas claro que muitos equipamentos eram importados. Hoje é da mesma maneira. Muita coisa se faz aqui, muita coisa vem de fora, porque não compensa, é uma questão econômica.
Eu acho que o petróleo desenvolveu o país como um todo: a Coppe – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, o IPT – Instituto de Pesquisa Tecnológica de São Paulo –, vieram muitas empresas de fora, houve um desenvolvimento muito grande. Se não houvesse a Bacia de Campos, por exemplo, isso não teria acontecido, não sei como a gente estaria nessa área. Provavelmente, seria só na área naval, não haveria essa puxada que a Petrobras deu, até por uma necessidade. E a Petrobras trabalha muito aqui dentro do Brasil, acho que isso ajudou muito, foi muito importante, deu uma arrancada grande em termos de tecnologia. Eu vejo muita improvisação e criatividade, não no sentido de despreparo, mas no sentido de tentar fazer com os recursos que a gente tem, que a gente dispõe. Sempre tivemos a consciência do risco e procurávamos contingenciar tudo para não ter problema, a gente sempre se cercava. Esse trabalho de monitoramento que a gente fez com o IPT foi, justamente, para aprender o que estava acontecendo e, depois, saber o que acontece nessa hora, porque senão a gente jogava para baixo d’água e não via mais nada. O problema de instalação em águas profundas é que a gente não tem quase registro. Você vai registrar o quê? Não registra quase nada, porque é tudo lá para baixo. O que você tem são algumas imagens de ROVs, que são ruins, algumas fotografias, algumas filmagens de algum evento, mas lá em cima. Lá embaixo você acaba não vendo nada, só nas câmeras de monitoramento.
Recolher