P/1 – Bom, senhor Daniel, eu vou começar a entrevista de novo, vou pedir pro senhor contar o nome completo e a data e lugar do seu nascimento. R – Meu nome completo é Daniel Leandro Gomes. A data de nascimento é 15 de março de 1949. Caruaru, Pernambuco. P/1 – Então o senhor nasceu lá no nordeste? R – Só que de lá não conheço nada. Nunca fui lá e nem me lembro. P/1 – Como é que foi? Quem veio pra cá? R – Meu pai e os meus tios vieram em 52. P/1 – E eles vieram com vocês? R – Não. Vieram sozinhos, sem família. P/1 – Quem veio? R – Antônio Leandro Gomes, meu pai. Pedro Leandro Gomes, João Leandro Gomes, Manoel Leandro Gomes e José Leandro Gomes. Cinco irmãos vieram pra cá do nordeste. P/1 – Por que todos chamam Leandro Gomes? Você sabe? R – São irmãos. P/1 – Mas Leandro é sobrenome? R – É. Leandro é sobrenome. Leandro Gomes é sobrenome. Nome é João Leandro, Manoel Leandro, Antônio Leandro, esse é do meu pai e eu Daniel Leandro, filho. Não é o filho, quer dizer, eu sou filho dele, de um deles. P/1 – Continua todo mundo chamando Leandro Gomes? R – Sim. P/1 – Seu avô chamava Leandro Gomes também? R – Sim. José Leandro Gomes e Cipriano Leandro Gomes que eram irmãos. Eram primos, meu pai e a minha mãe. P/1 – Ah é? R – Eram primos. Naquele tempo tinha aquela facilidade de casar. Eram primos. P/1 – Eles eram primos. Então na verdade era a mesma família. R – Sim. Leandro Gomes. P/1 – O senhor sabe a história da família? Veio de Portugal? R – Não. Portugal, não. Eles são derivados do nordeste mesmo, lá de Pernambuco. Então tinha um sítio, vaca, essas coisas, mas como tinha tempo que dava uma seca em certo lugar, ficava meio seco, o serviço escasseava. Como pai de família ia buscar no sul de Pernambuco, em busca de serviço. Ia carregar vagão de cana,...
Continuar leituraP/1 – Bom, senhor Daniel, eu vou começar a entrevista de novo, vou pedir pro senhor contar o nome completo e a data e lugar do seu nascimento. R – Meu nome completo é Daniel Leandro Gomes. A data de nascimento é 15 de março de 1949. Caruaru, Pernambuco. P/1 – Então o senhor nasceu lá no nordeste? R – Só que de lá não conheço nada. Nunca fui lá e nem me lembro. P/1 – Como é que foi? Quem veio pra cá? R – Meu pai e os meus tios vieram em 52. P/1 – E eles vieram com vocês? R – Não. Vieram sozinhos, sem família. P/1 – Quem veio? R – Antônio Leandro Gomes, meu pai. Pedro Leandro Gomes, João Leandro Gomes, Manoel Leandro Gomes e José Leandro Gomes. Cinco irmãos vieram pra cá do nordeste. P/1 – Por que todos chamam Leandro Gomes? Você sabe? R – São irmãos. P/1 – Mas Leandro é sobrenome? R – É. Leandro é sobrenome. Leandro Gomes é sobrenome. Nome é João Leandro, Manoel Leandro, Antônio Leandro, esse é do meu pai e eu Daniel Leandro, filho. Não é o filho, quer dizer, eu sou filho dele, de um deles. P/1 – Continua todo mundo chamando Leandro Gomes? R – Sim. P/1 – Seu avô chamava Leandro Gomes também? R – Sim. José Leandro Gomes e Cipriano Leandro Gomes que eram irmãos. Eram primos, meu pai e a minha mãe. P/1 – Ah é? R – Eram primos. Naquele tempo tinha aquela facilidade de casar. Eram primos. P/1 – Eles eram primos. Então na verdade era a mesma família. R – Sim. Leandro Gomes. P/1 – O senhor sabe a história da família? Veio de Portugal? R – Não. Portugal, não. Eles são derivados do nordeste mesmo, lá de Pernambuco. Então tinha um sítio, vaca, essas coisas, mas como tinha tempo que dava uma seca em certo lugar, ficava meio seco, o serviço escasseava. Como pai de família ia buscar no sul de Pernambuco, em busca de serviço. Ia carregar vagão de cana, essas coisas, por exemplo. E depois de lá eles, sabendo de São Paulo, vieram pra cá primeiro. Trabalhar em bananal, em bananais aqui e ao vir pra cá, depois, como já estava aqui a família precisou vender o que tinha lá, ou deixou tudo lá e vieram pra cá em busca também de aventuras, de trabalho honesto. E como todos eram trabalhadores, todos tiveram um bom nome aqui, bons trabalhos aqui e tiveram... Tinham sítios depois, que nem meu pai, quando morreu adquiriu sítios. Faleceu já faz quatro anos, mas ficamos com sítio. Os outros também todos tiveram sítios porque o nortista quando não presta, não presta. Mas é muito difícil, mas são sempre trabalhadores. Não desfazendo de outra turma, de outro povo, mas... P/1 - Quer dizer, seu pai trouxe então, depois que chegou, arrumou trabalho, ele trouxe sua mãe? R – Sim. P/1 – Quantos irmãos você já tinha? R – Quatro. P/1 – Vieram os quatro. R – É. Depois dois nasceram aqui, são seis ao todo. P/1 – Aí o senhor nasceu... O senhor veio muito pequenininho aqui e cresceu em Registro. R – Cresci em Cedro, Jupiá. É uma vilazinha aqui do município ao lado. Cresci lá. P/1 – Nessa época que o senhor era criança o seu pai fazia o quê? R – O meu pai, naquele tempo um pouquinho duro ainda, ele trabalhava de diária para uma pessoa de bananal. E enquanto isso nós pequenos, mamãe não perdia tempo, ela cavava cova de rama de mandioca, maniva que fala no nordeste, cavava num sitiozinho pequeno que nós tínhamos e plantava a mandioca enquanto meu pai trabalhava fora. Nós naquele tempo, cinco, seis, sete anos, trabalhávamos também na roça plantando milho, uma mandioca, uma rama de mandioca naquele serviço com uma baciazinha mais leve enquanto um fazia a cova, outro plantava. E quando meu pai que trabalhava lá chegava depois de um ano, de certo tempo que a mandioca produzia ali, ele não precisou mais, não precisamos trabalhar de alugado pra ninguém mais. Por quê? Tem que ter uma técnica pra fazer farinha, fazer mandioca. Por exemplo, se você planta meio alqueire de mandioca por ano, quando acabar aquela mandioca de fazer, se você faz meio alqueire você faz cem quilos de farinha por semana, dois sacos de farinha de 50 quilos. Faz cem quilos de farinha por semana, quando chegar no outro ano aquela mandioca que você plantou em agosto, a outra está boa já de fazer farinha e acabou aquela outra. Então se fizer mais de cem quilos acaba uma e fica sem comer, quer dizer, fica sem a outra produção, mas se fizer cem quilos... P/1 – 50, 50. R – Cem quilos em dois sacos. Então quando chegar no outro ano aquela mandioca que plantou em agosto tá boa de fazer farinha e cada ano plantando em agosto, setembro nunca acaba, sempre vai ter. Se quiser fazer mais, uma produção maior, teria que plantar um alqueire, dois alqueires, mas nosso terreno era pequeno, mas sempre foi... Aí o meu pai saiu do alugado, que trabalhava no aluguel. Alugado dizia, mas era diária, e passou também a plantar a mandioca. Depois tinha um bananalzinho e assim por diante. Depois nunca mais trabalhamos pra ninguém. Sempre... P/1 – Como é que era isso na... Então o senhor se lembra disso na infância. R – Na infância. P/1 – Todo mundo trabalhando, foi plantando mandioca, plantando o que mais? Milho... R – Bom, na mandioca, dentro da própria terra da mandioca pode plantar abóbora, quiabo, tudo nessa... Milho. Planta mandioca, planta o milho. Com três meses o milho já acaba, mas fica aquele adubo até do milho. Então colhe aquele e fica no pé do milho, que tá a própria mandioca, planta um feijão fava ou um feijão que rama no próprio pé de milho, quando o milho acaba tá seco, mas tá dando feijão também. Abóbora tá ali dentro, pode plantar melancia. Então a pessoa não pode plantar é uma coisa só. Quiabo, milho, tinha uma hortazinha, couve, alface, alguma coisa. Batata doce nunca faltou. Cará, inhame nunca faltou porque ele plantava sempre, sabe? P/1 – Quem que plantava, era o seu pai ou a sua mãe que coordenava a plantação? R – Não. Meu pai muito trabalhador, minha mãe também. Já nasceu trabalhando na roça lá no nordeste, entendeu? Então todos os dois, um ajudava o outro. Quando um fazia uma coisa, o outro fazia outra. Não tinha arado, meu pai era tão trabalhador que chegava a noite de lua, ele tava... Ele era forte, ele não se esquecia de canseira, ele só queria saber de trabalhar. Então ele pegava um enxadão, tinha aqueles morros mais altos, então ele arava com aquele enxadão aquelas terras pra ficarem fofas, pra dar uma boa plantação. As terras nossas eram fracas, mas sempre dava, com a ajuda de Deus e o trabalho com afinco do meu pai. P/1 – E vocês, as crianças? Eram homens, eram meninas? Quantos homens, quantas meninas? R – Três homens, três mulheres. Depois nasceram três homens, mais dois filhos, três homens, três mulheres. P/1 – E vocês já acompanhavam o seu pai e a sua mãe? R – Acompanhava o meu pai no trabalho e acompanhava com muito bom gosto e ia também pra escola. Naquele tempo a escola ficava em Cedro, uma escola de nome japonês. Nós tínhamos um gosto, que aquele tempo não é igual hoje que se dá muita liberdade pras crianças fazerem o que querem. Naquele tempo nós trabalhávamos, tínhamos uma roupinha pra ir à escola, mais a diretora e o professor tinha prazer de encontrar a minha mãe pra dar uma notícia que nós éramos os melhores da escola. Nunca faltou um dia na escola, com chuva ou com sol. Andava dois quilômetros pra chegar à escola, nunca faltou e nunca teve nota baixa. Minha mãe tinha prazer... O diretor tinha prazer, o senhor Érico, de encontrar a minha mãe e dizer: “Mas os seus filhos são uma maravilha”. Nós, era assim, tínhamos gosto de trabalhar, porque quem trabalha quando chega a outro setor também quer dar o que tem, ele estuda. P/1 – Mas me conta uma curiosidade, a sua escola tinha nome japonês? R – Não. Depois que ficou esse nome. Era Escola de Cedro, depois um senhor japonês doou um terreno grande pra fazer a escola. Então ele doou um grande terreno pra escola, então vai o nome da pessoa que faz aquela doação com bom gosto. Não só o terreno como ele é patrono da escola. P/1 – Tinha muitos japoneses na sua... R – Tinha. Tinha japoneses. P/1 – Como que era a relação entre vocês assim, os meninos daqui mais brasileiros, os japoneses? Como é que era? O que você se lembra disso? R – A relação era que os japoneses gostavam muito de trabalhar, quando eles encontravam alguém que gostava de trabalhar, ele era amigo de alguém que trabalhava. Porque tinha pessoas que não eram muito chegadas em trabalhar e o nortista gostava de trabalhar. Não desfaziam dos paulistas, de nenhum que estavam em São Paulo e era um bom lugar, mas o nortista gostava muito de trabalhar, os japoneses doavam sementes, às vezes certas plantas, verdura que sobrava: “Leva isso aí”. Eram vários japoneses, então ficaram amigos. Eram amigos da gente, certo? E o filho deles também na escola, como nós íamos tudo muito bem, então eu tinha muita amizade com os japoneses, com nordestinos, com os paulistas, com todos da escola. Lá não tinha briga, se tinha briga não era conosco, porque mamãe, papai era daquela gente que: “Filhos, vocês vieram aqui, nós estamos aqui para sermos pessoas distintas. Se brigar na escola, se você bater na escola você apanha aqui. Se você apanhar na escola você apanha aqui”. P/1 – Vocês apanhavam muito dos seus pais? R – Não. Não porque não tinha necessidade. Nós não tínhamos... P/1 – Mas eles eram bravos? R – Não. Eram pessoas distintas assim que não eram bravos, eram amigos. Mas nós tínhamos aquele ensinamento, até em parte religioso que... P/1 – Vocês iam muito à igreja? R – Ia também à igreja, mas não é só a igreja. Quando vem do berço tem que continuar no berço. Achou alguma coisa, entrega. Não vai chegar em casa pra fazer pesquisa de onde você... Se achou uma borracha, tem que saber de onde veio aquela borracha. “Ah, eu ganhei do....” “Ah, foi? Vou ver se é verdade, que é amigo meu.” “Não, mãe, acontece o seguinte: ele é uma pessoa rica e ele é meu amigo. Então quando o lápis fica pequenininho assim, ele dá para mim”. A borracha desgastava um pouco ele dava pra mim porque ele tinha mais, ele tinha nova. Então ele dava, a mamãe queria saber se realmente eu tinha ganhado ou eu tinha conseguido de outra maneira. Ela sempre sabia que a gente sempre tinha ganhado pelas amizades. Então gostoso de aprender e foi crescendo naquele sentido, naquele pensamento. P/1 – E aí o senhor crescendo, crescendo nisso, como é que foi que o senhor se tornou fotógrafo? R – Tinha um senhor que eu tenho até hoje se é vivo, Paulo Álvares de Oliveira, Paulo fotógrafo de Cedro lá. Então naquele tempo nas praias começou tal de monoclinho. Monoclinho, foto desses monoclinhos de plástico enxerga um slide, que é um slide que coloca dentro daquele tubinho de plástico e que se enxerga. Então como naquele tempo tinha muita foto branca e preta, apareceu nas praias esse tal de monoclinho... P/1 – Pra vender. R – Pra vender. Alguns fotógrafos que eram amigos da igreja começaram a tirar lá em Praia Grande e em contato com um e outro esse Paulo aprendeu essa arte de tirar foto de monoclinho, então ia nessas festas. E ele passou pra nós através de uma amizade, através também de algum cachê, passou pra eu fazer esse serviço. P/1 – Quantos anos você tinha? R – Eu tinha 18 anos esse tempo. Então eu comecei a tirar fotos de monoclinho. Tirava em Juquiá, na rua e tirava aqui em Registro, vinha pra cá nesse tempo. Um dia eu tirava em Juquiá outro dia em Registro. Mas depois eu vi que Juquiá era um lugar pequeno e, eu gostando de Registro também, vi que a cidade de Registro cresceria mais, tempo de José de Carvalho, dona Elza, que eram prefeitos aqui. Então era uma maravilha, uma beleza. Então eu passei a tirar e revelar em casa mesmo, sabe? Revelava perfeito. P/1 – Você aprendeu com quem? R – Com esse Paulo. Paulo de Oliveira. P/1 – E a máquina? Qual era a sua máquina? R – Olympus Pen. P/1 – O senhor comprou a máquina? R – A máquina Olympus Pen é uma máquina japonesa, que tem Olympus Trip, hoje é a Olympus OM1, OM10 que também já caiu da linha, porque agora só dá digital. Mas antes a Olympus Pen era uma maquinazinha pequenininha, dá meio quadro de um filme, chama-se ektachrome, fujichrome, então que ele é positivo. Nesse filme você revelava com sete químicos, ali levava aquelas águas com 22 graus, levava gelo. A gente fazia uma festa aqui, ia tirar foto, lá em Festa de Reis, eu ia tirar foto lá. Tinha uma quermesse na igreja católica, às vezes eu ia lá, levava meus ingredientes lá, parapapa, revelava a foto, entregava na hora em Pariquera, às vezes em Sete Barras, em Cajati, cidades crescentes. Então chegava a Registro, tirava aquelas fotos e fazia fila pra tirar foto com a gente, de tão gostoso que era. Aquelas fotos saiam original, aquela máquina você tinha que aprender a fotografar não através de fotômetro, através de... Por exemplo, no sol vinha na caixinha escrito, no sol você coloca 250 com 22 de abertura, de diafragma. Ou depois na sombra você coloca oito de diafragma com 125 de abertura. E assim a gente foi gravando, foi coisando, hoje em dia pra eu tirar uma foto, se eu preciso tirar uma foto sem flash eu sei tirar hoje, porque eu tenho 40 anos de profissão. Ou qualquer outra coisa, abaixo a asa do filme ou levanto a asa do filme pra fazer. Hoje em dia a turma tá cheia de fotógrafo aí. Eles fazem o que a máquina faz, mas eu não tenho que fazer o que a máquina faz. Eu tenho que dominar minha profissão, tenho que dominar o que eu vou fazer. Eu tenho a máquina aqui que ela faz muita coisa pelo automático, tanta coisa pela program, mas eu tenho que fazer o que eu quero. P/1 – Mas me explica assim, então o senhor ia aos lugares, nas praças... R – Nas praças. P/1 – Quais eram os lugares que se tirava mais fotos? R – Esta praça. P/1 – Esta praça R – Porque tinha uma fonte... P/1 – Como ela chama, esta praça? R – Esta praça aqui é a Praça dos Expedicionários. P/1 – E aqui o que tinha nesse momento? R – Sempre teve uma fonte luminosa. Não esta. Outra e saía aquela água com aquelas lâmpadas coloridas e o povo vinha aqui passear à noite, de dia trazia as crianças, todo mundo vinha aqui, pessoas assim... Não sujavam a praça também, não. Então vinham aqui casais de namorados e tiravam fotos à vontade. Depois eu pegava o endereço deles e ia entregar nas casas. P/1 – Quanto custava um monoclinho? R – 50 centavos. Depois passou a ser um real. Naquele tempo tinha um amigo meu que fez uma casa de uns dez cômodos ou mais, tudo com foto de monoclinho porque ele, Hamilton de Souza, ele morreu, muito amigo também, cunhado do Paulo. Então era muito jeitoso. Jeitoso. Então ele chegava pra tirar foto, ele tirava a foto e depois de tirar a foto de um, de outro, de outro, depois eu: “Hamilton, como é que eu tirei dez fotos, você tirou 20?” “A gente não quer mas o povo insiste”. Ele era muito modesto, sabe? Ele tinha muito carisma pra lidar com o povo. Ele não forçava, mas ele andava com uma bolsinha fraquinha, meio coisada do lado, com aquele pescoço meio assim, mas era muito jeitoso, fotografava mesmo. Muito gostoso de lidar com ele. P/1 – E o seu trabalho? Como é que o senhor abordava as pessoas pra tirar, ou o pessoal já te conhecia? Como é que funcionava? R – Não. A gente depois ficou conhecido muito na cidade, porque quando tirava de um, tirava de outro. Mas geralmente a gente batia na casa e tirava foto. Até de casamento tirava foto de monoclinho. Fotografa monóculo. E tinha um detalhe que hoje não faz, eu não gostava de fazer. Chegava dia de finado o meu amigo Paulo ia ao cemitério, tirava foto das catatumbas do povo todo da catacumba, revelava e entregava depois. Ia em casa, almoçava, revelava a foto, voltava pra entregar. Eu não gostava de fazer isso, mas a turma gostava de quando morria uma pessoa, eles chamavam pra tirar foto de monóculo. E pegava e saia com aquelas fotos de monóculo mostrando a pessoa naquele caixão todo colorido de florzinha. Eu não gostava de fazer essa aí, mas era um pedido. E fiz também várias coisas assim. Hoje não se faz mais. Não se tira foto de morto. Se você pega uma foto de um morto que estava vivo antes e faz a reprodução e tal, a turma até faz. Mas ainda bem que parou essa parte de fotografar morto que isso é pra criminalista lá polícia, que é um documento que precisa, é uma necessidade. Mas hoje não tem mais por lembrança você estar com a pessoa no caixão, fotografar gente morta. P/1 – Então na época o que pegava muito era foto de morto, foto de casamento, quais eram mais as oportunidades? R – As oportunidades eram mais eram namorados também. Casais de namorados. E também não existiam drogas aquele tempo. Tatuagem, perdoe-me se tem alguém, mas antigamente se tivesse uma tatuagem já: “Olha. Olha esse cara aí. Esse cara aí já vem de Santos. É um problema”. A polícia chega lá, o investigava, se fosse mais ou menos ficava, se não fosse ó, não tinha malandro, não. P/1 – Vinha de Santos. R – Vinha. Tinha amigos de Santos... Não todo lugar. Não é desfazendo de Santos, é que no lugar que eu morava tinha umas famílias de Santos e vinham uns caras cheios de tatuagem. Era manjado lá, ninguém dava muito... Só sabia que ele era gente mais ou menos porque era filho daquela pessoa que era gente boa, mas ele não tinha muito papo com o povo daqui porque achava: “Esse cara é um perigoso porque veio de Santos. E olha. Olha o braço dele, olha a vida dele”. Tatuagem não existia aqui. Perdoem-me as pessoas que verão este filme, mas isto aqui lá era uma marca como uma marca negativa. Agora tá em todo lugar, é uma pena que está aí, mas ainda não vejo com bons olhos isso aí. P/1 – Vamos voltar então. R – Ah, no seu serviço. P/1 – As fotos do dia da morte, as fotos de namorado, que outras oportunidades o pessoal da cidade gostava de tirar foto? R – Desfile na cidade. Até hoje ainda faço, mas desfile na cidade, quando dava desfile de Sete de Setembro, de aniversário da cidade, a gente tinha que levar muito material, filme para fotografar mais do que convinha, mais do que você esperava. E eles compravam, compravam com muita boa vontade mesmo, porque era uma lembrança gostosa e andava sempre com vontade de ser fotografado pra mostrar pra outros parentes. E posso contar uma história de um fotógrafo que é amigo meu, que vai ser gostosa de ouvir. Foi numa festa, ele chegou às festas fotografando várias pessoas, chegou um cara lá de chapelão muito metido a fazendeiro. A fazendeiro, não. Metido àqueles caras assim como se fosse um cowboy do sítio. Mas ele chegou, olhou pro cara, o cara falou: “Tá fotografando. Tira umas fotos minha aí”. Aí ele pegou, olhou pro cara, desconfiou: “Esse cara é caipirão, eu não vou fotografar, não”. Pegou o flash e pá, pá, pá. “Tira mais. Tira mais”. Tirou várias. Tirou várias fotos. “Tira mais”. Quando ele tirou as fotos, ele chegou o cara falou assim pra ele: “Escuta, quanto que são as fotos?” “São 50 reais”. O cara passou a mão no bolso, um pacote muito grande de dinheiro, arrancou 50 reais. Não eram 50 reais, eram 50 cruzeiros naquele tempo. E pagou o cara: “Então vou pagar adiantado”. E o cara disse: “O que eu faço?” o fotógrafo “Eu não tirei foto do cara, eu bati só o flash porque eu achei que ele não pagava. O que eu vou fazer?” Aí ele disse: “Escuta, mas o senhor quer a foto branca e preta ou a cores?”. Ele disse: “Eu quero a cores, porque eu to bonito, como é que eu vou querer uma foto branca e preta?” “Então muito bem. Então o senhor fica aí mesmo que eu vou dar cor na foto agora, porque eu tirei no branco e preto, eu vou dar cor na foto”. Aí colocou o filme na máquina e fotografou tudo de novo. Já tinha recebido adiantado, deu tudo certinho. P/1 – Quem era esse cara? R – Esse cara era Nelson. Nelson é muito conhecido até hoje. Nelson da Dinah. A Dinah também era mulher dele, era da Praia Grande. Era amigo nosso porque nós tínhamos uma igreja que era da igreja dele e era muito amigo. Eu conhecia e ele é que fotografou esse caipira. Entendeu? Esta fase. Então ele contava essa história como fotógrafo. Agora, aqui eu tive muitas histórias. Histórias aqui eu mesmo... P/1 – Qual foi assim que o senhor lembra sempre que foi muito importante? Veja se o senhor tem alguma. R – Tenho várias, mas eu tenho que ter uma seleção de fotos, que eu tirei uma foto numa vila aqui na frente. Eu tirei uma foto na Vila São Francisco, corredor da dona Nair, muito conhecida, que está viva até hoje, o esposo dela mora ali na frente, tem aqui nessa primeira esquina que tem uma relojoaria. Então eu tirei uma foto nesse corredor de uma pessoa, um casal e um filho muito bonitinho e chegou e falei: “Venha trazer quarta-feira.” “Pode trazer. Deixa aí”. Cheguei na quarta-feira, fui levar as fotos lá tudo certinho, quando eu fui levar aí a turma disse: “Não tá aqui. Ele não tá aqui. Não tá aqui. Mas você vai lá na pedreira e leva na rua tal” eu não quero dizer a rua “Leve lá que é lá que você entrega”. Eu olhei assim e falei: “Tá bom”. Como eu precisava de dinheiro eu fui lá, entreguei. Quando eu cheguei na casa eu bati palma, saiu uma senhora eu falei: “Ah, mas eu acho que houve um engano. Não é aqui esta foto”. Ela falou: “Eu acho que é aqui sim. O que foi? Fotografia?” “É.” “Pode deixar aqui.” “Mas não é a senhora.” “Não tem problema, moço. Pode deixar a foto aqui. Deixa-me ver”. Olhou a foto, mudou de cor, falou assim: “Você pode passar amanhã pra receber essa fotografia?” “Passo”. Um dia a mais, um dia a menos. “Você deixa aqui”. No outro dia eu voltei tava um senhor junto com ela, queria me bater de todo jeito porque disse que eu tinha estragado a família. Ele tinha a esposa dele que era a original lá, tendo esta outra, quer dizer, uma pessoa que era colega dele com um filho com ela e a esposa querendo saber direito, achou que eram as fotos lá, realmente eram e dizia: “Você não vai bater no fotógrafo, não, porque ele fez o trabalho dele. Você que não presta. Portanto eu quero o divórcio. Eu já queria uma prova, aqui tá a prova e você paga o rapaz e o rapaz vai embora. Aqui não bate em ninguém aqui porque você que não presta”. Eu fiquei com medo do rapaz, de apanhar, realmente fiquei porque ia apanhar, eu tava vendo que a família tava desfazendo. Eu era culpado, mas ele era em parte culpado e o culpado foram os vizinhos que mandaram levar lá. Mas eu me livrei dessa aí e de muitas outras de eu ter me ajudado, que tem muitas coisas assim. Mas é uma coisa meio complicada porque foto, hoje em dia quando eu tiro a foto eu coloco no envelope, levo, quando eu vejo que é alguma coisa eu tenho mais prudência. Pode tirar e: “Oi. As fotos estão aí?” “Não”. Eu entrego para a pessoa certinha porque às vezes é alguma coisa que compromete. Então eu quero amizade com todos. Hoje em dia, com a graça de Deus, ainda estou vivendo pela graça de Deus, pela fé, porque todo mundo tem máquina digital, todo mundo tem máquina. Uma parte de hoje, que eu quero dizer, a turma encontrou um rapaz meu amigo aposentado na pedreira ali embaixo, chegou: “Daniel” parou um carrão “Escuta, como é que você tá vivendo no dia de hoje?” quase um deboche “Porque do jeito que tá indo acho que você tá passando fome. Como é que você tá vivendo?”. Eu falei: “Você tá enganado. Você conhece um ferro velho que tem ali na Vila Nova? Não é difícil receber dinheiro de certa parte? O cara acabou de me pagar 80 reais de um serviço que mandou fazer agora. Pela graça de Deus eu to andando, o cara me chama pra tirar foto, tirou e me pagou. Você conhece o Daniel, mas não conhece o Deus do Daniel que é muito grande, não deixa faltar nada. Portanto eu não falto nada, eu to melhor do que eu mereço”. Ele pegou o carro e saiu correndo, porque ele queria fofoca, ele queria saber se eu tava passando fome, não pra me ajudar, porque ele tava é bem de vida. Então muita gente às vezes quer ver sabe o quê? Quer ver que você está numa coisa pra dizer: “Tá vendo? Fulano tá morrendo”. Não. Ninguém morre de fome. Quem trabalha com honestidade Deus abençoa. P/1 – Mas, senhor Daniel, a vida ficou mais difícil com tanta máquina digital? Ficou mais complicado? R – Em parte sim. Mas dependendo do trabalho que você faz honestamente... P/1 – Mas o tipo do trabalho mudou? O que o senhor fotografa mais agora, por exemplo? R – Muito. Igreja. Igreja católica sempre tiro boas fotos. Igrejas crentes, batizados, festas religiosas e casais também, mas eu não vou dizer que diminuiu, mas a gente tem que ter prudência e não gastar mais do que ganha. Porque se a gente for assim pensar muito alto sendo que eu ganho pequeno, ele pode ficar em dificuldade. Encontrei um amigo meu e disse: “Você tá precisando de dinheiro emprestado? Quem é que tá emprestando dinheiro?” “Você tá vendo aquela senhora que ganha um salário? Um salário de 500...” Não. Era de 400 e poucos reais: “Ela tem dinheiro pra emprestar a juros, porque tá muito fraca a poupança e se você quiser ela empresta.” “Ela ainda tem dinheiro na Caixa e tá dando muito pouco, empresta se alguém quiser” pra gente boa. Por que ela emprestava se ganhava tão pouco? Porque ela tinha muita prudência, ela só gastava aquilo. Suponhamos: se ela ganhava 400 ela gastava 300 e guardava cem. Uma pessoa prudente. Com tão pouco. Então esse deve ser nosso ritmo. P/1 – E é assim que o senhor fazia? R – Fazer aquilo que pode, não aquilo que... P/ 1- O senhor construiu uma casa com a fotografia, tudo isso? R – Eu casei, tive filhos, criei filhos tudo bem criado. Hoje em dia tem família, outra família e vivo bem com a... P/1 – Então o senhor se casou, separou e arrumou outra família? R – É. Tive outra família que to vivendo até hoje, certo? P/1 – Quantos filhos o senhor tem? R – Tenho três filhas. P/1 – Da primeira mulher? R – Quer dizer, moram em Santos. Todas trabalham, formadas, têm apartamento. Todas vivem, com a graça de Deus, de vez em quando vêm na minha mãe, eu as vejo e tal. Agora eu vivo aqui, eles sabem que eu vivo aqui, eu sei que elas vivem lá em São Vicente e tudo... P/1 – E agora qual que é o seu maior sonho? R – Meu maior sonho? Um dos sonhos... O meu maior sonho é o seguinte: é ver esse povo de Registro vendo uma história de uma pessoa que trabalhou honestamente, até hoje tem o pão de cada dia, mesmo difícil, deixando muitas coisas fáceis que tem por aí, principalmente droga, e ingressando numa vida bonita, uma vida limpa, uma vida que nesta praça está faltando. Muitas vezes lâmpadas quebradas, pichados certos monumentos, tantas coisas que não tinha antes, vendo nessa vida descente que tinha não só eu como muitos daqui, como muitos vários daqui. Vivendo com um sonho de ver uma cidade mais limpa, mais progressiva, mais honesta, de gente confiar no outro, de ter vontade de ajudar a pessoa. Você quer trabalhar? Quer ser um fotógrafo? Você não vai morrer de fome se você trabalhar bem. Você quer ser um lavrador ou mesmo um cara que limpa a rua? Faça o serviço direito, nunca vai faltar serviço pra você. Pessoas que tenham vontade de trabalhar, não vontade de obter o salário porque primeiro pra obter o salário tem que ser capacitado pra ganhar aquele salário e hoje em dia não tem mais capacitação. Faltam pessoas capacitadas. Sai da escola e vai pichar um poste. Sai de uma faculdade, vai fazer outras coisas que não convém. P/1 – Então seu sonho é Registro melhor? R – Registro melhor. E turismo aqui. Que tenha turismo. Tragam pessoas pra ver Registro bonito. Um exemplo aqui, os japoneses fazem um serviço bonito aqui também, que é uma cidade japonesa. E muitos outros que vieram aqui com vontade de trabalhar. Ajudar essas pessoas, como muitas equipes que ajudam essas pessoas que estão na baixa para que possam ter vontade de levantar Registro, e chegar lá numa mídia que hoje tem no mundo inteiro quando vai pela internet. Aqui é Registro, uma cidade modelo. Como muitas vezes falam de Curitiba uma cidade modelo, falam de outros lugares, uma cidade pequena modelo, uma capital modelo, um município modelo. Que aqui seja um lugar modelo, modelo dessas coisas. Esse é meu sonho em ver isso aqui. Gente trabalhando, gente com vontade, sorrindo pro outro e dizendo: “Vou te ajudar”. P/1 – Tá ótimo. R – Vou te ajudar. Quando um pegar um pedaço de papel assim: “Moço, moça, aqui caiu do seu bolso um negócio aqui”. Ele voltar, pegar e colocar numa lata de lixo. P/1 – Tá bom, senhor Daniel. R – E as crianças vendo isso vão fazer igual, mas se comer uma banana e jogar a casca lá, uma criança vê, ele vai fazer pior, porque é um mau exemplo. Que peguem os bons exemplos desses antigos que fizeram muitas dessas boas coisas, estão vivendo e querendo melhorar netos ou pessoas que estão nascendo, crescendo. Esquecer-se dessas porcarias de droga. Que bom de falar com vocês nesse sentido. Fiquei muito contente. Eu não sabia o que eu ia falar, mas Deus me deu essa graça, eu quero que sirva de exemplo pra outros e vivam muito bem, com a graça de Deus. Muitos amigos, e vocês são um deles.
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