P/1 – Bom dia, dona Celanira.
R – Bom dia.
P/1 – Está nervosa?
R – Não.
P/1 – A senhora pode olhar para mim...
R – Tá bom.
P/1 –... Esquece que o André está aqui gravando, faz de conta que eu estou na sua sala. A gente costuma começar, pedindo para que as pessoas se apresentem, então, eu gostaria que a senhora dissesse o seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R – Eu me chamo...
P/1 – Isso, meu nome é...
R – Meu nome é Celanira Pires Lima, nascida em São Luiz Gonzaga, no Rio Grande do Sul, em 1932.
P/1 – Rio Grande do Sul. Então, esse friozinho que está hoje aqui...
R – Nem está incomodando.
P/1 –... Não está incomodando. Seus pais nasceram também em São Luiz Gonzaga?
R – Não, eles nasceram em São Borja.
P/1 – São Borja fica...
R – No Rio Grande do Sul, bem lá em baixo.
P/1 – Lá perto da fronteira?
R – Na fronteira mesmo, isso aí.
P/1 – Então, a senhora é filha de gaúchos da fronteira?
R – De gaúchos da fronteira, isso aí.
P/1 – E por que eles foram viver em São Luiz Gonzaga?
R – Ah, meu pai mudou... Porque de fato meu pai nasceu em São Borja, minha mãe, mas eles foram morar lá perto de São Luiz Gonzaga, por isso que eu nasci lá.
P/1 – E como que eles se chamavam? Seu pai, e sua mãe?
R – Meu pai chamava Izildoro Pires, e a minha mãe Maria Janciana Correa.
P/1 – E o que eles faziam?
R – Agricultor. La num sítio que nós fomos criados.
P/1 – E eles plantavam o que lá?
R – Tudo. Arroz, feijão, milho, toda essa...
P/1 – Mas plantavam para consumo próprio, ou para vender?
R – Para vender. E criavam suínos, galinhas, tudo que tem em sítio, que é criado.
P/1 – Como foi a infância da senhora nesse sítio?
R – Muito trabalho. Sabe como é? As crianças de primeiro começavam cedo. Aliás, tinham que ajudar a...
Continuar leituraP/1 – Bom dia, dona Celanira.
R – Bom dia.
P/1 – Está nervosa?
R – Não.
P/1 – A senhora pode olhar para mim...
R – Tá bom.
P/1 –... Esquece que o André está aqui gravando, faz de conta que eu estou na sua sala. A gente costuma começar, pedindo para que as pessoas se apresentem, então, eu gostaria que a senhora dissesse o seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R – Eu me chamo...
P/1 – Isso, meu nome é...
R – Meu nome é Celanira Pires Lima, nascida em São Luiz Gonzaga, no Rio Grande do Sul, em 1932.
P/1 – Rio Grande do Sul. Então, esse friozinho que está hoje aqui...
R – Nem está incomodando.
P/1 –... Não está incomodando. Seus pais nasceram também em São Luiz Gonzaga?
R – Não, eles nasceram em São Borja.
P/1 – São Borja fica...
R – No Rio Grande do Sul, bem lá em baixo.
P/1 – Lá perto da fronteira?
R – Na fronteira mesmo, isso aí.
P/1 – Então, a senhora é filha de gaúchos da fronteira?
R – De gaúchos da fronteira, isso aí.
P/1 – E por que eles foram viver em São Luiz Gonzaga?
R – Ah, meu pai mudou... Porque de fato meu pai nasceu em São Borja, minha mãe, mas eles foram morar lá perto de São Luiz Gonzaga, por isso que eu nasci lá.
P/1 – E como que eles se chamavam? Seu pai, e sua mãe?
R – Meu pai chamava Izildoro Pires, e a minha mãe Maria Janciana Correa.
P/1 – E o que eles faziam?
R – Agricultor. La num sítio que nós fomos criados.
P/1 – E eles plantavam o que lá?
R – Tudo. Arroz, feijão, milho, toda essa...
P/1 – Mas plantavam para consumo próprio, ou para vender?
R – Para vender. E criavam suínos, galinhas, tudo que tem em sítio, que é criado.
P/1 – Como foi a infância da senhora nesse sítio?
R – Muito trabalho. Sabe como é? As crianças de primeiro começavam cedo. Aliás, tinham que ajudar a cuidar das criações lá. E lá é muito frio, então, no inverno tinha que guardar as coisas, mantimento pra alimentação, pros animais. Então, meu pai colhia muita abóbora, mandioca. Essas coisas todas tinham que ser colhidas, e tampava lá nos barracões pra geada porque lá naquele tempo... Agora não, né? Porque o clima lá também mudou muito. Mas naquele tempo a geada matava tudo, queimava as abóboras, essas coisas que eram alimento da criação, né? Então, a gente carregava aquilo, levava tudo pro... Todo mundo lá... Eu acho que eu tinha uns cinco anos, mas tinha que ir todo mundo...
P/1 – Ajudar a família inteira.
R –... É, ajudar a família inteira. Eu sou a mais velha da turma, né? As minhas outras irmãs eram todas pequenas. Depois a minha mãe faleceu, e nós ficamos... Eu tinha 14 anos, e tinha minha irmãzinha com... Eu acho que ela deveria ter um ano e meio, era bem neném ainda. E nós éramos em sete. Porque, meu pai era viúvo quando casou com a minha mãe. A minha mãe casou muito nova, ela casou-se com 15 anos. E meu pai tinha 50. Ele era um homem muito forte. Então, como eu era a mais velha, depois nasceu as outras, pois eu só tenho um irmão homem, e seis irmãs.
P/1 – A mãe da senhora tinha 15 anos quando casou?
R – Quando casou, é.
P/1 – Dona Celanira, voltando um pouco essa história, a mãe da senhora tinha 15 anos quando...
R – Casou.
P/1 – Com seu pai que tinha 50?
R – Tinha 50.
P/1 – E quantos anos a sua mãe tinha, quando a senhora nasceu?
R – Dezesseis, pra 17.
P/1 – Uma diferença, né?
R – Uma diferença. Minha mãe morreu muito nova, morreu com 36 anos. Aí, nós ficamos tudo pequenas, né? Eu era a mais velha, eu fui a mãezona deles, das minhas irmãs e tudo. Foi muito difícil. Depois de uns anos, meu pai morreu também, e nós ficamos na casa de uma tia minha, que era irmã única do meu pai. Era só ele e essa irmã. Nós fiquemos com ela, fiquemos uns bons anos lá com ela. Depois nós viemos... Eu fui trabalhar, né? Eu fui trabalhar muito nova, mas fui trabalhar. O meu pai, ele era viúvo quando casou com a minha mãe, então, ele tinha filhos mais velhos que a minha mãe, muito mais, casados e tudo. Aí, quando meu pai faleceu, duas das minhas irmãs mais novas, uma tinha uns cinco anos, a mais nova, e outra... Nós temos muito pouca diferença...
P/1 – Entre um filho e outro.
R – ... Entre um filho e outro. Aí, as duas mais novas ficaram com o meu irmão, que era meu padrinho, que era do primeiro casamento. E nós, ficamos... As outras ficaram com a minha tia, que já era bem de idade. Depois eu tinha uma irmã, do primeiro casamento do meu pai que morava em Porto Alegre, que era casada e morava lá. Então, ela chamou a gente pra ir pra lá, porque tinha mais possibilidades das minhas irmãs estudarem, e tudo. Aí, eu fui. Eu fui a primeira que foi. Quando eu fui trabalhar lá, nesse tempo eu já estava com uns 18, 19 anos, fiquei lá com a minha irmã em Porto Alegre. Arrumei um trabalho e eu fui trazendo as minhas irmãs. Trazendo, arrumando lá, aí vieram todas para Porto Alegre.
P/1 – E a senhora montou casa?
R – Aham. Nós alugamos uma casa lá, e as minhas irmãs vieram. essa minha irmã por parte de pai, do primeiro casamento do meu pai, ela era muito amigona assim, né? E naquele tempo não era tão difícil, sabe? A família era mais unida, tinha mais respeito. Nossa, eu tinha um respeito com a minha tia, primeiro era assim, a gente... Não é como hoje, mas é como eu digo, os tempos mudaram, nem poderia, nem... Eu trouxe minhas irmãs. Vieram todas pra cá. Eu acho que veio uma com uns 10, 12, era tudo assim, umas ‘meninotazinhas’, né? E meu irmão, que era o único irmão homem que tinha na família da minha mãe, dos filhos da minha mãe, ficou com o padrinho em Santo Ângelo, pra estudar. Ficou moço lá, serviu o exercito tudo, e mora lá até agora, casou e tudo.
P/1 – E a senhora ia visitar ele em Santo Ângelo?
R – Não. É longe... Não tem assim... A gente fica esparramado, cada um... Mas agora as minhas irmãs, elas todas vieram para Porto Alegre, e todas casaram lá, graças a Deus, estão todas bem, os filhos já estão formados, e a gente vai tocando a vida, né? Nós somos muito unidas, nossa! Quando eu vou pra lá, pergunta pra Heloisa, é uma festa porque as minhas irmãs, elas me consideram... Eu sou a mãe, né? E elas sempre me ouviram muito. Mas é como eu digo, naquele tempo era muito melhor, porque a gente teve... Apesar de morar num sítio, bem no interior mesmo, a gente tinha muito respeito pelas coisas de lá, muito respeito pela aquela orientação que a gente recebeu dos pais, apesar de que a gente ficou sozinha todas novas, tudo antes de...
P/1 – Da maioridade, né?
R – Todas nós. Mas, graças a Deus, as minhas irmãs... Depois as minhas irmãs casaram, elas casaram cedo também. Elas casaram e... Casaram três, e eu era noiva, naquele tempo a gente noivava, e ficava noiva um tempão, eu fiquei acho que uns cinco anos noiva, porque as minhas irmãs iam casar primeiro, que elas eram mais novas, e eu era a mãezona lá. Então, as minhas irmãs casaram, e depois quando eu me casei tinham duas solteiras ainda, não a mais nova... Era a mais nova, e depois a outra, aí, a quarta... Eu me casei e ela veio morar comigo, ela casou na minha casa também. Duas casaram na minha casa. E foi um casamento muito bonito. Aí, nós morávamos em Porto Alegre.
P/1 – Casamento bonito o da senhora?
R – Olha, o meu não foi... Nós casamos na igreja, na missa das sete e meia da manhã e não fizemos festa, não fizemos nada, porque não tinha condições, né? E o meu marido trabalhava na Varig, ele lecionava na Varig pra... Para os técnicos, para os comandantes, então ele era... Depois precisaram dele aqui em São Paulo, ele trabalhou na Varig lá, eu acho que já estava há uns 17 anos. Aí a Varig precisou dele em São Paulo, ele veio. E a gente não queria vir porque gaúcho é meio garrado na sua terra, eles não saem assim. Mas aí, ele... Como o setor dele mudou pra cá, daí ele veio, ficou aqui acho que... Ele veio em novembro, ficou novembro, dezembro, e janeiro, aí em fevereiro... Aí ele arrumou escola para as crianças aqui que eram a Heloisa, e o Paulo, arrumou escola e tudo...
P/1 – Mas quando a senhora veio para São Paulo, a senhora já tinha filhos?
R – Já. A Heloisa tinha uns nove anos e o Luiz Paulo tinha onze.
P/1 – Mas antes da senhora vir para São Paulo, como a senhora conheceu o seu marido?
R – É que a gente era vizinho.
P/1 – Assim fácil.
R – (risos) De primeiro era mais fácil, hoje que está mais difícil.
P/1 – Eu olho para os lados e não acho nem um vizinho para casar comigo. (risos).
R – Eu não acredito não. Porque ele estudava, e eu trabalhava, e a gente sempre... Era vizinho, a gente viajava junto, né? A gente se conheceu muito tempo, aí, nós casamos.
P/1 – E a senhora namorou durante cinco anos?
R – Cinco anos.
P/1 – E como é o nome dele?
R – Mário da Silva Lima.
P/1 – E ele era muito mais velho que a senhora também ou não?
R – Não.
P/1 – Da mesma geração?
R – Da mesma geração.
P/1 – E a senhora nessa vida de trabalho, também tinha um pouco de lazer, não tinha? Como a senhora se divertia?
R – Nem tinha quase. Nem tinha. Depois que... Como o meu marido ele era muito... Como eu vou dizer... Ele gostava de bons filmes, de bom teatro...
P/1 – Muito culto...
R – É. Aí, eu era... Era onde eu sempre o acompanhava, onde ele estava. Mas, é isso aí. Pois depois que a gente veio pra São Paulo, nós moramos 12 anos ali perto do aeroporto de Congonhas, porque ele trabalhava no aeroporto, e... Mas quando ele veio pra cá, que a Varig precisou dele aqui, quer dizer, as crianças estavam terminando o ano lá, então, não dava pra vir, mas em seguida eles arrumaram um sobrado ali perto do aeroporto, ele veio, depois a Varig mandou buscar a nossa mudança lá, tudo.
P/1 – A senhora veio de avião?
R – Viemos de avião.
P/1 – A senhora já tinha andado de avião?
R – Não. Primeira vez que eu andei de avião foi quando nós viemos pra cá.
P/1 – E como é que foi a viajem?
R – Ah, ótima.
P/1 – A senhora não teve medo?
R – Não. Nós viemos pra cá, e ele sempre viajava, dava qualquer coisa em um avião no Rio de Janeiro ele tinha que ir, lá em Amazonas ele tinha que ir, né? Chamavam ele, porque esses aviões comerciais as vezes dão uma pane, qualquer coisa, então tem que chamar... E foi muito bom, foi bom a gente vir pra cá. Agora, a gente é muito assim, minhas irmãs de vez em quando vem pra cá também, a gente... Mas foi uma batalha.
P/1 – Como que era quando a senhora saiu de São Luiz Gonzaga e foi pra Porto Alegre? Como que era a cidade de Porto Alegre? Era diferente do lugar em que a senhora vivia?
R – Era.
P/1 – Como que era? Conta para mim que eu tenho uma curiosidade?
R – Não conhece lá?
P/1 – Não. Não conheço Porto Alegre.
R – Devia conhecer, é muito bonito lá. E aí, a gente chega em uma cidade grande, mas como a gente já tem uma irmã lá, do primeiro casamento do meu pai, foi muito mais... Eu me senti em casa, foi muito mais fácil. Eu arrumei trabalho e tudo. E lá é muito bom pra viver, naquele tempo era... Lá eles têm outro... Como eu vou dizer?
P/1 – Modo de vida?
R – É isso aí, modo de vida. E foi muito... Foi bom. E depois a gente veio pra cá... Que o meu marido ia ser transferido pro Rio, mas pro Rio de Janeiro a gente... Uma pelo calor porque lá no sul faz muito calor também, mas é um calor diferente, é um calor diferente, é um mormaço assim. Mas quando faz frio, é frio mesmo. E São Paulo é meio termo, né? Às vezes, durante o dia não faz calor, e quando cai a noite, pelo menos onde nós moramos, aqui no Butantã, um lugar alto, a noite fica agradável, né? Não é aquele calor. Então, a gente sempre achou que o clima aqui era melhor, né?
P/1 – E quando a senhora chegou a São Paulo, a senhora se assustou com a cidade?
R – Não, porque aí também foi isso né? A gente chegou... Já o meu marido tava mais ambientado aqui, nós tínhamos muitos amigos gaúchos que moravam aqui, que eram vizinhos lá, conhecidos que trabalhavam com ele. Então, também não foi difícil a adaptação aqui. Pras crianças foi um pouquinho mais, porque eles estavam numa idade, tinha a escola, tinham os colegas da escola, tinha a avó, o avô, as tias que paparicavam muito eles. Então eles sentiram um pouco, mas depois que eles começaram a estudar, e já se enturmaram lá na escola. E também, a dificuldade aqui quando a gente veio, foi pra arrumar escola pra eles, porque ali no aeroporto não tinha escola perto. Tinha uma no Jabaquara, e eles desde o jardim estudaram sempre nas escolas das freiras. Porque, eu lembro que em Porto Alegre era mais fácil. Então, eles estudaram nos colégios das freiras. Aqui o meu marido desde que chegou já foi providenciar escola para eles, e arrumou aqui no Brooklin, a Heloisa estudava na Beatíssima Virgem Maria, que é uma escola de freiras. E o Paulo estudou no _____ Lopes, que é do lado das freiras. Também não é umas escolas muito boas. E aí, foi essa a vidinha da gente.
P/1 – Dona Celanira, eu tenho uma curiosidade. Na família da senhora, na história da família tem índios guaranis? Porque o sul foi...
R –... Deve ter, deve ter. Mas, eu saber contar porque é como eu lhe digo, naquele tempo não existia muito esta abertura de saber das coisas, das origens da família, dessas coisas, eu morava no sítio, meu pai já era de idade, foi criado em fazendas também, não tinha essa cultura de: “Ah, eu vou saber lá como é que foi”, não tem formação, né? Mas deveria ter, sabe por quê? Porque a gente já tem uma cara meio de índio, né? (risos)
P/1 – Com orgulho, né?
R – É. É sim.
P/1 – E a senhora estudava lá no sítio de menina?
R – É. Era lá. Mas sabe como que é aquela escola do interior...
P/1 – O gaúcho tem muitos causos, né?
R – É.
P/1 – O gaúcho é um povo forte...
R – Forte, cheio de história...
P/1 – ... Orgulhoso. A senhora conhece alguma história de gaúcho? Algum causo?
R – Sim. Ah, não! Assim, pra contar... Porque tem que contar como é que é... Mas eles são muito, eles são um pouco bairristas assim com os outros...
P/1 – Querem se separar.
R – ... Querem se separar, e até o gaúcho, com o catarinense, eles tem aquelas mágoas por causa daquelas guerras. Mas eu não sei contar assim. Mas eles têm aquelas coisas. Quando veem um catarinense lá em Porto Alegre eles falam: “Olha lá os barrigas verdes.” Por que não sei o que... Então os gaúchos têm um bairrismo meio deles lá.
P/1 – A senhora se sente gaúcha ou paulista?
R – Gaúcha. Porque, a gente foi criado... E, tá toda a infância da gente, tudo lá. Mas eu gosto muito daqui de São Paulo. Depois que nós estávamos morando aqui... A Heloisa já estava na faculdade, né? Na PUC, e o Paulo. Então, o meu marido se ele quisesse ir para lá, eles abriam uma sessão lá em Porto Alegre, que ele poderia dirigir essa sessão lá da viação comercial, mas, aí eles não quiseram ir porque já estavam na faculdade, já tinham os amigos, já tinham... Nenhum dos dois quiseram ir pra lá. Aí, nós compramos casa aqui, e fiquemos aqui mesmo.
P/1 – E os filhos, como é que a senhora criou seus filhos, fala um pouco do Paulo, e a Heloisa.
R – Eles sempre foram legais, graças a Deus, nunca... E o pai era muito paizão pra eles, então, eles foram criados, graças a deus, a gente é pobre, mas foram criados com muita atenção, depois quando eles crescem, aí já é de cada um, né?
P/1 – Mas eles deram trabalho?
R – Não. Não deram trabalho. Graças a Deus, a Heloisa sempre foi muito estudiosa, o Paulo não foi muito não, ele fez jornalismo, fotografia... Jornalismo essa coisa, ele viajou muito para o exterior, mas... A Heloisa não, ela sempre foi assim desde pequena, ela sempre foi... Ela estava na escolinha, primeiro é o jardim de infância, né? E como o Paulo é mais velho, quando ela foi... Todas as liçõezinhas que ele fazia, ela acompanhava, e o pai... Ela ia lá e perguntava: “Pai, isso é assim?”, e quando ela foi pro jardim, ela já sabia assinar o nome dela, conhecia sabe? Aquelas historinhas que têm a figura e a... Tudo isso ela já... Ela tinha facilidade, mais do que irmão, muito mais. Ela no jardim queria ensinar as outras crianças. Então, a irmã Martinha, a freira que era professora dela no jardim, me chamou lá e falou: “A Heloisa levanta, e vai lá, e diz que não é assim, é assim.” Ela sempre foi mandona, sempre foi mandona. Mas sempre foi muito estudiosa, nossa! Ela nunca foi assim dessas que chegam em casa e quer arrumar isso, quer arrumar aquilo, ela sempre foi... Assim, ela sempre se dedicou muito aos estudos, continuou, depois ela parou muito tempo, que ela... E o Paulo, ele também estudou e tudo, mas ela continua, ela vai em frente. Mas foi muito bom, agora está nas mãos deles, né?
P/1 – E a Heloisa, ela... Essa coisa dela escrever os livros, as histórias, a senhora acha que vem da casa da senhora? Ou ela que se desenvolveu fora?
R – É como eu te digo, ela sempre... quando ela estava aqui na Beatíssima teve... quando o canal sete era lá perto do aeroporto, lá em Moema, e elas... então na escola, as freiras lá fizeram um concurso, parece que teve aqui em São Paulo, nem me lembro porque eu não fui. Que ano que foi... de Português, né? A equipe dela foi a que ganhou, né? Então ela sempre foi assim sabe? Ela batalha, ela vai atrás. E os livros porque ela... O primeiro livro que ela... Eu acho que como ela desenvolve muito, ela lê muito, ela pesquisa, ela sempre foi assim, não é de agora. Então, eu acho que ela foi desenvolvendo os livros, foi escrevendo.
P/1 – Dona Celanira, e o que a senhora gosta de fazer, assim, de costurar, essas coisas...
R – Ah, eu trabalhei muito... Depois que nós viemos pra São Paulo, que eu até... Que de primeiro era tão... Era muito gozado as mulheres. Elas tinham que cuidar das crianças, dos filhos, da casa, e tal... E aí, quando nós viemos com uns 17 anos eu não trabalhei mais fora, eu trabalhei quando era só, depois que eu me casei, eu fiquei cuidando da casa e depois vieram os filhos, né? Eles já estavam moços, já estavam na faculdade os dois, e quando nós compramos aqui no Butantã, apartamento, eu disse: “Bom, agora eu vou trabalhar”. Porque eu nunca fui assim, sabe? “Será que eu tenho que fazer isso? Será que eu tenho que fazer aquilo?”. Eu gosto de ter uma determinação, e me administrar, em tudo o que eu faço. Aí, eu fui, e eles começaram a rir de mim, imagina. Nós mudamos pra cá em um sábado, e arrumamos tudo, mas eu já tinha arrumado serviço em uma boutique lá na Augusta, e fui. Segunda feira eu vou começar a trabalhar, arrumei os documentos, todas essas coisas, imagina. Eu trabalhei lá na Augusta, em uma boutique naquela Galeria Augusta, fiquei... Trabalhei lá acho que uns dois anos só. Depois tinha foi trabalhar no Clodovil, lá no Jardim Europa...
P/1 – No Clodovil?
R – É. Aí, eu fiquei trabalhando lá, quase seis anos.
P/1 – Como que era trabalhar com o Clodovil?
R – (risos) Era muito bom, no sentido da gente se realizar no que a gente gosta de fazer, naquelas coisas bonitas, finas, e tal. Aquelas clientes da alta sociedade de São Paulo. E ele é, sabe? Ele era o patrão, com ele não tinha meia, né? Mas ele era muito educado, tratava... O ateliê dele lá não tinha... Porque tinha sempre muito... Tinha imprensa lá diariamente. Quando ele trabalhava na Globo, não sei se você se lembra, como era o nome daquela...
P/1 – TV Mulher.
R – TV Mulher. Ali, naquela época... Então, sempre tinha muita imprensa lá, e era jornalista aqui, jornalista ali, ele dava muito suporte para todo mundo que trabalhava lá, o ateliê dele era muito bonito, todo mundo com uma roupa muito bonita, tudo muito bonito. Tinha que trabalhar muito chique, como diz aquela da novela lá, que eu não sei se você assiste (risos). Mas ele era... Quando saia tudo como mandava o figurino dele, né? Agora quando tinha qualquer coisa que não... Correspondia a etiqueta dele, aí ele sabia reclamar bonito. ________ gerente, contra mestre, tinha uma contra mestra muito boa, a dona Carmem, era uma espanhola, e ela dirigiu grandes casas em Paris, em Portugal, na Espanha. Ela tinha uma bagagem de conhecimento na área, e era muito amiga dele. Mas quando não dava qualquer coisa, que não dava como ele queria, não tinha ninguém, ele reclamava mesmo. Mas ele era... Quando ele quer, ele é muito fino, super educado, atencioso, ele chamava repórter, reunia todos nós, tirava fotografia que até saiu em umas revistas no Rio e tudo. Então, quando, por exemplo, tinha um casamento e havia uma divulgação muito grande de uma personagem muito importante de São Paulo, do Rio, ou de Brasília, que vinham aqui fazer roupa com ele, no outro dia da festa... Porque ele ia às festas pra ver se estava tudo no conforme. Quando ele voltava de lá, ele vinha, e agradecia todo mundo que colaborou. Então, ele era assim, mas quando ele tinha que...
P/1 – Ficar bravo...
R–... Não tinha jeito. Mas, eu trabalhei lá quase seis anos.
P/1 – E a senhora tinha vontade de usar aquelas...
R – Não. Engraçado, que a gente gosta de ver, olhar, e depois saber: “Poxa, mas eu fiz isso. Eu fiz aquilo”.
P/1 – A senhora costurava essas roupas?
R – Costurava, ele fez um desfile aqui no Teatro Municipal com um menino da TV Mulher, quando fez um ano que ele estava na Globo., ele fez um desfile que até tem um tem museu dessas roupas que ele tem, não sei... E, foi lá no Teatro municipal, estava muito lindo, ele fez tudo de 1930, os modelos eu acho que tinham uns 20 modelos, um mais lindo do que o outro. Quando a gente vê aquilo, a gente se sente bem, né? Porque, poxa como é que tenho capacidade de fazer uma coisa assim linda. Depois eu saí, quando Gabriel nasceu eu saí de lá, e trabalhei aqui na Rebouças, ali eu trabalhei uns 10 anos. Sabe, primeiro, onde tinha o (Polidomes?), ali onde é o Citroen agora, né? Tinha duas casas bonitas, eu acho que trabalhei ali uns nove anos, ou dez não me lembro. Quando fechou ali porque a dona casou com um argentino, foi pra argentina e fechou e eu fiquei na (Brick Tie?). Também na (Brick Tie?) eu fiquei não sei quantos anos. Ali que eu me aposentei, depois o meu marido ficou doente, né? (suspiro). E eu tive que ficar em casa porque ele ia para o hospital e voltava, aquela luta. Depois ele faleceu, eu fiquei ainda uns anos trabalhando lá, eles foram muito legais comigo, eu também colaborava com eles. Mas eles foram muito... Eu sempre digo... Que as pessoas... A gente sempre houve os comentários negativos, né? Dificilmente você vê uma pessoa falar uma coisa boa, né? Mas eu tive muita sorte. Eles ali, quando o meu marido estava doente, eles nem pareciam que eram patrões, eles colaboraram de todas as formas. Me deixavam sair, eles não descontavam o meu salário, eu ficava... Porque quando meu marido ficava no hospital, eu ia trabalhar, e quando ele ficava em casa, eu ficava em casa. “Não, fica em casa, não tem problema.” Eles foram muito... A coisa não é só como a gente escuta nessas noticias, coisas negativas, tem muita coisa boa. Tem muita coisa positiva, tanta gente fazendo tanta coisa muito boa, né? Eu acho. Eu sou muito otimista, eu não acho que as coisas são só, né? É por aí.
(troca de fita)
P/1 – Então dona Celanira, a senhora costurou sempre alta costura?
R – Ah, sempre.
P/1 – Só coisa bonita?
R – Só coisa bonita.
P/1 – E a senhora tem netos?
R – Tenho um. Não conhece?
P/1 – Não, nunca vi.
R – Ah, é um moção bonito.
P/1 – Quantos anos ele tem?
R – Vinte e três.
P/1 – E a senhora é uma avó coruja?
R – Nossa. Só tem ele, né?
P/1 – O Paulo não casou?
R – Já casou três vezes.
P/1 – Mas não teve filhos?
R – Não.
P/1 – Quantos anos o Paulo tem?
R – O Paulo tem 48.
P/1 – E a Heloisa?
R – Agora eu to meio perdida. Ela é dois anos mais nova que ele, uns 40 e...
P/1 – O que a senhora gosta de fazer dona Celanira, como é o dia-a-dia da senhora hoje? Conta pra mim.
R – O meu dia-a-dia... Bom, cuido da casa, das compras, do supermercado, essa coisa que a Heloisa não se envolve porque não dá tempo. A Heloisa tem dias, aliás, quase todos os dias a gente só se vê na hora da refeição, ou ela vai tomar um cafezinho porque ela está no computador. Eu gosto muito de flores, eu gosto muito de cuidar das plantas dentro de casa, eu ganhei uma plantinha e ela nunca... Ela terminou as flores e todo mundo: “Ah, mas essa planta dá!”. Daí eu tirei, dei uma podadinha, tirei aquelas astezinhas secas, e coloquei-a na área de serviço, como lá em casa é tanto em frente desse lado, como pra cá, bate muito sol a manhã toda, e tem muitas árvores. Então, eu agarrei, botei lá na área, e dali um tempo e eu sempre cuidando da minha plantinha, derrepente ela encheu de flores. Eu a agarrei, e levei lá onde a Heloisa tem o computador e disse: “Olha só Heloisa eu estou tão feliz, olha a minha plantinha”. Ela olhou assim e disse: “Ah, que bonitinha”. Mas não disse nada, sabe que eu fiquei tão ________. (risos) Parece que ela estava tão envolvida lá com aquele computador, menina! Eu queria que ela dissesse: “Nossa, como é que foi?”
P/1 – Mas filho é assim, né?
R – É. Eu estava tão feliz. Poxa, eu tratei daquela plantinha, eu podei. Tudo! Aí, ela encheu de flor, ficou o vaso cheio de flor. Eu, como estava tão empolgada, mostrei pra ela, e ela disse: “Aí, que bonita.” Não comentou nada, nem viu.
P/1 – A senhora falou pra ela que ficou chateada?
R – Não. Eu não falei nada, eu falei agora porque eu me lembrei dessa historia dela... Quando ela está escrevendo.
P/1 – A senhora mora com ela?
R – Aham.
P/1 – E a senhora gosta de passear, tem amigos?
R – Amigos é claro que a gente tem amigos, mas não assim de ir passear. Eu não... É uma coisa que eu não gosto muito de viajar, de passear... A Heloisa sabe, eu gosto muito de estar na minha casa, as minhas coisas, receber amigos em casa, eu sempre tenho uma pessoa ou outra que vai em casa, eu gosto de fazer um bolo,de fazer uma coisa gostosa. Eu gosto mais disso do que de ir viajar. Às vezes ela fala assim: “Ah, mãe vamos almoçar fora?” Ah, não. A gente faz qualquer coisa em casa. Mas isso é o meu jeito, não é que eu... E viajar também eu não gosto. Só pra Porto Alegre que eu vou sempre.
P/1 – Pra ver a família?
R – É. Pra ver a família. O meu marido trabalhava na Varig a gente podia viajar para tudo que é... Onde a Varig tem linhas internacionais, essa coisas toda.
P/1 – A senhora nunca quis ir?
R – Nunca quis ir. Nós até uma vez, comentamos de ir até Amazonas porque tínhamos amigos lá, né? Que até ele era prefeito lá de Manaus, e eles tiveram lá em Porto Alegre. E nós tínhamos um vizinho que era filho desse senhor, dessa família. Eles falavam muito dos pais, o pais sempre iam a Porto Alegre. Então, eles foram lá em casa, como eles eram nossos vizinhos, a gente ficou amigos, e eles ofereceram, a senhora deles tinha duas moças que foram junto com o filho, ofereceram: “Não, vocês vão. O senhor Mario vai pra Manaus conhecer.” Ela falou muito dos peixes, das maravilhas que tem lá. Sabe que nós nunca fomos. Nunca fomos. Por isso eu digo que a gente não deve ficar adiando muito as coisas, depois o meu marido ficou doente, aí...
P/1 – Quantos anos faz que o seu marido faleceu?
R – Dez. Dia 23 de junho faz dez anos que ele faleceu. Nós ficamos 48 anos casados. É uma vida, né? É uma vida. E a gente nunca teve... Sabe, é engraçado, os casais geralmente não dão certo, mas a gente dava, as mesmas coisas, sabe que as vezes tinha umas coisas tão pequenas, mas fica, né? Às vezes, por exemplo, a gente vai comprar um móvel, uma vez eu disse: “Ah, eu queria comprar uma mesa redonda porque a minha sala é grande e ainda tinha o (MASP?) lá. Aí, eu fui lá olhei e gostei de uma mesa lá, uma mesa bonita, no outro dia eu saio do serviço e ia encontrar o meu marido lá no (MASP?), quando eu cheguei lá, ele disse: “Eu gostei muito, eu achei uma mesa aqui, eu acho que tu vai gostar.” Aí nós chegamos lá era a mesma mesa. E tudo era assim, não era só isso, né? Qualquer coisa que ia comprar pra casa a gente ia... Às vezes eu saia do serviço olhar antes da gente se encontrar, porque sempre a gente foi, sabe...
P/1 – Vocês eram amigos.
R – Tem mulheres... Eu gostei disso, eu vou comprar. Eu sempre fui ao contrário, eu gosto de falar, por exemplo, eu vou comprar uma coisa, qualquer coisa assim, eu levo o Gabriel que é o meu neto, ou a Heloisa, pra olhar ver como é que é, depois chega em casa todo mundo já sabe, “Bom, gostei por isso ou por aquilo”. Que é pra ter uma... Porque não tem coisa pior que comprar uma coisa e depois: “Ah foi comprar isso, foi comprar aquilo” “Que feio!”. Não tá dando muito certo assim. Então, eu combino com todo mundo que nós que vamos usar aquilo, vamos estar ali.
P/1 – A senhora tem algum desejo aí guardado que a senhora gostaria de fazer?
R – Que eu gostaria de fazer? São tantos. (risos) Ah, sempre pensando nos filhos, meu neto... Ele é meu amigo. Ele fala assim: “Onde é que está a minha avó preferida?” E tudo ele... Às vezes eu digo: “Ah, Gabriel tem que ir ao banco, tem que ir aqui, tem que ir ali”. “Ah, vó deixa que eu te levo”. “Ah, Gabriel tem que ir no supermercado”. “Então, marca a hora que eu te levo lá”. Ele vai comigo no supermercado, nós fazemos compras. Apesar de que todo mundo diz que essa geração está meio desatenta à família, eu acho que depende muito da família. Porque eu acho essa meninada agora são tudo mais inteligente. Não é que sejam mais inteligentes, mas eles tem mais conhecimento, né? Porque o mundo deu essa guinada. Mudou tudo, mudou tudo. Eu acho que depende um pouco de casa, da família, como é criado, com muito amor com muita... E o Gabriel é muito... O meu netão.
P/1 – A senhora gostou desse papinho aqui que a gente teve?
R – Eu gostei. Desculpa se não foi muito... Mas a gente não tem muita coisa pra contar, que a vida é...
P/1 – Não tem nada, ficou uma hora...
R – Falando...
P/1 – Tem alguma coisa que a senhora queria contar pra gente que a senhora ainda não contou?
R – Não. Eu acho que o básico é esse aí que eu falei.
P/1 – Muito obrigado.
R – Eu é que agradeço.
P/1 – A senhora é uma pessoa muito especial...
R – Imagina.
P/1 –... E muito doce.
R – Bondade de vocês. Bondade sua.
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