IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Carlos Alberto Martins Pinto. Eu nasci em Belém do Pará, no dia 7 de março de 1933. Estou, portanto, com 74 anos.
FAMÍLIA
Meu pai chamava-se Bertholdo Delduck da Costa Pinto e minha mãe Elga Martins Pinto. Meus avós maternos eram Gregório Martins e Joana Eduana Martins; meus avós paternos chamavam-se Pedro Costa Pinto e Aída Osório Pinto. Meu pai era gráfico, trabalhava em jornal, na Folha do Norte, e a minha mãe era professora primária. Meu avô paterno era comerciante e minha avó materna, dona de casa. Meus avós maternos eram professores. Eu sou o primogênito de sete irmãos, dois dos quais já morreram. Éramos seis homens e uma mulher.
INFÂNCIA EM BELÉM
Eu nasci em Conselheiro Furtado, um bairro perto do Centro, numa cidade que naquele momento, era decadente. Belém do Pará era uma cidade decadente, não tinha luz elétrica e os meios eram muito pobres. Foi uma infância de dificuldades, porque éramos sete irmãos, meu pai era gráfico e minha mãe professora; não tinham recursos suficientes para educar os sete filhos de uma vez. Eu fui até privilegiado porque sendo o mais velho, a atenção dos meus pais foi, até certo ponto, voltada para mim. Os outros, claro, tiveram também atenção, mas eu acabei tendo mais. Foi uma infância em que havia realmente as dificuldades financeiras e de doenças.
DOENÇAS
Eu me lembro bem que quando era garoto a tuberculose era uma doença devastadora, irreversível, matava as famílias inteiras na nossa vizinhança e isso me impressionou muito. O meu pai foi vítima da tuberculose, morreu com 36 anos. Eu tinha 12 anos quando ele se foi e os vizinhos não passavam perto da minha casa, porque o meu pai era tuberculoso. Era uma doença que devastava todo mundo. Eu tive sorte, porque mesmo tendo ficado na cabeceira do meu pai, vendo ele respirar por oxigênio – porque ele já não tinha pulmão – eu não peguei a tuberculose. Os meus parentes todos achavam que eu estava...
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Meu nome é Carlos Alberto Martins Pinto. Eu nasci em Belém do Pará, no dia 7 de março de 1933. Estou, portanto, com 74 anos.
FAMÍLIA
Meu pai chamava-se Bertholdo Delduck da Costa Pinto e minha mãe Elga Martins Pinto. Meus avós maternos eram Gregório Martins e Joana Eduana Martins; meus avós paternos chamavam-se Pedro Costa Pinto e Aída Osório Pinto. Meu pai era gráfico, trabalhava em jornal, na Folha do Norte, e a minha mãe era professora primária. Meu avô paterno era comerciante e minha avó materna, dona de casa. Meus avós maternos eram professores. Eu sou o primogênito de sete irmãos, dois dos quais já morreram. Éramos seis homens e uma mulher.
INFÂNCIA EM BELÉM
Eu nasci em Conselheiro Furtado, um bairro perto do Centro, numa cidade que naquele momento, era decadente. Belém do Pará era uma cidade decadente, não tinha luz elétrica e os meios eram muito pobres. Foi uma infância de dificuldades, porque éramos sete irmãos, meu pai era gráfico e minha mãe professora; não tinham recursos suficientes para educar os sete filhos de uma vez. Eu fui até privilegiado porque sendo o mais velho, a atenção dos meus pais foi, até certo ponto, voltada para mim. Os outros, claro, tiveram também atenção, mas eu acabei tendo mais. Foi uma infância em que havia realmente as dificuldades financeiras e de doenças.
DOENÇAS
Eu me lembro bem que quando era garoto a tuberculose era uma doença devastadora, irreversível, matava as famílias inteiras na nossa vizinhança e isso me impressionou muito. O meu pai foi vítima da tuberculose, morreu com 36 anos. Eu tinha 12 anos quando ele se foi e os vizinhos não passavam perto da minha casa, porque o meu pai era tuberculoso. Era uma doença que devastava todo mundo. Eu tive sorte, porque mesmo tendo ficado na cabeceira do meu pai, vendo ele respirar por oxigênio – porque ele já não tinha pulmão – eu não peguei a tuberculose. Os meus parentes todos achavam que eu estava com a doença pelo contato que mantinha com o meu pai. Tive sorte A minha mãe teve tuberculose, mas não morreu e depois a minha avó também teve, mas não morreu. Enquanto outras famílias eram ceifadas rapidamente, em um mês ou menos... Eu vi enterros de várias pessoas da mesma família numa semana, isso me impressionou muito. Era década de 1940 e as doenças eram a maior dificuldade. Eu também tive impaludismo – que é a febre amarela, transmitida por um mosquito, o chamado Carapanã – chegando a atrapalhar o meu curso primário. Eu fiquei bom, porque tinha um remédio na base de quinina que as pessoas ficavam totalmente amareladas, mas se curavam.
BRINCADEIRAS DE INFÂNCIA
As brincadeiras eram jogar pião... mas realmente jogar para cima e aparar na mão; era quase uma acrobacia. Eu fazia isso e era perigoso porque o pião poderia vir no rosto, mas nós fazíamos até disputas. Também tinha o jogo de bola-de-gude, que no Pará do meu tempo de garoto se chamava peteca: “Vamos jogar peteca”. E brincadeira de roda, porque criança, brincava de roda, e não havia realmente nenhum preconceito, todo mundo brincava junto, meninas e meninos. Era uma infância boa, a despeito das dificuldades. Criança não sente as dificuldades, só vai sentir que passou dificuldades depois, quando percebe o sacrifício dos pais. Meu pai morreu quando eu tinha 12 anos e a minha mãe ficou na mão de um agiota. Foi outra coisa que me marcou: ela não saía do agiota, comprava os meus livros com sacrifício. Quanto às brincadeiras, eram bem de crianças, coisas realmente ingênuas, de fazer casinha no quintal, porque em Belém do Pará tem muitas árvores, mangueiras arborizando as ruas, os quintais cheios de passarinhos. Eu me lembro que eu tinha a “horta da vitória”, isso logo depois da Segunda Guerra Mundial. O Governo Estadual lançou e as professoras fizeram uma campanha chamada “horta da vitória”, então eu fiz a minha horta, plantei tomate, algumas coisas típicas da região, como caruru. O caruru era uma planta comestível, se fazia com ovo, eu plantei muito caruru na “horta da vitória”. Como eu plantava muito tomateiro, eu comia tomate com sal, dessa época veio o costume, e até hoje eu gosto de comer tomate com sal, me lembrando do meu tempo de infância... É um hábito que eu trouxe de lá, e que me faz bem, porque o tomate é rico em muitas vitaminas.
PAI
A minha infância era de tristeza também, meu pai era homem rígido, até pela doença, e todo mundo tinha que dormir às nove horas da noite. Tinha uma usina elétrica a diesel que funcionava precariamente, e apitava às nove horas. A Usina de Utinga, onde a Petrobras se instalou, perto de Valdecans. Quando a usina apitava, todo mundo se recolhia. Ficávamos confinados porque o meu pai não deixava ninguém sair depois das nove horas e eu me lembro que com dez anos, eu tive a minha primeira namoradinha. Eu dava murros na parede porque não podia vê-la, então eu me lembro bem que o meu pai gritava de dentro do quarto: “Quem está fazendo esse barulho?” Era eu, mas dizia: “Ah, ninguém.” E ele continuava: “Que barulho é esse?” Eu expressava a minha frustração dando murros na parede, porque não tinha oportunidade de ficar até mais tarde vendo a namoradinha, que era uma vizinha. Eu já tinha 12 anos, mas isso caracterizava uma certa infância, porque o homem realmente custa a desenvolver, então eu era garoto, completamente ingênuo. Muitas coisas que depois a vida me ensinou, eu achava inacreditáveis naquela idade.
MÃE
Quando meu pai faleceu, a minha mãe perdeu um pouco daquele rigor que era dele, porque sete irmãos não era brincadeira. O meu pai era rígido e a minha mãe afrouxou um pouco, então todo mundo chegava tarde. Até porque a minha mãe ficou um pouco perdida, imagina, com 36 anos, sete filhos para criar e tendo perdido o marido. A minha avó, mãe dela, foi uma das pessoas que lhe deram assistência.
Ela continuou a trabalhar; era professora. Com a ajuda da minha avó, principalmente, que morava conosco. Minha mãe, para ganhar mais uns trocados, dava aulas noturnas nos grupos escolares. E eu, garoto, a acompanhava. Ela dava aula de manhã num grupo escolar, e à noite alfabetizava adultos. Não sei qual era o esquema, um programa de governo que facilitava a alfabetização daquelas pessoas que não sabiam ler e eu, garoto ainda, ensinava alguns adultos, ajudando a mamãe. Eu ensinava algumas palavras, coisas que eu já sabia, porque eu estava no último ano primário.
EDUCAÇÃO
Eu me lembro bem quando a minha mãe me levou pela primeira vez para eu ficar sozinho no Grupo Escolar Vilhena Alves; eu devia ter seis para sete anos. Eu não freqüentei jardim de infância, até porque a minha mãe era professora, ela dava em casa as primeiras aulas de português e da escrita. Aos sete anos, eu fui matriculado no grupo escolar; ela me deixou sozinho e isso foi marcante para mim. Eu fiquei lá fazendo amizades. a minha primeira amizade, me lembro bem, foi com um colega chamado Getúlio. Quando eu cheguei em casa falei espantado para o meu pai: “Eu tenho um colega chamado Getúlio.” O Presidente da República era o Getúlio Vargas, e eu pensava que Getúlio fosse um nome inerente ao Presidente da República... e o meu pai explicou: “Não, ele também pode ser Getúlio.” E essa foi uma das lembranças das minhas primeiras aulas do curso primário no Colégio Vilhena Alves. Eu me lembro bem, uma das coisas notáveis que eu achei no colégio foi o bebedouro, porque em casa eu bebia água no pote. Não tinha filtro, era um pote com púcaro; tirava água de dentro do pote e botava dentro do copo. Meu copo era lata de leite condensado, meu pai nos deixou assim, tudo bem. Então, na escola encontrei um bebedouro: eu apertava e a água fluía... Eu achei aquilo notável e ficava no bebedouro bebendo água o tempo todo, para estrear aquela novidade.
COLEÇÃO DE RÁDIOS
Não tinha geladeira na época, poucas pessoas na minha rua tinham rádio. Um vizinho, que era o rico da rua, o senhor Santos – me lembro do nome dele – tinha um rádio bonito, então, ao entrar na casa dele eu fui por trás do rádio para ver se não tinha ninguém falando atrás do rádio. Uma idéia de infância, típica de criança. Eu era fascinado pelo rádio, achava uma mágica e é mesmo uma mágica, só que nos acostumamos. Onde tinha um rádio eu parava para admirar. As casas que tinham rádio eram fantásticas para mim, eu ficava ouvindo, parava para ouvir... Até que um dia, antes de morrer, meu pai comprou um rádio, e eu tomei conta. Como eu era o mais velho, eu dizia: “Quem vai ouvir sou eu, depois você...” E todos os irmãos tinham uma espécie de audiência daquele rádio. Foi uma das coisas marcantes e talvez venha daí a minha vontade de comunicação; é como tivesse começado alí, porque até hoje eu gosto de rádio, fui até colecionador: eu tenho uma coleção de 48 rádios antigos. Tenho um museu do rádio, foi conseqüência ainda dessa fascinação que eu tive enquanto garoto.
EDUCAÇÃO
Gostava de estudar e, inclusive, nos estudos aconteceu um fato interessante. Eu sempre estudei, como toda criança, mesmo com preguiça. Meu pai ficou doente, e como tuberculoso, ele fez uma operação no pulmão. Ele tomava aqueles remédios que não valiam nada, era doente, mas ele acompanhava o meu estudo e perguntou: “Você vai passar de ano?”, e eu disse “ Vou pai, vou.” Mas eu estive na cabeceira dele entre 11, 12 anos, e ele estava preocupado de aquilo estar atrapalhando meus estudos e me perguntou: “Você vai passar?”, eu disse: “Vou E vou ser o primeiro aluno da escola.” Ele morreu e eu me tornei o primeiro aluno, eu tenho esse boletim, eu guardei no meu baú. Eu já estava no ginásio, e tinha prometido ao meu pai ser o primeiro da turma, então eu só tirava nove, dez.
APRENDIZ NA FOLHA DO NORTE
O meu pai ainda estava trabalhando, mesmo doente; ele tinha uma fístula no pulmão esquerdo mas trabalhava. Diante da dificuldade, o meu pai que era gráfico, linotipista, e chefiava a oficina [na Folha do Norte], achou que eu devia aprender a profissão dele, uma função hoje extinta. Então eu passei a ser seu aprendiz. Com 11 ou 10 anos eu limpava aquelas máquinas...
LINOTIPO
Um linotipista era um operário que trabalhava numa máquina com chumbo derretido. Ele digitava num teclado, o chumbo derretido depois se acoplava às matrizes com letras e as letras saíam no chumbo. Logo depois, o chumbo derretido se consolidava e saíam aquelas placas com as letras, e todas aquelas placas eram colocadas numa planilha, depois passava uma tinta e imprimia aquilo no papel. Era na base do chumbo que eram impressas as letras. O chumbo estava derretido, depois de um processo, a máquina preparava tudo isso. O chumbo ficava consolidado já com as letras impressas, tudo aquilo se juntava e se faziam os artigos, as notícias, eram impressos, mas a linotipo acabou. Dizem que ainda existem algumas no interior do Brasil, mas o chumbo larga muito antimônio que afetou também o pulmão do meu pai, além da tuberculose.
PRIMEIRO EMPREGO
O meu pai era da Folha do Norte, e eu ia diariamente levar a marmita para ele almoçar; eu e um outro irmão mais novo. Como eu já estava no ginásio, quando meu pai morreu, eu fui até a Folha pedir um emprego, afinal eu já tinha trabalhado como aprendiz do meu pai. Só que eu havia interrompido com 10 para 11 anos, quando o chumbo derreteu e espirou no meu rosto.
Eu lembro que o meu pai correu com uma graxa e jogou em cima do meu rosto pensando que eu tivesse ficado cego, mas pegou no meu rosto e não ficou marca nenhuma. Então, ele me tirou desse trabalho como aprendiz da profissão dele. Dois anos depois, quando ele morreu, eu já estava no segundo grau, me deram um emprego como aprendiz de repórter. Eu estava no Grêmio Cultural Castro Alves, porque tinha a veleidade de me tornar um literato. O jornal não era nada do que eu queria, mas deu certo. Eu comecei a fazer entrevistinhas, escrever notícias, então entrei na Folha do Norte, depois da morte do meu pai, já com 17 ou 18 anos.
Foi o meu primeiro trabalho efetivo, e alí terminava a infância. Foi uma infância sem muitas perspectivas, eu pensava: “Eu não vou sair nunca daqui para conquistar outros espaços”, porque todo mundo estava enraizado. Essa idéia me perseguiu até o momento em que um tio que morava no Rio de Janeiro nos fez uma visita, viu o nosso estado de carência total e como eu era o primeiro dos irmãos, e já estava adolescente, ele me ofereceu para vir para o Rio de Janeiro com ele para ver se eu conseguia alguma coisa, até para ajudar minha família em Belém.
IDA PARA O RIO DE JANEIRO
A vinda para o Rio de Janeiro ocorreu, com muito medo da minha parte. Eu tinha 17 anos, e me lembro bem da minha despedida: todo mundo no aeroporto Valdecans. Eu vim no avião da FAB que ele conseguiu, vim sozinho para cá, todos os meus irmãos no aeroporto, a minha avó, a quem eu quero prestar uma homenagem – eu tenho um amor muito grande pela minha avó – a minha mãe, o avião, o adeus... Foi assim que eu vim parar no Rio, com 17 anos; completei 18 aqui.
A minha vinda para o Rio foi até uma frustração em matéria de namorada. Eu tinha uma namorada chamada Maria da Glória Guimarães. Quando eu disse que eu vinha para o Rio, eu tinha 16 para 17 anos, ela chorou de molhar a minha camisa, chorou, chorou, chorou. No dia da minha vinda, quando fui me despedir dela, fiquei esperando no local, aquelas ruas quase sem luzes e esperei, esperei, mas ela não apareceu. Até que veio uma colega dela e disse: “Olha, Carlos, você está esperando a Maria da Glória há duas horas. Vai ver o que ela está fazendo na outra esquina.” Ela estava agarrada com outro namorado. Foi uma frustração violenta. Eu embarquei no dia seguinte tranqüilão com relação à culpa de deixá-la; quer dizer, foi uma decepção essa minha namorada... Antes tinha tido namoradinhas, mas sem maiores conseqüências.
Eu só vim a jantar bem aqui no Rio de Janeiro, porque houve uma época que o jantar em casa era uma lata de sardinha para dividir por sete e café com pão. Quando eu vim para o Rio, eu comecei a jantar mesmo. Eu ganhava um dinheirinho no jornal e ajudei um pouco a minha mãe, mas eu fiquei pouco tempo na Folha do Norte como aprendiz.
PRIMEIRO EMPREGO
O primeiro trabalho foi na Folha do Norte. Quando eu ganhei o primeiro salário de aprendiz da profissão do meu pai, com 10 anos, recebi em dinheiro vivo. Eu me lembro bem quando me pagaram, me deram um pacote de moedas e eu fui para casa rindo. Eu estava tão contente que eu fui rindo do trabalho até em casa, não me continha de tão contente, uma reação notável, porque nunca tinha recebido nada no trabalho. Mas logo depois teve esse acidente do chumbo que espirou no meu rosto, eu tive que sair. Voltaria depois como aprendiz de repórter, onde eu fiquei pouco tempo até vir para o Rio. Mas aí, o dinheiro que eu ganhava já não me dava esse grande sorriso do primeiro pacote de moedas que pesavam no bolso.
PRIMEIRA MATÉRIA
Eu me lembro da minha primeira matéria como aprendiz de repórter na Folha do Norte porque os assuntos eram sobre pobres; me mandaram cobrir um mendigo que estava jogado e eu fui dar uma olhada. O fotógrafo foi comigo. Eu escrevi uma matéria cujo título era “Paradoxos da vida.” Um repórter mais velho me chamou e disse: “Ô Pinto, pô, “Paradoxos da Vida? isso aqui não é literatura. Porque você não diz que o mendigo estava jogado, abandonado pela família.” Era influência do Grêmio, eu era muito ligado à literatura, fazia uns poemas também. Essa foi uma das primeiras matérias. Depois eu comecei a fazer entrevistas mais amplas com políticos, etc. O curioso é que na Folha do Norte sempre que o repórter fazia uma notícia, ele saía fotografado ao lado do entrevistado, de modo que a minha mãe, como a minha primeira fã, começou a colecionar aquilo. Ela tinha muitas fotos de jornal, que guardou até antes de morrer, com 84 anos. Eu não guardei nenhuma, aliás nunca liguei para isso, curioso. A minha memória particular está jogada fora, porque eu não guardo nada. Para entrar como consultor aqui da Petrobras eu tive que fazer uma pesquisa no Globo e no Jornal do Brasil para encontrar alguns artigos meus porque eu não tinha nada em casa. O lado bom da época era a minha mãe, ela era minha fã. Depois, ao vir para o Rio de Janeiro, eu vi que a realidade aqui era outra. Em Belém, era até ridículo, se pensava que era o máximo lá, e aqui não é nada.
VIDA NO RIO DE JANEIRO
Foi muito impactante, primeiro porque o meu tio disse:“Você vai morar bem, eu lhe darei tudo”. Quando eu cheguei, ele morava em Nilópolis, então eu tinha que pegar o ônibus da casa dele até a estação, pegar o trem até a Central do Brasil; da Central do Brasil pegava o bonde para o trabalho que eu arrumei na sucursal da Folha do Norte, aqui do Rio. Eu pensei: “Puxa vida, eu não vou agüentar isso”, porque eu trabalhava das nove da manhã até às 5 horas da tarde, estudava à noite e chegava em casa uma hora da manhã. Estava no científico ainda, fazendo os preparatórios. Eu não tinha tempo para nada, o meu sono era enorme porque, quando eu chegava, eu jantava a uma ou duas horas da manhã para acordar às cinco e estar no trabalho às nove. A minha tia, ainda está viva, tinha 85 anos e arrumava uma comida para mim de madrugada. Às vezes, não havia ônibus da estação de Nilópolis até a casa do meu tio, e eu andava a pé tentando dormir. Eu tentava dormir andando, tamanho era meu sono. Eu pegava aquela reta, não havia assalto, seguia aquela rua imensa pela frente, e começava a andar com os olhos fechados tentando melhorar o meu sono.
Um belo dia, eu me livrei disso quando decidi morar sozinho no Rio. Eu estava na Folha do Norte, já tinha tirado o meu tempo militar na Aeronáutica, então arrumei um emprego na Tribuna da Imprensa. Quando eu consegui o emprego eu disse: “Olha, eu não vou ficar aqui morando em Nilópolis, vou morar no Rio, no Centro.” Aluguei uma vaga na Lapa. A minha inexperiência era tanta que a vaga era composta por mim, que tinha dado baixa na Aeronáutica, um sargento neurótico de guerra, que dormia com o revólver debaixo do travesseiro, um ladrão foragido da polícia da Califórnia e um explorador de mulheres. Eu convivi com eles durante uma temporada. Depois eu fui melhorando de vaga, isto é, consegui alugar um quarto de empregada só para mim.
FACULDADE DE ECONOMIA
Eu estava sempre trabalhando, já não estava mais na Tribuna quando aluguei uma vaga só para mim. Eu havia conseguido um outro trabalho na Última Hora que estava surgindo aqui. O interessante é que nessa época não havia faculdade de jornalismo, então quem estava militando na imprensa teve o direito assegurado pelo Ministério do Trabalho de ser registrado como jornalista. Foi o meu caso e o de dezenas de outros. Quem estava militando na imprensa foi convidado para dar aulas nas faculdades que estavam surgindo. Eu fui um dos sondados, mas não me interessei.
Eu fui fazer Economia porque eu não queria perder tempo. Já que eu estava com meus direitos assegurados, registrado como jornalista, como tantos outros, eu resolvi estudar economia porque era o “boom” dos anos 60 para 70. Todo mundo tinha que conhecer economia na época. Eu fui de acordo com a vida.
Estudei economia na Cândido Mendes, mas eu não concluí o curso, acabei trancando a matrícula do segundo para o terceiro ano. Eu estava no Globo, e eu entrei para a faculdade de economia já com 40 anos porque eu tinha que me atualizar. Quando eu fiz o vestibular e passei, eu carreguei no colo os meus três filhos, que estão hoje com 40 anos.
O curso de economia foi bom, depois eu fiz um curso de extensão de um ano na Coppe da UFRJ, de macroeconomia, e passei a conhecer muito mais, desde o produto elástico até a inflação, até matrizes. No Globo, eu passei 17 anos na área econômica, então foi muito bom, até para cobrir a área petrolífera, porque foi lá que eu comecei a cobrir a Petrobras, para onde entraria anos depois, já com 50 anos.
CASAMENTO E FILHOS
Daqui do Rio de Janeiro, eu ajudava a minha família mandando sempre dinheiro para eles. Quando eu me casei, me dediquei praticamente à nova família. O casamento foi o seguinte: eu aluguei um quarto de empregada no Flamengo, na Rua Marquês de Abrantes. O dono do apartamento tinha uma irmã que tinha mais ou menos a minha idade e nós começamos a namorar. De repente, o namoro evoluiu e nós casamos, morando num apartamento de três quartos, com todo o conforto, quer dizer, a minha vida se transformou. O nome dela era Assucena de Araújo Pinto. É o nome de uma flor: Assucena. Ela já faleceu, mas essa parte já é uma outra história... Só para terminar, eu me casei, fiquei morando com eles, depois partimos para o nosso apartamento alugado. Mais tarde, eu compraria um próprio. Nasceram nossos três filhos: Marcos, Fábio e Lúcia.
A Assucena era técnica de laboratório e ela me ajudou muito a comprar o primeiro apartamento, na Ubaldino do Amaral, no Centro do Rio. O Globo, na ocasião, até me ajudou porque tinha interesse que eu morasse perto do trabalho, e me financiou a entrada do apartamento.
MÃE E IRMÃOS
Com relação à minha família no Pará, eu continuei dando apoio financeiro, mas a minha mãe resolveu vir para o Rio, depois todos os irmãos vieram também. Lá em Belém ficaram só os primos. Minha mãe veio para o Rio e foi morar com meu irmão que era gráfico linotipista – eu tenho um irmão que herdou a profissão do meu pai e que hoje já está aposentado, com 72 anos. Então vieram todos para cá, cada um morando numa parte, Realengo e Niterói... Eles vieram aos poucos, um puxou o outro. Eu sempre disse que não deveriam vir, não era por egoísmo, mas devido à dificuldade que eu passei aqui. Eu tinha momentos de chorar de saudade da família, de querer voltar, mas eu agüentei firme até superar essa saudade, eu chorei muitas vezes no bonde, à noite, de saudade da minha família, mas eu pensava: “Eu vou ficar aqui para fazer minha carreira profissional...”
Todos estão aí e eu tenho ajudado meus irmãos. Um deles é comerciante, eu dei até dinheiro para ele montar um negócio e ele está bem, tem uma casa de plásticos em Realengo. Tem outro que é do Exército e já está reformado, o Fabiano, e uma irmã que não faz nada, está com 60 e tantos anos.
AVÓ
A vovó não veio, ela faleceu antes da vinda da família. Eu soube que ela morreu falando o meu nome. Essa realmente foi a avó, eu tenho o máximo do carinho por ela. Interessante porque esse amor por ela ocorreu agora na maturidade, não foi sempre assim... Eu era um neto levado com ela, e o amor mesmo eu comecei a sentir depois dos 50 anos. Curioso isso... Eu falo muito isso porque foi um negócio notável, como é que a distância da minha avó fez surgir um sentimento tão forte. Eu era levado, não dava muita bola ...
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / DIÁRIO CARIOCA, RÁDIO NACIONAL E TV EXCELSIOR
Antes de chegar ao Globo, passei também pelo Diário Carioca, pela Rádio Nacional, pela TV Excelsior... A TV Excelsior veio com força total, como uma expressão do jornalismo moderno, com o Fernando Barbosa Lima, filho do presidente da Academia Brasileira de Letras. O Fernando montou uma equipe, Hélio Polito e Borjalo, grandes nomes e inovou na televisão. A TV Excelsior veio com uma nova proposta de comunicação e eu fiz parte dessa equipe, até porque eu era amigo do Fernando Barbosa Lima, trabalhamos juntos, ele é mais novo do que eu pouca coisa. A TV Excelsior era notável, só dava matérias de primeira e não tinha nada de denúncias também. O jornalismo mudou muito, hoje o jornalista é quase um policial e na época não era permitido fazer denúncias sem provas.
Trabalhei como repórter também. Apurava matérias e íamos para a TV Excelsior fazer o programa. Foi uma experiência notável, porque na televisão o impacto é na hora, como o rádio. No jornal você escreve uma matéria, vai ler, vai comentar...
A Rádio Nacional também foi uma boa experiência; foi pouco tempo, mas foi uma boa experiência. Agora, o Diário Carioca já foi um estilo de jornalismo com lead. Lead é o principal: “o que, como, onde”, bota tudo na cabeça. O Diário Carioca criou esse estilo jornalístico que hoje já está superado; hoje você lê uma notícia dando ênfase ao “quando” e o lead é o ingrediente de quando, onde, o que, por que, e fazer um lead com todos esses ingredientes fica enorme e sem pontuação, enfim, está superado.
O jornalismo vai mudando, talvez daqui a 20 ou 40 anos, volte tudo de novo, assim como os cabeludos. No século passado, todo mundo era cabeludo, e eu pensava que não fosse uma novidade, nada disso. No meu tempo de repórter do Globo só se assinava matéria quando ela tinha um cunho altamente relevante, era algo fora do comum. Hoje a exposição dos repórteres na mídia é total, uma exposição demasiada. Por exemplo, a Petrobras produz um release e manda para os jornais, Chega a repórter Maria de Assis e assina Eu já vi releases da Petrobras assinados por repórteres na Gazeta Mercantil, nesses jornais, já vi Quer dizer, os jornais pagam o salário psíquico, porque o repórter ganha pouco e ganha na promoção do nome. O sindicato sabe disso, mas não faz nada. Eu faço parte do sindicato de jornalismo, participei inclusive da Comissão Nacional de Ética, fui eleito e defendi o salário real. Quer dizer, essa parte do psicológico, de botar o nome do repórter 40 vezes no jornal e pagar um salário muito baixo e o repórter ficar satisfeito porque o ego dele está lá em cima... Eu já passei por isso também, eu também pensava que eu era o máximo.
VIDA DE REPORTER
O jornalista é uma pessoa que acaba conhecendo de tudo um pouco. Por exemplo, eu fui repórter de polícia na Tribuna da Imprensa, foi um impacto na minha vida, porque chegar de madrugada, ver cadáveres no chão como eu vi, ver um suicídio de um diplomata que tinha cortado a carótida de madrugada, sangue no apartamento por todo lado... Ver engavetamento de trem na Central, um trem entrou através do outro, aquela montanha de corpos dilacerados... Desastre de avião... tudo isso me chocou profundamente.
Depois fiz reportagem geral, isto é, o dia-a-dia normal da vida, uma matéria de serviços, uma entrevista sobre os hobbies do presidente da Petrobras, etc. Na época da ditadura me botaram para fazer a área militar, realmente uma área perigosa em que temos a nossa vida vasculhada. Eu fiz o noticiário militar, ia a uma solenidade da Vila Militar, tinha contato com o general, com o chefe da brigada, que pode ou não ir com a nossa cara. Às vezes, eu ia lá para saber como é que estava o equipamento dos pára-quedistas, ou o orçamento do Exército, a manutenção das forças armadas. Eu fiz isso no Globo durante algum tempo.
REPORTAGEM POLÍTICA - JK
Em seguida, cobri política – isso quando a Câmara dos Deputados era aqui no Palácio Tiradentes. Eu trabalhei com Nertan Macedo, que foi um grande cronista político e autor de vários livros. Éramos eu e ele no Palácio Tiradentes, para entrevistar Fernando Ferrari, Luiz Carlos Prestes... alguns nomes importantes. Outra coisa que marcou a minha vida foi o Juscelino Kubitschek. Quando eu estava na Tribuna da Imprensa, é bom que se diga isso, eu era o mais novo da turma, quando o JK convidou os jornalistas para visitarem o Catetinho –Brasília estava sendo construída. A Tribuna da Imprensa era do Carlos Lacerda, um gênio do jornalismo. O Lacerda atacava o Juscelino, o chamava de cafajeste. Eu fui como Tribuna da Imprensa nessa caravana. No Catetinho, que não era palácio ainda, o Juscelino recebeu a comitiva de jornalistas, inclusive eu que era o mais novo, com 20 anos de idade. E nos apresentaram: “Esse aqui é o Diário Carioca, esse é O Globo, esse é Jornal do Brasil e esse é da Tribuna da Imprensa.” O Juscelino perguntou:“Você é da Tribuna da Imprensa?” Eu disse: “Sou.” E o JK: “Então sente aqui ao meu lado.” Eu sentei ao lado dele e ele continuou: “Eu faço questão, porque você não tem nada com isso, mas faço questão que você sente ao meu lado.” Eu sentei ao lado dele, a TV em preto e branco fez as imagens e eu gostaria de ter guardado... isso deve estar em algum arquivo. Eu tinha 20 anos, e me marcou bem o fato do Juscelino Kubitschek ter falado comigo, eu me lembro da voz dele; ele era encantador. Foi um acontecimento que me marcou a minha experiência de jornalista.
REPORTAGEM POLÍTICA – PINOCHET
Entrevistar o Pinochet, no Chile também marcou a minha experiência de jornalista. No Globo ninguém queria entrevistar o Pinochet. Eu tive alguns desafios na minha vida profissional, e esse foi um deles porque ninguém queria ir. Eu disse: “Eu vou entrevistar o Pinochet”. E fui, mas me deu um trabalho tremendo. Cheguei lá e turma da censura do Pinochet dizia: “Essa pergunta é inconveniente”, “inconveniente, inconveniente”. Eu fiz a entrevista dele porque era do interesse do Roberto Marinho, recomendada por ele. O presidente Pinochet era um homem simpático, realmente simpaticíssimo, e a primeira coisa que ele me disse quando fui recebido, foi: “Olha, o doutor Roberto Marinho ajudou muito o Chile a fazer essa revolução.” O retrato do Reagan estava na parede, ao lado do libertador do Chile e ele disse: “Agradeço muito ao Roberto Marinho.” Foi quando eu soube que a Globo participou daquele golpe contra o [Salvador] Allende. Ao sair da entrevista com o Pinochet, a imprensa estava toda na ante-sala e começou a me entrevistar e eu disse: “O presidente é um homem simpático.” E me questionaram: “Mas como? E a abertura?” Tudo bem. No dia seguinte estava nas manchetes: “Periodista brasileño elogia Pinochet”. Eu disse: “Pôxa, eu não elogiei coisa nenhuma.” Ainda pior, veicularam coisas que eu não falara, como: “Periodista brasileiro anuncia visita de Geisel ao Chile.” Uma porção de mentiras... Eu procurei desmentir e a área de segurança do governo chileno, estava no hotel e foi me procurar para dizer que eu não devia desmentir coisa nenhuma. Era uma ditadura forte. Quando cheguei no Rio achei que seria demitido, mas nada disso, me disseram que o regime lá era assim mesmo. Isso foi uma experiência no Globo.
O GLOBO – COBERTURA DA PETROBRAS
Na época que eu estava no O Globo, a Petrobras era uma empresa muito fechada, afinal estávamos na época do regime militar. A Petrobras não dizia nada das suas atividades, só dizia por informativos oficiais e, no entanto, a economia estava em plena efervescência. Os jornais só publicavam coisas de economia; política era somente uma paginazinha. O Globo resolveu criar uma editoria de economia que contemplasse todos os seguimentos da indústria brasileira. A Petrobras surgiu como a empresa mais importante e o Globo queria uma cobertura de suas atividades. Testou vários repórteres junto a Petrobras para conseguir notícias, mas ninguém conseguia. Até que chegou a minha vez e eu fui, mas foi mais um desafio na minha vida profissional. A Petrobras não dizia nada e me recomendaram “Você tem que entrevistar diretores, presidentes, descobrir coisas lá.” Tudo bem, comecei a cobrir a Petrobras e tive sorte porque outros jornais também estavam no mesmo dilema, querendo divulgar a Petrobras sem conseguir. Resultado, fizemos um “pool” de uns quatro ou cinco jornalistas. Resolvemos fazer assim para sobreviver, para garantir o nosso emprego e conseguir notícias da Petrobras, porque naquela época, ou hoje mesmo, o repórter que não leva notícia para os jornais, acaba sendo demitido por incompetência, por uma série de fatores, por falta até de sorte. Não foi o meu caso.
Comecei a vir diariamente à Petrobras, nos anos 60. Lembro-me perfeitamente que a produção da Petrobras na época era 160 mil barris por dia, em declínio. E deu certo, nós fomos abrindo, fomos conseguindo fazer amizades com diretores aqui, ali, perseguíamos diretores da Petrobras na rua. Quando nós víamos um diretor na rua, o seguíamos para pedir alguma notícia; houve diretor que entrava em banheiro de botequim para se esconder de nossa insistência. Houve até um fato prosaico de um diretor, o Walter Marinho, que uma vez fugiu da gente. Mas, de qualquer maneira eles davam notícias. O assessor de imprensa da Petrobras era o Celso Mansur, que está aposentado, inclusive trabalhando no Edise. Já que não tinha matéria sobre a atividade da Petrobras, pelo menos repórteres faziam cursos, assistiam uma palestra sobre o que era a atividade de petróleo, como se fazia um poço, como as primeiras plataformas iam atuar, os tipos de plataforma, etc. Nós acabamos fazendo notícias de como é feita uma perfilagem num poço de petróleo e aprendemos muito. Já que não tinha notícia nós escrevíamos: “A Petrobras está fazendo a perfilagem de um poço. O que é perfilagem? Perfilagem é a fotografia interna com canhoneiro nos intervalos, rocha porosa, arenosa, não sei o quê...”.
Todos os repórteres dos anos 60, começaram a se especializar em como era exercida a atividade petrolífera da Petrobras aqui no Brasil, e com isso, nós fomos abrindo fontes. Alguns diretores e superintendentes nos atendiam, mas não podíamos dizer seus nomes; então, as notícias eram no estilo: “Segundo uma fonte da Petrobras...” , “Fontes fidedignas informaram ontem...” , “Fontes geralmente bem informadas...”. Era meio esquisito, mas era assim que funcionava. Lembro-me bem quando a Petrobras perdeu para o Iraque o poço gigante de Majnoon, e o Saddam Hussein tomou da Braspetro, um poço de 14 bilhões de barris, nem todo mundo soube em primeira mão, mas as primeiras notícias foram: “Fontes indicam que a Petrobras vai perder o poço.” Ou quando a primeira torre de Garoupa afundou, foi dito assim também: “Afundou a torre de Garoupa”, um negócio que não podia afundar, mas afundou e seria rebocada.
Sempre tivemos fontes, então, eu, Nelson Lemos e Aloísio Maranhão – editor da revista Época hoje – dividíamos a matéria, quando conseguíamos. O nosso êxito se deveu a isso também. Quando um de nós três conseguia uma matéria, por amizade própria com o diretor, ou com um superintendente, nós não veiculávamos a matéria toda. Por causa da dificuldade na Petrobras de conseguir matérias, nós dávamos só uma parte da matéria e deixávamos o restante para o dia seguinte, porque teríamos dificuldades em manter aquele noticiário. Assim, dividíamos em até três partes a mesma matéria. E todo mundo pensava que era o “ovo de Colombo”: “Como é que vocês conseguem isso, todo dia vocês conseguem uma matéria.” Mas nós conseguíamos a matéria num dia só e dividíamos em várias partes. Tínhamos essa estratégia que deu certo; depois houve a abertura da Petrobras, e eu entrei. Quando houve uma abertura melhor ainda, eu já estava aqui dentro.
INGRESSO NA PETROBRAS
Eu já era conhecido aqui dentro, eu saí do Globo porque eu cheguei com uma matéria e aconteceu o seguinte: um dos chefes disse: “Isso aqui é mentira, você está fazendo lobby dessa empresa”. Esculhambou mesmo; um tal de Celso Itiberê. Então, eu disse que não trabalhava mais lá e pedi a minha demissão. Depois, para não perder o fundo de garantia, eu fui lá novamente para pedir que me demitissem. Passaram-se 20 dias até eles me demitirem, e eu reaver o meu fundo de garantia. O pessoal da Petrobras já estava sabendo, tinha um processo seletivo aqui dentro – não é como hoje, que vêm 100 mil candidatos. Era um processo seletivo que pouca gente se interessava; curioso Fiz esse processo seletivo, fui aprovado, eu e uns outros. Era especificamente para assessoria de impressa.
Hoje tem uma série de restrições, por exemplo, dentro da empresa um profissional tem que pedir demissão para participar de outro concurso. Há uma série de restrições aqui dentro que não tinham. Eu passei no concurso pois eu conhecia tudo sobre a Petrobras. Na banca examinadora, eu fiz até uma palestra sobre a empresa. Passei em tudo, mas quando chegou a hora do exame médico, eu pensei que não ia passar, por que nunca tinha feito – o Globo não investia nos seus empregados. Eu sei que passei, foram 14 exames. Ao me apresentar à direção para assumir, a divisão de informações disse que o meu nome estava vetado por me julgarem comunista.
Isso foi em 1985, e foi com a maior tristeza que recebi essa notícia, dada pelo assessor de imprensa da época, o César Francisco Alves. Ele disse:“Não posso fazer nada por você, Pinto.” Tudo bem. Aconteceu que o Hélio Beltrão assumiu, mandou arquivar o meu processo e me admitir. Já havia outros jornalistas vetados anteriormente, por terem militado no Partido Comunista. Eu não militei, apenas assinei um manifesto em prol de Cuba. Só isso, não fiz parte do Partido Comunista. Eu entrei para o partido socialista da época e só. O Hélio Beltrão mandou me admitir, no dia 19 de junho de 1985. Quem me deu essa notícia foi o superintendente Guilherme Duque Estrada, que faleceu agora nesse acidente da Tam. Eu rendo homenagem a ele, rendi outro dia, sabendo inclusive que iria dar esse depoimento e falaria o nome dele, já que foi ele que me deu essa notícia. Assim como tive a minha maior tristeza ao saber que eu tinha sido vetado pelos órgãos de informação, eu tive a maior alegria ao saber que o presidente Hélio Beltrão havia mandado arquivar e me admitir. Foi assim que eu entrei na empresa.
ASSESSORIA DE IMPRENSA
Entrei como assessor de comunicação social – título que mudou – ligado à área de assessoria de imprensa e à comunicação como um todo. O chefe da assessoria de imprensa era Gilberto Naum. O gerente da Comunicação era o Duque Estrada.
De 1985 a 1991, eu trabalhei na assessoria de imprensa, como técnico de Comunicação Social. Em 1991, o chefe da assessoria de imprensa era o Gláucio Heemann, que está trabalhando na gerência de imprensa hoje, como aposentado. O Gláucio era da Interbrás, cedido à Petrobras. O Collor tinha extinto a Interbrás e o Gláucio foi compelido a se aposentar. Ele me perguntou: “Pinto, você gostaria de ser chefe da assessoria de imprensa?” Com a maior sinceridade e até com a maior espiritualidade, eu disse: “Olha, não sei, Gláucio”. “Tudo bom”. O Gláucio saiu e voltou: “Pinto, vem aqui na sala do superintendente.” Quando eu cheguei, lá estavam todos os chefes da área de comunicação e o gerente principal, o Carlos Leonan, então superintendente da comunicação: “Olha, você foi escolhido o novo assessor de imprensa, no lugar do Gláucio.” Não havia outra solução.
Eu era o assessor de imprensa da Petrobras, quase como um porta-voz. Só havia um assessor, o restante não deixavam de ser assessores, mas no sentido genérico da palavra porque o nome do cargo era técnico de comunicação; assessor é um só. Quando assumi, o presidente da Petrobras era o [Luis Octávio da] Motta Veiga, e era o Governo Collor.
COTIDIANO DE TRABALHO
Várias coisas me marcaram porque foram dez presidentes com quem eu convivi. Eu conheço a história de todos eles, o perfil de cada um, inclusive na intimidade. Eu trabalhava diretamente ligado ao presidente. O meu maior desafio foi quando eu fui ao Palácio do Planalto, já no Governo Lula, fazer um contato com o ministro Luiz Gushiken para oferecer o nosso plano de crise e acertar um convênio com o Palácio do Planalto para treinar os ministros do governo “como falar com a imprensa” e nós fizemos isso.
O mídia-training é uma espécie de seminário que dura de um a dois dias, para um grupo ou uma pessoa. Ensina como se deve falar com a imprensa, desde a postura na televisão, até a maneira de se referir ao repórter que está entrevistando e saber negociar antes da entrevista o que ele vai perguntar. Claro que sabemos tudo isso, mas se contratava uma empresa especializada, que nesse caso era a do Nelson Lemos. Primeiro fazem uma entrevista com perguntas capciosas, tem várias armadilhas e a pessoa vai respondendo. Depois escrevem a entrevista e lêem para a pessoa perceber os erros em que incorreu. Um exemplo: alguém é gerente do Recursos Humanos, então só tem que responder sobre recursos humanos, mas de repente perguntam: “Ô, fulano, eu queria a sua opinião sobre o próximo aumento da gasolina.” Isso é uma armadilha porque se responder a pessoa está reprovada, já que opinou fora da sua área de trabalho.
Outra gafe é pedir para rever a matéria que o repórter vai escrever. Isso pode até ser feito, mas se tiver muita intimide com ele, porque é uma situação inadequada para o repórter; ele não admite que corrijam a sua matéria. O repórter é um cara atrevido, bisbilhoteiro, mal-educado, educado, amigo, inimigo... Ele é tudo isso, mas ele quer defender o trabalho dele, então, quando ele vai entrevistar alguém, vai tirar o máximo da pessoa, com o máximo de impacto. Mesmo a reportagem estando voltada para o lado bom, o que dá mais “ibope” perante a opinião pública é sempre o lado negativo. É da natureza humana dar maior atenção aos fatos negativos, então, qualquer executivo da Petrobras, que tem um nome apelativo, com grande assédio popular, tem que se salvaguardar. Todo mundo lê sobre a Petrobras, fica encantado, até porque a empresa virou modelo nacional, ao longo de todos esses anos. As matérias sobre a Petrobras serão lidas e o impacto é maior se a notícia for ruim; tanto é assim, que quando algum empregado da Petrobras comete um deslize e aparece no plano policial, logo sai: “Empregado da Petrobras, fez isso.” O executivo da Petrobras não está infenso a essas armadilhas dos jornalistas, que fazem perguntas capciosas e o midia-trainning era para salvaguaradar.
Eu tinha tido a experiência de estar do outro lado também. O lado do jornalista é o balcão. A imprensa é um balcão e a Petrobras está do outro lado. Eu participei de uns cursos de assessoria de imprensa que diziam que as assessorias de imprensa de empresas como a Petrobras e a Vale do Rio Doce são extensão da redação. Mas eu discordo e já há um consenso nisso; nunca vai ser a mesma coisa por causa dos interesses dos grupos econômicos na imprensa, interesses do negócio das empresas. A assessoria de imprensa da Petrobras nunca vai ser a extensão da redação do Globo. É até uma utopia.
O midia-trainning tem por fim treinar os executivos para não dizerem coisas que vão se arrepender. Por exemplo, o off the record é quando se diz: “O Presidente da Petrobras vai visitar o Kirchner [presidente da Argentina Nestor Kirchner] para oferecer barris de petróleo a preço dos hermanos.” Aí você falou em off, mas, o que vai acontecer? Um belo dia, o repórter vai dizer que você declarou aquilo que dissera em off. Se o chefe dele lá no Globo pressionar: “Eu não posso dar essa notícia sem saber quem disse isso.”, o repórter não vai livrar a cara do entrevistado, ele vai dizer quem foi. Você vai desmentir? A pior coisa é desmentir a notícia, porque já foi. Não tem como.
Tem uma série de coisas para lidar com a imprensa. Esse treinamento é importante, nós fizemos o treinamento com os ministros Luiz Gushiken, Patrus Ananias e com o Aldo Rebelo, ex-presidente do congresso, e outros dez ministros, levando o know-how que nós tínhamos desenvolvido aqui. Essa empresa que nós contratamos para fazer o treinamento recebe os nossos inputs: “Olha, a Petrobras é assim...” Eles fazem o curso de acordo com as nossas necessidades. A Petrobras é uma empresa hierarquizada, então, eu não posso, como gerente de imprensa, falar sobre recursos humanos....
ASSESSORIA DE IMPRENSA ESPECIAL
Quando a Petrobras foi criada, a área de imprensa – porque os nomes assessoria de imprensa e gerência de imprensa são nomes formais – foi colocada no bojo da comunicação, tudo no mesmo saco: propaganda, patrocínio, marcas, imprensa... No Governo Collor, o jornalista Rogério Coelho Neto, por sinal meu amigo, colega de trabalho no Jornal do Brasil, foi indicado para ser o superintendente da Comunicação Institucional, hoje gerente-executivo. O Rogério esteve como superintendente, o “gerentão”, e me conservou na área de imprensa como chefe. Só que o Collor renunciou ameaçado pelo impeachment e o Rogério ficou marcado por ter sido indicado pelo Collor. Ele ficou numa situação difícil porque não queria pedir demissão – como a maioria dos gerentes não pede demissão. Então o que a alta-direção da empresa fez? Elevou a assessoria de imprensa à categoria de órgão especial, diretamente subordinado ao presidente, fazendo parte da alta-administração. Botaram o Rogério nessa nova assessoria de imprensa. Eu, que era assessor de imprensa, perdi o cargo e o Rogério passou a ser o assessor de imprensa da Petrobras, enquanto o Duque Estrada voltou a ser o superintendente da Comunicação. A assessoria de imprensa passou a frequentar a reunião do Grupo 1 – era um grupo formado pelos diretores e principais gerentes e chefes, num total de 40 pessoas, que não existe mais. O Rogério ficou seis meses no cargo, e quando o [Joel Mendes] Rennó assumiu, pediu a posição. O Rogério me falou: “Olha, Pinto, o presidente Rennó pediu o cargo e indicou você para me substituir.” Então foi isso, eu agradeci ao Presidente Rennó e assumi a assessoria de imprensa nesse novo status.
Continuei na assessoria de imprensa como um órgão especial ligado ao alto comando. Só que houve uma reestruturação, e o presidente Rennó achou por bem, cessado o fato político do Rogério, voltar a assessoria de imprensa para a Comunicação Institucional. Eu fui surpreendido, só soube dessa reestruturação na véspera, e era bom a assessoria de imprensa estar ligada diretamente ao presidente. Não pelo status, mas pela velocidade do atendimento aos jornalistas. Então, voltamos a ser subordinados à gerência de Comunicação Institucional. Depois é que mudou o nome, todas as áreas passaram a ser gerências. A assessoria de imprensa passou a ser gerência. Mas foi depois, numa outra reestruturação.
CRISES
Uma crise institucional significativa foi a quebra do monopólio, porque houve uma campanha de desmoralização da Petrobras capitaneada pela revista Veja. Me perdoem os meus companheiros de profissão, mas a Veja arrebentava a Petrobras, uma desmoralização total, dizendo que a empresa era incompetente, etc. Como assessor de imprensa, eu estava muito mobilizado porque chegava na minha mesa e tinha várias cartas para fazer desmentindo as injustas acusações, mas não adiantava; eu desmentia e eles vinham para cima, até com ameaças à minha permanência como assessor. Como eu respondia a tudo, numa reunião do Grupo 1, eu propus o seguinte: que nesse período que tentavam desmoralizar a Petrobras por causa da quebra do monopólio que estava querendo acontecer, cada gerente, cada chefe de área respondesse todos os assuntos que envolvessem a sua área. Se cada responsável de área respondesse às críticas e não apenas eu, teríamos mais chances de nos defender, já que eu entendia de comunicação, mas não entendia das octanas, então, quem deveria responder sobre a qualidade ruim da nossa gasolina, quando a imprensa dizia isso, era a chefia da área de refino. Esse negócio pegou e foi uma boa para a Petrobras, porque tinha mais argumentos e credibilidade devido ao respaldo técnico.
Com a quebra do monopólio, a Petrobras teve que se ajustar à nova realidade; antes a empresa era onipotente, onisciente e onipresente, porque a Petrobras foi a filha dileta da ditadura, era intocável, podia tudo. Ela nasceu no regime democrático, em 1953, mas depois foi tomada pela revolução. A Petrobras teve que se ajustar à nova realidade com a quebra do monopólio, então, daí veio a incorporação de conceitos e valores como governança, responsabilidade social, meio-ambiente e a abertura para a imprensa. A abertura para imprensa, eu considero que vai ter sempre um limite, porque a Petrobras é uma empresa de negócio e enquanto negócio não pode abrir tudo, fica impraticável, porque vai perturbar negociações, como já perturbou no passado. A Petrobras vai ter sempre essa visibilidade. A Petrobras é uma empresa de energia com mil negócios pelo mundo todo.
Outro fato de impacto, além da quebra do monopólio foi operacional. A quebra do monopólio foi institucional e o afundamento da P-36 foi operacional. Foi uma comoção geral e, realmente, a imprensa cobrava de todo lado. Foi aí que a área de imprensa abriu oportunidade para a inauguração do nosso noticiário on-line. Durante essa crise da plataforma, nós estávamos constantemente veiculando notícias através do site da Petrobras, informando sobre o assunto. Foi uma inauguração um pouco dramática, porém muito importante para o aprimoramento do relacionamento da Petrobras com a imprensa. Petrobras on-line – que agora virou Notícias da Petrobras On Line, algo assim – nasceu na nossa gestão e a partir dessa crise. Através do banco da imprensa que foi extinto pelo novo gerente – coisas de quem assume e considera que o passado deve morrer um pouco... só que às vezes os frutos são bons.
BONS MOMENTOS
A alegria é grande quando há descobertas de petróleo; isso sempre foi motivo de muita alegria. Quando, por exemplo, o campo gigante de Marlim, ou de Roncador foram descobertos e suscitavam entrevistas do diretor de produção sobre aquele assunto; continua a dar, mas um campo gigante realmente é coisa rara hoje no mundo. Campos gigantes só mesmo em águas profundas, onde a Petrobras tem a liderança.
VISÃO DA PETROBRAS
Minha visão da Petrobras não mudou desde aquela época que eu cobria a empresa como repórter. A Petrobras mantém uma imagem desde quando era repórter do Jornal do Brasil e do Globo. Quando tinha alguma matéria que tangenciava a Petrobras, eu achava uma boa, porque o meu olhar para a Petrobras era um olhar de empresa modelo, onde todo mundo queria trabalhar, e que todo mundo tinha orgulho. Até hoje perdura essa imagem, com a juventude achando que a Petrobras é a empresa dos sonhos, nas últimas pesquisas. Agora, a minha imagem mudou para melhor, porque eu tinha muita reserva em relação a empresas estatais e assessorias de imprensa de empresas, e acabei vendo que é melhor do que eu imaginava. Aqui dentro, nós nos enriquecemos dia-a-dia, não termina o conhecimento nunca. Eu trabalhei na empresa privada durante 25 anos antes de vir para a Petrobras e a empresa privada nunca investiu em mim. Aqui eu fiz vários cursos: marketing avançado, curso de petróleo, esse curso de perfilagem na comunicação, assessoria de imprensa, recursos humanos... Isso era incentivado, sempre teve uma série de cursos, em que através do treinamento, nós escolhemos o desenvolvimento da nossa carreira. Por exemplo: comunicação de oportunidades, conflitos gerenciais, comportamento humano, ambiência, cursos de meio-ambiente aqui dentro e não termina nunca porque sempre há fatos novos e a empresa é muito dinâmica.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Hoje eu estou como consultor de negócios e estou incumbido de fazer um texto, que já está bastante longo, sobre o relacionamento da Petrobras com a imprensa, desde a criação da empresa. Eu entrevistei todos os assessores responsáveis pela área específica da imprensa e verifiquei, curiosamente, que todos eles eram jornalistas de formação. Curioso, não há nenhum analista de sistema, economista ou psicólogo comandando a área da imprensa, como ocorre em outras funções, até pelo ecletismo da Petrobras. Na área de imprensa só teve jornalista.
O material que está sendo produzido vai originar alguma publicação, não diria um livro, mas o texto poderá ser ampliado. Eu estou sabendo que há um projeto para fazer um trabalho sobre a comunicação como um todo, e a parte da imprensa entraria como um apêndice.
MUDANÇAS NA PETROBRAS
A mudança foi a abertura da Petrobras, com a quebra do monopólio. A Petrobras era realmente muito fechada, hermética, mas hoje atende a qualquer pedido da imprensa. A gerência de imprensa atende a qualquer pedido com a maior rapidez, só que existe um patamar da hierarquia e, se a imprensa fosse ligada diretamente ao presidente, teria maior rapidez.
A Petrobras também convida a jornalistas, aliás, desde todos os tempos foi assim, sempre convidou jornalistas para visitarem as suas instalações, explicar as atividades e etc. Há uma abertura notável na Petrobras nos últimos anos. Tanto que os jornalistas nem vão mais na Petrobras pessoalmente. Há anos atrás os jornalistas iam em bloco, inclusive no meu tempo de repórter, eram mais de dez diariamente lá. Hoje é tudo pelo telefone, o presidente atende tranquilamente os repórteres, os diretores atendem sem protelação, existe uma maior confiança. Claro, sempre vai haver alguma coisa que impacta a Petrobras e a imprensa quer noticiar o que mais impacta a população.
O que permanece é que a Petrobras para mim sempre foi um modelo. A partir da Petrobras qualquer empresa pode fazer um plano de comunicação, para ter um estilo de governança responsável, para estabelecer uma política de meio-ambiente, uma política de recursos humanos, de valorização do RH. Então, a Petrobras é um modelo: o que a Petrobras fizer, pode dar certo para a outra empresa. Essa é a minha opinião, o que ficou em mim. Pode dar certo desde que ajustado, pois uma empresa de pequeno porte se ajusta àqueles paradigmas da Petrobras, que podem ser mudados também; paradigma não é eterno, muda. É um modelo.
HISTÓRIAS/ CAUSOS/ LEMBRANÇAS
Tem muitas histórias interessantes. Eu preferia falar do perfil de alguns presidentes, porque têm alguns fatos interessantes. Foram várias convivências agradáveis nesses dez anos, mas o que me marcou mais, porque eu convivi muitos anos foi o presidente Joel Mendes Rennó. Uma de suas características – eu anotei mais de 200 entrevistas com ele e fiz até um roteiro chamado “dois mil dias com Rennó” – é que ele tinha coisas engraçadas, era exigente, mas brincalhão. Uma das coisas engraçadas é que ele dava entrevistas, e dizia que a Petrobras era espantosa, mas, de repente, interrompia, espantava o repórter, dizendo assim: “Mas você pensa que a Petrobras é essa maravilha que eu estou te dizendo? Não, tem uma série de coisas ruins.” Ele fazia para desconcertar, causar um certo impacto no repórter, porque ao dizer isso ele dizia também que a Petrobras tinha os seus erros e tinha algumas coisas para melhorar. Costumava dizer também que o gerente tinha que fazer jus ao seu salário e quando tinha uma coisa difícil para fazer ele sempre dizia: “Você ganha para isso, eu quero risco zero.” Ele sabia que não há risco zero, mas ele dizia para fazerem o melhor. Realmente, com a sua gestão veio uma nova mentalidade da Petrobras, com a quebra do monopólio, no sentido de fazer o máximo, procurando a perfeição, mesmo sabendo que a perfeição não existe. O presidente Rennó primeiro ficava formal na entrevista, depois ele brincava com o repórter, dizia que era vascaíno, contava a primeira vez que foi a um jogo do Vasco com o tio e me contava coisas muito interessantes. Tive outros contatos; o presidente [Henri Philippe] Reichstul era um homem elegante e ficou profundamente impactado com o afundamento da plataforma P-36.
Eu conheço presidente lá de trás, conheci como repórter: o general Araquém de Oliveira, o Carlos Sant´Anna... Mas o mais marcante foi o Rennó porque eu trabalhei com ele muito tempo e ele me disse quando me convidou para o cargo: “Quero que você trabalhe um tempinho comigo.” Eu tinha um diário e registrei esse episódio. Eu até perguntei para ele: “Tempinho de quanto?”, e ele respondeu: “ Uma semana está bom.” Só que essa semana foram sete anos. Nunca perguntei para ele porque ele mudou de idéia, eu sei que fui ficando. Ainda peguei o [Henri Philippe] Reichstul, o [Francisco] Gros, o Dutra [José Eduardo de Barros Dutra] e agora o [José Sergio] Gabrielli. Eu saí há um ano e meio, no final de 2005.
FAMÍLIA
Minha esposa faleceu; ela ficou doente durante muitos anos. Tinha um problema psicológico grave e era asmática; acabou morrendo. Eu já estava praticamente separado, muito embora ela fosse uma irmã muito querida. Ela era esquizofrênica, e botou todo mundo para fora de casa, mas com amor e carinho da família, ela sobreviveu durante alguns anos. Uma pessoa que serviu de enfermeira lá em casa, por causa do próprio problema familiar, acabou se tornando a minha segunda mulher. O nome dela é Creusa da Silva Chagas, e se tornou Creusa das Chagas Pinto. Nos casamos há três anos. Realmente, ela me deu o suporte necessário para eu conviver com a situação durante 29 anos. Minha esposa doente, sendo internada, não querendo mais ver a família, agredindo todo mundo.... Os meninos estão bem, apesar desse drama. Depois eu tive mais dois filhos com a Creusa. O Daniel, que é estudante de comunicação, e a Viviane, que não está fazendo nada atualmente, está procurando emprego. Então eu tenho cinco filhos. Tenho três netos, com 17 e 18 anos. Eu me casei cedo, com 22 anos, mas os meus filhos casaram tarde e os meus netos estão aí... Tanto que meu filho Daniel é mais novo do que o meu neto. Quer dizer, o sobrinho é mais velho do que o tio. Uma embaralhada.
LAZER
Atualmente, eu estou muito ligado à ecologia, à natureza. Aquele sonho da vida, eu comprei um terreno em Araruama onde tenho uns três lotes de terra e uma casa que eu construí, estou terminando agora. Eu conservei uma mata nativa da restinga de Araruama; aquilo é uma beleza. Então, eu próprio estou semeando as sementes nativas e estou plantando, mas algumas nascem e outras não. Mexer na natureza é difícil: para conseguir um pé foi um sufoco; durante nove anos eu não consegui nenhuma muda de uma planta em extinção na Região dos Lagos, que é o camboim. O camboim é uma planta docinha que é remédio para várias doenças e também botam na cachaça. No passado, eu gostava de tomar uma cachacinha, mas botam na bebida o camboim, quando é um desperdício Camboim serve para várias doenças. Agora, eu estou tentando plantar e não nasce, não nasce. Está em extinção, me disseram. O Ibama esteve lá, fazendo uma filmagem desses exemplares de camboins que eu conservei no terreno. O meu hobby principal é esse.
VISÃO DA PETROBRAS
Eu gostaria de dizer que a Petrobras, realmente, transformou a minha vida. Eu entrei para a Petrobras com 50 anos e até entrar, com a minha ex-esposa doente, eu não tinha perspectiva nenhuma de uma vida de qualidade para o futuro. Nesses 22 anos que eu estou na Petrobras, eu consegui melhorar a minha qualidade de vida, minha saúde, fazer, reconstruir a minha família diante do problema da minha primeira esposa e estabelecer o meu sonho de vida que é uma casa num lugar tranqüilo, no meio da natureza. Obrigado
PROJETO MEMÓRIA
O Projeto Memória é o resgate do conhecimento da vida, da experiência, que não estava sendo devidamente tratado pela Petrobras, isso se deve a nova mentalidade que foi implantada na empresa. Eu quero até nomear o nosso gerente-executivo Wilson Santa Rosa, que num dos primeiros contatos que tivemos, quando ele assumiu o posto, ele estava falando sobre o Projeto Memória Petrobras. Vejo que esse projeto vai colocar à disposição de todo mundo a experiência que só o tempo sedimenta. Só o fazer, o ousar – como todos os que passam por aqui ousaram, inclusive, eu ousei na Petrobras como gerente de imprensa – é que dá o conhecimento e a certeza de que vamos pelo caminho bom. Mais uma vez, eu diria que a Petrobras me deu uma vida de qualidade, uma vida de conhecimento, uma outra visão e o que eu aprendi e continuo aprendendo, coloco na vida prática, porque a Petrobras tem esse mistério, ela não é uma empresa só que visa o lucro, responsabilidade social, mas ela passa para todos nós um certo segredo de como fazer as coisas. Quantas vezes lendo ou assistindo uma palestra eu verifiquei que aquilo que era correto na área da Petrobras, era correto também na minha vida. Então isso é importante: ela transformou a minha vida.
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