P/1 – Então, Boris, obrigada por ter vindo aqui. É uma honra receber o senhor.
R – Ok.
P/1 – A gente vai perguntar de novo, pra deixar registrado... Perguntar de novo o seu nome pra gente deixar registrado.
R – Tudo bem.
P/1 – E o local e a data do seu nascimento.
R – Tá. Meu nome é Boris Minkovicius, sou nascido em São Paulo, data 22 de fevereiro de 1937. Atualmente tenho 76 anos. Moro em São Paulo, sou contador formado.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – São da descendência da Lituânia.
P/1 – E os nomes deles?
R – Da minha mãe era Rachil, conhecida como Raquel. Meu pai era Mendeles, e seria como a gente chama de Manoel.
P/1 – Eles nasceram aqui em São Paulo?
R – Não. Eles vieram da Lituânia.
P/1 – E você nasceu aqui?
R – Eu sou nascido aqui em São Paulo.
P/1 – Nascido aqui em São Paulo. É. Local e data de nascimento, tá certo. E quando eles vieram pra cá, o que eles faziam? Qual era o trabalho deles?
R – Bom, meu pai veio em junho de 1926. Meu pai era prespontador, trabalhava com... Fazia calçados. E minha mãe veio em novembro de 35, de 1935, e era dona de casa, não é que nem hoje que o pessoal sai pra trabalhar. Naquele tempo, eram outras coisas.
P/1 – E como você podia descrever o seu pai e a sua mãe assim, que você lembra um pouco?
R – Dá muita saudade, porque faz justamente 35 anos que a minha mãe faleceu, praticamente foi nesse final de semana. E meu pai faleceu 30 dias depois. Dá uma saudade. Minha mãe era dona de casa, fazia as coisas em casa. Meu pai saía pra trabalhar, voltava de noite somente. Nós não tínhamos uma vida que nem hoje, uma regalia tudo... Televisão, cinema, era só uma vez por semana, ou cada 15 dias você podia ir ao cinema. Hoje não, hoje você tem clubes, uma série de coisas, restaurantes. Naquele tempo não tinha nada disso. Nada. Era tudo uma coisa muito... Um círculo muito fechado. Era um gueto.
P/2 – Como era a rotina de vocês?
R – Eu, a minha rotina até os 14 anos, vamos dizer, eu trabalhava de manhã, estudava de noite. Depois eu continuei minha vida, casei com 27 anos. Não casei que nem hoje, o pessoal é mais jovem, mas eu casei com uma idade mais madura. Vinte e sete anos já era uma idade mais completa.
P/1 – Seu Boris, antes de chegar à adolescência e no casamento, que você comentou dos seus pais, eles contaram alguma história de antes de chegar ao Brasil? Como foi a viagem pra cá?
R – Não, ele...
P/1 – O que você souber lá da sua família.
R – Os meus pais, por exemplo, tanto o meu pai, quanto a minha mãe, eles vieram de navio, não tinha... Talvez tivesse avião, mas não era normal viajar de avião, então todo europeu vinha de navio. E eles tinham a... Não lembro muita coisa, que eles contavam que eles tinham uma vida muito rígida pra trabalhar. Muito, muito rígida.
P/2 – Mas por que eles vieram pra cá?
R – Meu pai veio em 1926, logo após a guerra de 14. E todo esse pessoal que veio nessa época aí começou a fugir da Europa quando terminou a Primeira Guerra. A Primeira Guerra foi em 14, e já estavam se preparando pra começar a Segunda Guerra. Minha mãe veio pouco tempo antes de estourar a Segunda Guerra. Então esse foi o motivo que todo... Todo pessoal que vocês entrevistarem europeu, que veio na época, vamos dizer, entre 30 e 40, é que queria fugir da guerra, não é que queriam permanecer. Permanecer na...
P/2 – Eles vieram... Eles não eram casados ainda, eles se conheceram aqui?
R – Não, eles casaram aqui no Brasil. Meu pai, ele a conhecia na Europa, mas casou com ela aqui no Brasil.
P/1 – E você tem mais irmãos?
R – Eu tenho uma irmã. Ela tem... De 39, ela tem 74 anos.
P/1 – E como foi a infância dentro da sua casa, você, sua irmã, seus pais?
R – Era uma vida totalmente diferente a de hoje. Eu começo a lembrar de como é, fazer comparações, são bem diferentes, totalmente diferentes. Não é que nem hoje. Hoje... A gente era mais unido, mais... Saímos juntos, não tinha esse negócio de um ir pra um lugar, outro ir pra outro lugar e só se verem, vamos dizer, daqui a uma semana, ou daqui um mês. Éramos todos unidos, todos juntos. A gente ia à festa, ia toda a família, não ia um pra um lugar, outro pra outro lugar.
P/1 – Em que bairro era? Como eram essas festas?
R – Geralmente... Como eu moro no Bom Retiro até hoje, quer dizer, era tudo na redondeza, não tinham salões de festas, era tudo em casa mesmo. Casa assim, que nem nós estamos num local fechado. As festas que tinham, não tinham orquestras tocando, balada, não tinha nada disso. Hoje se tornou porque é uma coisa mais moderna. Naquele tempo não tinha nada disso.
P/1 – E essas festas que você comentou, nesse bairro, tinham bastantes descendentes de vários países europeus?
R – Tinham. Tinham.
P/1 – Vocês faziam amizade com todos...
R – Tinham. Tinham italianos, tinham lituanos. A maioria era italianos e lituanos. Até pouco tempo atrás, o bairro era assim. Hoje já é totalmente diferente.
P/1 – Então eu imagino que a brincadeira que você tinha com seus amigos eram de várias...
R – Ah, sim.
P/1 – Vocês misturavam?
R – Ficava na rua jogando bola, era tudo terra batida. Não tinha negócio de asfalto, era tudo paralelepípedos e terra batida. Depois que começou. E não tinha prédios, eram casas.
P/1 – E você lembra mais ou menos da sua casa quando você era criança?
R – A casa que eu morei ainda existe, mas já é um pouco reformada, já não é como era antes, antigamente. Mas ela tá em pé essa casa.
P/1 – E o que você mais gostava de fazer nessa casa quando você era criança, com seus amigos?
R – A gente se encontrava e assim, jogava bola, encontrava os amigos. A gente não tinha uma... Sair todo dia, toda hora, era só final de semana. Encontrar-se no sábado, ou num domingo.
P/1 – Entendi.
P/2 – Pra gente entender um pouco esse período, quando você acordava, ia pra escola? Vamos tentar lembrar um pouquinho dessa época e aí a gente vai...
R – Tá. Tá. Eu lembro quando eu fazia, vamos dizer, o que seria hoje o primário, certo? Então eu acordava, eu estudava de manhã, ia pra escola de manhã, voltava e ficava em casa, fazia a lição, que era obrigado, os pais acompanhavam com mais rigidez ainda do que hoje. Naquele tempo não tinha esse negócio de aulas particulares, era estudar na força, falando um termo... Na marra. Não tinha essas regalias: “Ah, tá mal? Então vamos pegar um professor particular pra te cooperar, pra melhorar um pouco”. Não tinha nada disso. Era estudar direto. Não tinha televisão. Televisão chegou em que época? Acho que em 54, 55, eu acho que veio. Não lembro direito. Aí começaram esses programas de teatro da vanguarda, eram três ou quatro canais que tinham, não tinha mais do que isso, não tinha canal fechado.
P/1 – Era o que passava quando começou a televisão, você tá falando?
R – Justo.
P/2 – Ô Boris, e a escola? Você se lembra do uniforme?
R – Lembro.
P/2 – Como era?
R – Era tipo de um avental e tinha as letras abreviadas no avental. Depois, quando eu fui pra outro colégio, que a gente falava pra ir do primário pra outro colégio, a gente fazia admissão, um exame de admissão pra ver se a gente entrava no outro colégio.
P/1 – Você se lembra de algum professor assim que marcou?
R – Ah, tem. Tem. No primário tinha a dona Marina, a Teresinha, a dona Agda. A dona Agda era do jardim de infância. Depois, no ensino médio, eu já tinha outros professores.
P/2 – Era uma escola pública que o senhor estudou?
R – Não.
P/2 – Não?
R – Não.
P/2 – Ah, particular.
R – Escola paga mesmo. Era bem duro de pagar a mensalidade naquela época. Que a gente trabalhava pra poder se manter.
P/1 – É. E a escola era mista assim, ou era só de meni...
R – Mista. Mista. Mista. Não tinha esse negócio de meninas de um lado, meninos de outro. Tinham colégios mais sofisticados daquela época, como até hoje tem um colégio perto de casa, que era de freiras, tem o nome chamado Santa Inês. Santa Inês, mas não tem... Era... A gente via as meninas com as mangas compridas. Era só de meninas, não tinha meninos, meninas e meninos. Hoje não. Hoje já tá tudo misturado.
P/1 – E você ia pra escola a pé, de ônibus?
R – Eu ia a pé, porque era bem perto de casa. Bem perto. O primário era uma quadra e meia. Uma quadra e meia? Duas quadras, vamos dizer. E depois eu fui pra outro colégio, que já era um pouquinho mais distante, mas também ia a pé.
P/1 – Você ia sozinho com a sua irmã?
R – Sempre sozinho. Sempre sozinho. Não tinha esse medo de andar sozinho. Hoje que você já tem mais medo. Mesmo que você sai com algum colega, você já fica receoso. Estudava de noite, a gente vinha 11 horas da noite sem medo nenhum. Ruas cheias de árvores, escuras, a rua não tinha problema nenhum. Ninguém tinha medo. A gente ia à fe... Quando era de baile de formatura, a gente ia a baile e voltava de madrugada sem medo nenhum. Hoje não, hoje você já tem um receio tremendo.
P/2 – E na escola tinha as festas religiosas?
R – Tinha. Tinha.
P/2 – Você participava? Como...
R – Não, participava, lógico. Participava. Não é que era obrigado, não é que era obrigado, mas a gente participava pra não faltar em nenhuma delas, porque senão pegava mal.
P/2 – .
P/1 – E quais eram?
R – Festas tradicionais judaicas, tinha festas religi... Sete de Setembro precisava participar, 21 de Abril, por exemplo, também precisava participar, que era muito rígido isso. No primário, a gente entrava na aula, a professora entrava, a gente levantava, ficava em pé e cantava o hino nacional. Hoje não tem mais isso, de forma nenhuma. Acho que o aluno nem levanta pra quando o professor entra. Não sei, porque eu não participei numa aula dessas, mas eu acredito que não... Continua tendo arruaças. No meu tempo não tinha isso, era respeito pelo professor.
P/1 – E você falou que nesse colégio então era diferente dos outros, tinha junto com outras meninas. Você lembra, mais ou menos entrando na sua juventude, alguma pessoa que marcou pra você na sua vida, um primeiro amor?
R – Não. Não lembro. De escola, não.
P/1 – Era uma coisa mais rígida e você pensava mais...
R – Não, a gente não tinha esse negócio. A gente saía com colegas, ia ao cinema. Mas não se pensava que nem hoje, de ficar pra logo começar a namorar. Não tinha isso.
P/1 – Entendi.
P/2 – O senhor disse que o senhor começou a trabalhar com 13 anos, foi isso?
R – Comecei com 13 pra 14 anos.
P/1 – Como foi esse primeiro emprego? Assim, no que foi? E como...
R – Era um escritório de importação. Eram dois irmãos, eu lembro que eram dois irmãos, e era um horário rígido, precisava chegar às oito horas em ponto. Saía do emprego, ia almoçar, voltava para o trabalho e saía às seis horas. Trabalhava de sábado.
P/2 – Aí o senhor ia pra escola depois?
R – De noite ia pra escola. Voltava e ia pra escola.
P/2 – E o que o senhor fazia nesse... Qual era o seu trabalho? O que o senhor fazia?
R – Não, quando eu comecei a trabalhar, comecei trabalhar como office boy. Naquela época, não é que nem hoje, que em qualquer lugar você entra e paga um título. Naquele tempo tinha os bancos, bancos eram... Tinha na Álvares Penteado, em várias ruas, precisava tirar um boleto pra enfrentar as chamadas, pra pode pagar o título. Então a gente carregava dinheiro. Eu trabalhei com importação, então a gente fazia as guias de importação, precisava carimbar no Banco do Brasil. Dá saudade dessa época. Hoje acho que não. Hoje você tem internet, então você tem tudo na mão. Naquele tempo você enfrentava. Uma vírgula que não estava bem colocada já perdia todo o trabalho, precisava voltar e refazer todo o serviço.
P/2 – E o senhor ia bastante para o centro então da cidade?
R – Eu trabalhei no centro.
P/2 – Ah, trabalhava no centro.
R – Trabalhei no centro.
P/2 – Como era o centro essa época?
R – Bem diferente. Bem diferente do que o atual. As ruas existem, mas era totalmente diferente. Totalmente. Da noite para o dia. Não tem comparação.
P/1 – Tenta lembrar alguma coisa, as ruas, as pessoas.
R – Ah, tudo. As ruas, por exemplo, eu comecei a trabalhar na Rua Marconi, então eu vinha do Bom Retiro até o Largo do Paissandu... Aliás, Paissandu não, até a Rua... No Largo Santa Efigênia eu descia do ônibus e ia a pé pela Rua Antônio de Godói, entrava na Dom José de Barros, pra entrar na Barão de Itapetininga, pra ir para o trabalho, pra Rua Marconi. Depois vinha, saía correndo, descia pela Avenida São João, pra ir para o Largo do São Bento, pra pegar o ônibus, pra voltar pra casa. Quer dizer, era totalmente diferente, não tinha a facilidade. Hoje tem metrô, tem táxi pra cima e pra baixo, mas naquele tempo não, você enfrentava mesmo a condução. Era chuva, sol, frio, não tinha tempo ruim.
P/1 – As ruas eram cheias?
R – Eram cheias, mas não que nem hoje, eram totalmente diferentes. Hoje já não, hoje no próprio bairro que você mora você já tem o comércio. Naquele tempo era tudo no centro. Você saía do bairro, em qualquer bairro, você podia vir da Lapa, da Penha, vinha tudo para o centro, tudo no centro. Não é que nem hoje. Hoje você já tem tudo já localizado na própria periferia.
P/1 – E você se lembra dessas mudanças da sua época pra agora, quando começou?
R – Ah, foi muito... Quando começou não dá pra lembrar, mas eu lembro como ocorreu essa transformação. Certo? Não posso dizer “foi em 1970”. Não dá pra lembrar a data exata, mas eu lembro como foi. Gradativamente foi se transformando. Um exemplo, o pessoal morava na Penha e vinha trabalhar no centro, não se trabalhava no próprio bairro. E vinha de bonde. Naquele tempo era bonde. Bonde ou ônibus.
P/1 – E você pegava o bonde também?
R – Bonde e ônibus.
P/2 – Quanto tempo que demorava do Bom Retiro até lá?
R – É difícil de responder. Não dá pra fazer uma comparação. Não dá pra fazer uma comparação. Dá pra eu lembrar mais ou menos o trajeto, mas tempo, tempo exato, vamos dizer, meia hora. Hoje você pode vir em dez minutos. Mas o tempo exato é muito difícil de calcular daquela época pra atual.
P/1 – Como era pra entrar no bonde? Como funcionava? A passagem?
R – Não. Bonde era... Por exemplo, eu vinha do Bom Retiro para o Largo São Bento, então o bonde era totalmente aberto e o cobrador andava cobrando da gente. Ele puxava um tipo de um elástico pra máquina registrar e ia registrando. Quando ele chegava ao ponto final, ele girava uma chave, que nem chave de relógio de corda, e zerava aquele marcador. Então marcava quantas pessoas ele cobrou. E o bonde era controlado pela Light. Não era pela... Era pela Light. Estação de bonde tinha na Alameda Glete, tinha na Penha. Na Penha não, minto. Tinha no Brás, tinha na Vila Mariana. Aí tinham estações de bondes. Tinha bonde que vinha do Largo da Clóvis Bevilacqua, Praça João Mendes, ele ia pra Santo Amaro.
P/1 – Olha!
R – Se falar isso daqui, alguém vai estranhar. Eu falar que ele ia e subia Rua Vergueiro, Liberdade, Rua Vergueiro, depois ele ia pra Santo Amaro. Você imaginou ele sair da Praça João Mendes e ir pra Santo Amaro de bonde? Contar isso, alguém vai pensar que eu to contando uma história, que eu to inventando, mas é coisa verídica.
P/1 – E teve alguma confusão que você assistiu, alguma história engraçada?
R – Engraçada não, triste, vamos dizer, porque é quando houve a transformação. Antigamente as empresas de ônibus eram tudo particulares, eram tudo privadas. Aí ela passou, não sei se vocês ouviram falar, na CMTC, Companhia Municipal de Transportes Coletivos, que era praticamente da... Passou na mão da prefeitura. Ali que foi um quebra-quebra. Colocaram naquele tempo, na época quando passou dos particulares e a prefeitura tomou conta, aí teve uma coisa violenta: queimaram ônibus, quebraram ônibus, como acontece hoje. Mas era totalmente diferente, faziam aquilo com uma causa justa, não tinham mascarados, não tinham os black bloc. Eu apresentava com a minha cara, então eu sabia que eu tava querendo. Eu lembro também de uma greve dos têxteis. Foi uma das primeiras greves que teve. Isso foi quando? Mais ou menos 57, 58. Mas brigava por uma coisa que você queria, um reajuste, por exemplo. Você queria um reajuste, então você aparecia e brigava. Foi onde teve a greve dos têxteis, a primeira greve. Isso eu lembro.
P/2 – Você chegou a ver alguma manifestação assim?
R – Não, eu nunca me envolvi em manifestações. Nunca. Até hoje eu não gosto. Quero ver, assistir, dou minha opinião, mas participar, eu não quero partici... Nunca participei. Nunca.
P/1 – Mas nessa época o senhor chegou a ver quebrando os ônibus?
R – Vi. Colocaram fogo em ônibus, em bonde. Mas era totalmente diferente, não é que nem hoje. Hoje a pessoa sai pra pedir um... Ele quer o passe livre, hoje ele quer o passe livre, muito bem, o que o banco tem a ver com o passe livre? Você não vai a um banco pra sacar o seu dinheiro? Você não vai pagar a sua conta de telefone, de luz? Hoje você paga tudo no banco. O que aquela máquina tem a ver com o passe livre? É isso que eu quero saber. Essa é a minha pergunta.
P/1 – Seu Boris, voltando para as suas memórias, durante essa época então, o senhor tava contando pra gente dessa fase inicial em que começou a trabalhar, contou um pouco então da história do bonde, do ônibus. Você nesse período de 13, 14, 15 anos, então você ficou com essa rotina: trabalho e estudo à noite?
R – E estudar. Trabalho e estudar.
P/1 – E isso até se formar no antigo colegial?
R – Certo.
P/1 – E nessa época do colégio, já 16, você tem alguma lembrança dos professores, da sua turma?
R – Tenho. Tem muitos colegas que já nem estão mais aí pra lembrá-los, infelizmente. Eu me formei em 1954, já uma época mais... Era trabalho, saía com os amigos, era outro divertimento. Era outra história. Totalmente outra história. A gente trabalhava de segunda a sábado meio-dia, sábado de noite a gente ia ao cinema, ia a um baile se tivesse. Não tinha esse negócio de restaurante, quando muito, a gente ia comer um pastel numa pastelaria que tinha e só. Mas cinema, a gente nunca deixava de ir no sábado à noite.
P/1 – E vocês iam para o centro também, ou tinha...
R – Sempre no centro.
P/1 – Pegava o bonde de novo, ia lá para o centro à noite, no sábado?
R – Pegava bonde. Sem medo nenhum. Não tinha medo. Não tinha problema.
P/2 – Que tipo de filmes vocês gostavam de assistir? Quais eram os sucessos assim?
R – Tinha filme de drama, tinha filme de faroeste, tinham vários filmes, mas tinham muitos bons filmes, bons mesmo.
P/1 – E era sempre a mesma turma que ia? Você tinha uma turma...
R – Ah, sim. Nós éramos uma turma sempre unida. Tudo na mesma idade, nós éramos cinco, seis amigos, todos íamos juntos. A gente combinava tal horário de se encontrar num determinado ponto. “Bom, vamos assistir a esse filme?” Então todo mundo ia assistir. Ninguém reclamava. Todo mundo ia junto. Todo mundo ia junto. Saía de lá, ia comer alguma coisa, assim, algum... Tinha a famosa Salada Paulista, que era na Dom José de Barros, depois passou pra Avenida Ipiranga.
P/1 – O que era essa Salada Paulista?
R – O famoso hot dog com purê de batata, tomava um chope, era muito divertido. Essa Salada Paulista, na realidade, ela começou na Rua Dom José de Barros e depois passou pra Avenida Ipiranga.
P/1 – Era uma barraquinha, era um restaurante?
R – Não. Não. Não. Se você for à Avenida Ipiranga, você vai ver o imóvel, que tá até hoje, mas é onde tem o McDonald’s, pegado o Cine Ipiranga. E na Dom José de Barros era entre a São João e a 24 de Maio, então era muito estreito o local. Era muito bacana. Tinha um pessoal que trabalhava lá que eles já conheciam a gente, a gente os conhecia. Era muito bacana. Tinha o famoso Ponto Chic no Paissandu, que até hoje existe. Eram outras épocas. Totalmente outra época. Não é que nem hoje, tudo modernizado. Naquele tempo era... Hoje, por exemplo, você trabalha, você tá em janeiro, você já tá pensando em receber o 13º. Naquele tempo não tinha esse negócio de 13º, era abono de Natal. E a gente não ganhava em dinheiro, ganhava em presente. Podia ser o quê? Uma mala, uma pasta, uma camisa, uma caneta. E todo mundo se contentava com isso. Ninguém esperava o 13º. Hoje você tá em janeiro, você já tá esperando o 13º do... Nós estamos em 2013, vamos dizer, em janeiro de 2013, você já está esperando o 13º de 2014. Naquele tempo não tinha isso. Você se contentava com aquilo que vinha.
P/2 – Senhor Boris, esse sanduíche, ou a Salada Paulista, ou do Ponto Chic, descreve pra gente o que você lembra, os cheiros desses sanduíches.
R – Da Salada Paulista não dava, a gente pedia o quê? Hoje a gente fala hot dog, tá mais modernizado. Naquele tempo era salsicha mesmo. “Dê-me duas salsichas e um purê de batata.” Então você tinha um... E era só isso, não tinha outro ingrediente. Agora, no Ponto Chic já não, você pedia um bauru, não era que nem hoje, o bauru, ele tinha lá numa forma derretendo o queijo, era uma forma derretendo o queijo, e a carne não era presunto, era rosbife com pepino. Tinha o mexido, que era queijo com ovos. Dá lembrança, mas não... Sei lá se é a mesma coisa, acho que não é a mesma coisa.
P/2 – Vocês se arrumavam pra sair? Como eram as roupas dos homens, das mulheres?
R – Os homens principalmente. Ninguém ia à esportiva, a gente ia de camisa, gravata, paletó. Terno. Hoje não. Hoje você vai de bermuda, havaiana. Não tinha tênis, a gente andava de sapato mesmo.
P/1 – E as mulheres como eram?
R – Eram bem vestidas. Bem vestidas, bolsas, não tinha negócio de calça comprida, era vestido mesmo.
P/1 – Como era a paquera? Era indo para o cinema, no Ponto Chic?
R – Era totalmente diferente, era outra época, não dá pra fazer comparação de 1960 pra 1990, vamos dizer. É uma diferença de 30 anos. Era totalmente diferente. Não tinha esse negócio de... Quem tinha telefone, a gente tentava telefonar pra combinar alguma coisa, convidava, mas não assim que nem hoje a paquera, a menina passa, o cara já tá olhando, tá mexendo. Sei lá, era um respeito totalmente diferente. Totalmente diferente.
P/1 – Mas era um ponto de encontro assim, que você sabia que poderia encontrar...
R – Tinha. Tinha ponto de encontro. Tinha. A gente tinha colegas tanto meninas, como rapazes, a gente se encontrava tudo num determinado ponto e nós íamos todo mundo junto. Não tinha esse negócio de um ir pra um cinema e outro ir pra outro cinema, todo mundo ia junto.
P/1 – E tudo isso era geralmente no sábado, que você saía no domingo...
R – Geralmente. Sábado, domingo... Sábado à noite ou domingo à tarde, que os cinemas começavam só... Funcionavam, digamos, você tinha a sessão, vamos dizer, das duas às quatro, das quatro às seis, então... E você podia entrar no meio do filme, hoje você já não entra. Hoje você tem que entrar no início do filme. Naquele tempo você entrava no meio, terminava a sessão, você ficava sentado esperando começar a segunda sessão. E você assistia ao filme até onde você... De onde você perdeu. De onde você perdeu. De onde você pegou, vinha naquele trecho, você levantava e ia embora. Quantas vezes eu não fiz isso. No Cine Metro, Ritz, Ipiranga, Marabá, Bandeirantes. Bandeirantes era no Largo Paissandu, era um cinema grande.
P/1 – Como era? As cadeiras?
R – A cadeira era normal como hoje. Como hoje. O único cinema que era um pouquinho diferente era o Ipiranga, que chamava de... Ele tinha um setor que falava setor de pullman, então eram umas cadeiras que nem essa que eu to sentado aqui pra ser entrevistado, era uma cadeira tipo giratória, muito bacana. E era um preço, digamos, a entrada era um pouquinho mais cara.
P/2 – Tinha comida, assim, pipoca, essas coisas?
R – Ninguém levava comida. Comida era só na saída, e olhe lá. E se alguém fizesse barulho, falava alguma coisa, o pessoal chiava.
P/1 – E você tem filmes que foram seus preferidos, que você assistiu no cinema?
R – Ah, não dá pra lembrar. É muito... Tem um filme que eu consigo lembrar assim, bem vago, era um filme espanhol, O menino... Não consigo lembrar o nome agora, mas to vendo aqui de filme, foi no Cine Ritz que eu assisti a esse filme. To imaginando aquele filme, mas não consigo lembrar o nome. Muito difícil lembrar.
P/1 – Como que era aí nessa época, vocês saíam em turma, tinha horário pra voltar pra casa? Seus pais ficavam controlando?
R – Não. Não tinha horário. Não tinha, mas a minha mãe, geralmente, ela mais ou menos sabia a hora que eu deveria estar em casa. Então ela ia ao quarto, via que eu não tava, então ela saía pra janela e ficava esperando eu chegar, pra ver seu eu to chegando. Tinha a preocupação. Tinha. Isso eu lembro, que tinha a preocupação. Não é dizer que não tinha a preocupação.
P/1 – E como você já trabalhava, você já tinha certa independência pra pagar o cinema, você mesmo já...
R – Quando eu comecei já trabalhar, já ter uma independência, então não pedia dinheiro para os meus pais, certo? Mas quando eu comecei a trabalhar, entregava todo o ordenado pra ela, pra minha mãe, então eu chegava pra ela e falava: “Dê-me um dinheiro que eu vou ao cinema”. Não que eu exigia. Se ela tivesse dinheiro, ela me dava, se não tivesse, não dava. Hoje não. Hoje o pai entrega até um carro para o filho. No meu tempo já era mais difícil a vida. Era muito mais difícil. Minha mãe, meu pai compravam roupa pra mim, até antes de eu casar eles andavam comprando roupa pra mim. Porque eu ajudei muito meus pais. Então não é dizer que eu saía pra comprar uma roupa. Eles ainda me cooperavam pra eu ter alguma coisa.
P/2 – Seu Boris, e sua irmã nessa época? Ela ia ao cinema com você e seus amigos?
R – Não. Ela tinha a turma dela. Era outro grupo, ela ia com a turma dela. Era totalmente diferente. A gente não misturava um grupo com outro grupo.
P/1 – E seu pai não pedia para você tomar conta dela?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Não. Naquele tempo já era totalmente diferente. Os pais já ensinavam como devia ser a vida de cada um.
P/3 – Mas o senhor era amigo da sua irmã? Fazia alguma coisa...
R – Não, sempre tivemos amizade. Nunca deixamos de ter um relacionamento. Quando tinha festas de formatura, bailes de formatura, muitas vezes a gente ia junto porque não era muito perto, então a gente se reunia e ia tudo junto e voltava junto. Mas assim, normalmente cada um separado.
P/1 – E você tinha comentado que os seus pais compravam as suas roupas até um pouco antes de você casar.
R – Sim.
P/1 – Nesse período, antes de você casar, você pode contar como você conheceu a sua esposa e aonde que foi mais ou menos?
R – Eu trabalhava num escritório de contabilidade e eu fazia serviço... A firma do pai dela era já assim, eu estava num escritório trabalhando num local e tinha uma janela do outro lado da rua, e eles eram clientes do escritório, a firma do pai dela. Ela vinha à tarde lá na firma pra ajudar o pai dela e ali eu acabei conhecendo-a assim, olhando, ela olhando pra mim. Mas não que eu fui especialmente... Foi isso. Eu a conheci em 1960. Isso eu lembro como foi.
P/2 – Vocês começaram a namorar logo depois ou demorou?
R – Não, demoramos um pouco. Demoramos. Entre namoro e casamento eu levei quatro anos. Eu a conheci em 1960 e casei em 1964, em outubro de 64. Eu vivi com ela durante 43 anos quase.
P/1 – Você pediu aos pais delas pra namorá-la, como que foi essa...
R – Era diferente. Era muito diferente. Eu a conheci, a gente ia ao cinema, saíamos toda a turma, juntos. Aí quando foi pra casar, vamos dizer, então os pais dela convidaram os meus pais pra virem jantar e ali foi combinado. Foi mais ou menos nesses moldes. Não é que nem hoje.
P/1 – Qual o nome dela?
R – Ela chamava Doroty.
P/1 – Ah, Doroty.
P/2 – Ela era descendente de lituanos também?
R – Não. Os pais dela eram da Polônia, mas também descendência judaica.
P/2 – Só uma parte que eu fiquei um pouquinho confusa, quando o senhor começou a trabalhar como contador, o senhor se formou no ensino médio, estava trabalhando nessa firma de importação ainda, e aí como é que foi que o senhor começou?
R – Não, eu comecei a trabalhar nessa firma de importação...
P/1 – Aos 13 anos.
R – Em 1950, eu trabalhei até 1957. Desse escritório de importação que eu era office boy, corria pra lá, pra cá, fazia todo esse negócio, em 57 eu já era formado contador e fui trabalhar num escritório de contabilidade. Lá eu trabalhei de 57 a 60. Ali já era diferente, eu fazia serviço de contabilidade. Então fazia serviço de contabilidade, tinha serviços de repartições, não é que nem hoje. Você pode imaginar como era que era pra pagar impostos, não é que nem hoje, você emite a nota e no fim do mês você soma e paga o imposto que você precisa. Naquele tempo você pagava antecipado. Antes de emitir uma nota fiscal, você calculava quando que eu vou faturar, quanto que eu vou emitir de nota pra poder pagar, pra poder depositar o dinheiro do imposto que seria ad valorem pra quem era indústria. Não era nem ICMS, era imposto de vendas e consignações, era SELO. Era outra época. Aí eu trabalhei de 57 a 60 nesse escritório. A minha irmã trabalhava num escritório e ela ia sair pra casar, ela falou para o dono do escritório: “Olha, eu vou sair pra casar, você arruma alguém pra ficar no meu lugar porque eu não vou ensinar ninguém”. Ele foi levando em banho-maria, foi levando em banho-maria, foi levando, aí ela falou: “Eu só trabalho até agosto, porque em setembro eu caso”. Aí ele perguntou pra ela se eu queria trabalhar no lugar dela. Aí ela veio perguntar pra mim se eu queria ficar no lugar dela, eu falei: “Vai ser um pouco difícil, porque eu não sei se ele vai querer”. Ela falou: “Não, ele quer”. Eu peguei e fui trabalhar com ele no lugar da minha irmã. Lá eu trabalhei de 60 a 68. Não pensa que eu tive muitos empregos na minha vida, só tive três empregos na minha vida. Três. Eu sou contra esse negócio de gangorra, de ficar pulando de um lugar pra outro. Aí eu trabalhei de 60 a 1968. Em 68 eu passei a ter escritório de contabilidade próprio, até 1990 e... Até 97 eu tive escritório próprio, depois...
P/1 – E o senhor sempre, depois que casou, ou mesmo no trabalho, o senhor sempre continuou morando no Bom Retiro?
R – Sempre.
P/1 – É um bairro que o senhor sempre foi...
R – Eu fui criado. Quer dizer, eu morei fora de 83 a 99. Aí meu filho casou, eu...
P/1 – Onde o senhor morou?
R – Eu morei na Albuquerque Lins. Aí ele veio morar... Como ele casou, então nesse apartamento que eu moro ele morou. Enquanto ele casou, ele morou nesse apartamento que estava vago. Aí ele quis mudar, eu troquei com ele, que pra mim era muito grande um apartamento, apesar de que esse apartamento também é grande pra mim.
P/2 – Eu ia perguntar dos seus filhos, não sei se é um só, quando eles nasceram?
R – Eu tenho dois filhos e eu tenho quatro netos. O meu filho mais velho tem 48 anos, é arquiteto e design gráfico, o Ivo. Fora design gráfico, ele também escreve livros de crianças. É o Ivo. Não sei se já ouviu falar nuns livrinhos de criança que aí chamam As dez galinhas, A Kombi do meu avô. Têm vários que ele... Saiu agora. E tenho outro, a esposa dele é coordenadora de uma escola bilíngue, a Dual Stance. E eu tenho o outro meu filho, mais novo, é médico veterinário. Todos os dois formados pela USP. O Cláudio tem a clínica própria e a esposa dele é bióloga, tem uma escola de informática. Tenho quatro netos, o mais velho vai fazer 20 anos agora, faz a ECA. E tem o mais novo de 18... Mais novo, não, o segundo. Está prestando exame de vestibular. Tem a Débora com 12 anos e tem o Gustavo de sete.
P/1 – Como é que foi ser avô?
R – É emocionante. É muito bacana. Não tem nada a perder. Não tem nada a perder.
P/3 – Como é que foi ser pai?
R – Avô... Os netos são o juros dos avós. Sempre traz alegria, porque você sempre espera um pouquinho mais, alguma coisa deles.
P/1 – E essas coisas que você falou, você tenta passar pra eles até hoje.
R – Como?
P/1 – Essas coisas que você falou de ficar sempre... Não ter muitos empregos, toda essa...
R – O Ivo não tem... Por exemplo, o Ivo é formado arquiteto e ele só teve um emprego, ele trabalhou no escritório do Lobel. E hoje ele tem o escritório dele mesmo, próprio. Trabalhou o quê? Pouco tempo. Trabalhou um ano, dois anos. Nem um ano, mais do que dois... Não chegou a dois anos. E o Cláudio, não. O Cláudio acabou de receber o diploma de médico veterinário hoje, no dia seguinte ele já estava trabalhando numa clínica veterinária. Logo em seguida que ele começou a trabalhar nessa clínica veterinária eu falava: “Pô, Cláudio, você está trabalhando pra outro?”. Porque médico veterinário não trabalha num hospital pra atender animais. Eles trabalham na base de comissão. Aí eu comecei a falar pra ele: “Pô, Cláudio, tá na hora de você abrir uma clínica”. Ele falou: “Calma. Calma”. Hoje ele tem um local próprio, casa própria, tudo próprio, não tem nada na mão de terceiros. Tudo próprio. Também, quer dizer, ele se formou e já saiu, tem a clínica dele tem o quê? Eu acho que 15 anos, quer dizer, por aí você tem uma ideia. Tem 15 anos acho que ele é formado. Quinze anos que ele tem a clínica dele.
P/1 – E você já pensou junto com a sua família, não sei, seus pais na época ou você com a sua esposa e seus filhos na época, já pensaram em voltar para os países de origem dos seus pais, fazer uma visita, conhecer melhor?
R – Eu sou viúvo, infelizmente não tive a oportunidade de viajar com ela junto, sabe? Eu só saí pra fora do Brasil há dois anos, em 2011, que eu fui pra Israel e depois voltei em 2013, voltei novamente. Porque eu tinha uma cunhada que morava lá, eu não cheguei a vê-la viva, mas a vi num outro mundo, mas tenho os meus sobrinhos que moram lá. Então eu tenho família ainda. Agora, da terra do meu pai, não, que é o leste europeu. Não é que eu não tive curiosidade, não... É diferente. Não tenho família lá. Então não dá pra você ir pra um local sem você ter família. Você voltaria pra o local onde você tem família, então você vai, fala: “Vou conhecer tal local, tal isso, tal aquilo”. É diferente.
P/1 – Como foi essa viagem pra Israel?
R – Ah, muito bacana. Haja vista que eu voltei duas vezes. A primeira vez que eu fui era uma viagem, a segunda é outra.
P/1 – Que foram as coisas bacanas que você conheceu?
R – Conheci outro país, outra mentalidade, outra cultura, outros exemplos. O que mais?
P/1 – O que era diferente nessa cultura?
R – Tudo. Tudo. Vou te dar um exemplo agora, atual.
P/1 – Tá.
R – Você atende telefone na rua? Eu queria que você me respondesse. Um celular. Você fala com alguém na rua com o celular? Você usa o seu tablete na rua? Lá em Israel é mais fácil você estar com o seu celular na rua falando, alguém encostar perto de você e ouvir a tua conversa, mas ele não vai te levar embora o teu celular. Em qualquer praça, em qualquer rua que você vai atravessar tem sinal de Wi-fi. Aqui você tem? Eu gostaria de uma resposta.
P/1 – Não. Tá começando agora.
R – Vou te dar um exemplo melhor ainda. Não vou dizer Wi-fi. Wi-fi é, vamos dizer, de quantos anos pra cá? De 90 pra cá que começou a aparecer internet? Pra você atravessar a rua, aqui eles te mandam atravessar na faixa. Israel o pessoal atravessa na faixa, obedece a faixa. O sinal pra um deficiente visual, o sinal fica... Não é que fica piscando, ele fica apitando do início que ele começa a travessar até o término do tempo, tá? Então parou de apitar aquele sinal, o sujeito ali para na rua. Ele para no meio fio, ele nem tenta colocar pra fora o pé da calçada. Aqui você tem o corredor de ônibus da Rebouças, você tá marcando lá o Olho Vivo, o ônibus aparece? Eu estava num final de sábado, porque lá você sabe, o horário... O sábado começa na sexta-feira no pôr do sol e termina no sábado ao pôr do sol. Eu estava andando com um amigo na rua, aí eu falei pra ele, numa tremenda duma avenida, eu falei: “Olha, James, tá aparecendo lá o sinal 771”. Um exemplo, 773, nem me lembro do número. Não deu nem tempo de piscar o olho, o ônibus já estava encostando. Você vai para o deserto, você pensa que são coqueiros que tem ali plantado no deserto. Não são coqueiros, são tamareiras. Como que dá tamareira no deserto? Como que pode dar frutas no deserto?
P/2 – E você sentiu certa identidade lá também.
R – Não pela identidade. Não tanto a identidade.
P/2 – Por tudo.
R – É a cultura em geral. Você não tem ideia do que é aquele país. Você vai uma vez, você quer voltar a segunda. Eu fui duas vezes em excursão. Excursões totalmente diferentes. Se eu voltar agora, não quero já voltar em excursão. Faço a minha excursão à parte, porque eu já conheci todo lugar que eu precisava. Mas você tem... Você entra num bar num sábado à noite, você entra num bar... A gente fala bar. Lá é café. Lá é café. Uma mesa redonda que nem essa que nós estamos vendo, todo mundo tá lá batendo papo, tomando água, com o tablete na mão. Ninguém tá te aborrecendo. Ninguém. Por que é isso? Não é cultura? Cultura. Pra mim é cultura. Ninguém... Você não vê um mendigo na rua que nem você vê aqui. Um moleque chegar à rua, falar: “Ô, tio, me dá dez centavos?”. Você não vê. Você não vê. E as faculdades, não pense que são só pra israelense. É árabe e israelense a faculdade de lá. Você vê a mulçumana vestida e frequentando a faculdade. Tá certo que ela fala o hebraico, lá é obrigatório falar hebraico, inglês e tem a língua dos pais à parte. Seria árabe, quer aprender a falar árabe, vai falar árabe. Mas inglês e hebraico são obrigatórios. Até no jardim de infância... Não é jardim de infância, é creche, creche de criança. Você fica boba, você não acredita no que você tá vendo.
P/2 – Senhor Boris, pegando um gancho no que você falou da cultura que você percebeu na viagem e acabou falando das crianças, quando você estava falando lá da sua infância, você comentou que havia festa judaica na escola.
R – Certo.
P/2 – Como que eram estas festas?
R – Mas não é que nem festas... Não são festas, festas. São as festas tradicionais, certo? Então a gente ia à sinagoga, ia em respeito aos pais, mas não é festa. A festa principal dos jovens, do menino é quando ele completa 13 anos, que chama Bar Mitzvá e da menina que é o Bat, com 12 anos. Mas isso ficou agora, uma coisa mais moderna pras meninas. Para os meninos era o Bar Mitzvá. Então essas são as festas que o pessoal gosta de ir mais.
P/1 – O senhor teve o seu Bar Mitzvá?
R – Eu tive.
P/1 – Você se lembra de alguma coisa pra contar pra gente? Como foi, se você ficou ansioso, se você se lembra do dia.
R – Não. Não dá pra falar, descrever totalmente. Não dá. Eu lembro como que era, mas não dá pra descrever porque é uma coisa muito íntima, tá entendendo? Hoje não. Hoje o pessoal já faz com mais... Uma festa de menino de 13 anos cada um quer aparecer mais do que o outro, sabe? São épocas. São épocas.
P/1 – Mas havia uma roupa específica?
R – Não. Não tem roupa específica. Ia de terno e gravata. Hoje já não. Hoje é um país modernizado, um mundo modernizado, globalizado.
P/1 – E para os seus filhos também...
R – Sim. Não tem dúvida. Foi feito. Igualzinho.
P/1 – E para os netos também agora todos... Vai continuando, já vai fazendo.
R – Espero. Para os meus dois netos mais velhos teve, não vou dizer que não. Agora, os outros dois eu não sei. Não sei se eu vou chegar até lá.
P/1 – Pensando nas festas, outra parte da sua história que eu fiquei com vontade de ouvir mais, você comentou que havia os bailes na época da juventude. Como eram esses bailes?
R – Ah, eram os bailes de formatura. Não tinha os bailes assim, balada que nem você tem hoje. Final de semana: “Vou a uma balada. Vou a uma balada”. Não. Era baile de formatura. A gente esperava o baile de formatura pra ser convidado ou senão a gente ia até lá. Precisava ir de terno, não é que nem hoje, você vai assim... Era gravatinha borboleta que a gente chamava, sabe? Ou de smoking, terno escuro. A gente ia à Casa de Portugal, ao aeroporto, Palácio Mauá. Palácio Mauá hoje é um fórum, mas tinha um tremendo de um salão de bailes lá, no Palácio Mauá.
P/2 – A Casa de Portugal é aquela na Liberdade.
R – Na Liberdade. A Casa de Portugal até hoje tem, mas não sei se tem bailes. Haja vista que há pouco tempo teve uma briga ali.
P/1 – Como que eram as músicas? Era uma banda?
R – Não. Eram orquestras mesmo, Osmar Milani, Silvio Mazzuca. Bailes eram totalmente... Tinha o Rock N´ Roll, mas era muito assim, não constante. Era mais samba, bolero. Não tinha assim, que nem hoje... Hoje é balada. Você não ouve falar em baile. Você ouve falar em balada.
P/1 – E vocês não dançavam sozinhos. Vocês convidavam as moças para dançar e todas...
R – A gente ia na turma. Então a gente tinha nossa turma que a gente saía pra dançar tudo junto. Assim, com as colegas e os colegas saíam com as outras meninas, mas não procurava arrumar encrenca, nada disso.
P/2 – O senhor falou que o senhor casou em 64. Aí eu queria saber, pegar um pouco das suas memórias desse período de 64 em diante, o que mudou na sua vida, na rotina, no bairro.
R – Não mudou nada. Sempre continuou a mesma forma. Sempre a mesma forma. A única coisa é que a gente, por exemplo, chegava fim do ano entre Natal e Ano Novo a gente viajava pra fora, como se fosse tirar férias. Então a gente não ficava em São Paulo. Principalmente eu, como eu moro no Bom Retiro, eu morei num apartamento que era onde tinha as escolas de samba, saía carnaval. Então eu não podia ficar em casa, que aquilo ficava me... Aquela batida do samba não deixava a gente dormir. Conforme ele batia no bumbo, a gente parecia que estava pulando na cama. Então Carnaval eu caia fora de São Paulo.
P/2 – E pra onde vocês iam? Tinha algum lugar assim, específico?
R – Carnaval ou eu ia pra Guarujá, ou eu ia pra Santos, mas nunca fiquei em São Paulo. Nunca.
P/1 – E essas viagens eram como? Era você e a sua esposa...
R – Era eu, minha esposa e meus dois filhos. Aí depois eles ficaram grandes, maiores, então viajava só eu e ela. Mas normalmente a gente ia a família toda.
P/2 – E como é que era o Guarujá essa época e Santos? Muito diferente?
R – Já faz muito tempo que eu não vou pra baixada, então não posso dizer como que é, mas pelo que eu escuto falar...
P/1 – Mas não tinha muito prédio assim, tinha?
R – Tinha prédio já. Tinha. Opa! Era Santos e Guarujá, quer dizer, quando o pessoal ia... Pessoal foi primeiro pra Santos, como hoje está sendo o pré-sal, está sendo chamado futuro do país, então... Naquela época era Santos o auge, aí quando começou, todo mundo começou a correr para o Guarujá, então começou a mudar o padrão de vida, foi todo mundo pulando pro Guarujá. Hoje você já ouve falar em Maresias, Boiçucanga e assim por diante.
P/1 – E o senhor viajou pra outros estados do Brasil?
R – Só a trabalho. Só a trabalho. Trabalho, sim. Trabalho eu conheci Espírito Santos, Florianópolis, Joinville, Rio.
P/1 – Joinville...
R – Rio.
P/1 – Rio.
R – Enfim, trabalho, sim. Ia num dia e voltava no outro. Não tinha esse negócio de fazer turismo. Não dava tempo.
P/1 – E com que transporte você ia a essas viagens?
R – Se eu te contar que eu viajei uma vez de ônibus para o Rio. A primeira vez que eu fui para o Rio de ônibus viajei a noite toda pra chegar ao Rio de manhã, naqueles ônibus Mercedes quebra-gelo que a gente falava. Cheguei ao Rio, fui para o local fazer o serviço, eu falei: “Não volto de ônibus.” Porque não dava pra voltar de ônibus, que estava muito arrebentado. Aí eu viajei... Eu tenho até hoje guardado, se não me engano tenho guardado, a passagem de ponte aérea.
P/2 – Foi a primeira viagem?
R – Primeira viagem de avião minha.
P/2 – E qual que foi a sensação? Foi bom? Deu medo?
R – Naquela época você fala: “Vai”. Quando você ficava querendo saber o que é “vai”? Nunca tinha viajado num avião, chegava ao aeroporto, eu ficava assim olhando o avião. Dá um medo, lógico que dá um medo. Agora não. Agora não tenho medo. Tenho medo só na hora de levantar e na hora que descer. Eu viajei... A primeira viagem que eu fiz pra Israel eu viajei 18 horas, viagem direta São Paulo – Israel. Dezessete horas, minto. Voo direto. É gostoso, não vou dizer que não, mas tem uma hora que não dá pra... Você vê, quando eu fiz a primeira viagem, eu fiz Brasil – Israel voo direto. A volta também voo direto. Agora quando eu fui em abril de 2013, fui via Itália. Dentro do aeroporto você tem um metrô. Como que é isso? Você desce de um avião em pleno campo de pouso, você pega um metrozinho pra embarcar em outro avião. E da Itália pra Israel são três horas de voo. Voo péssimo. Péssimo. A volta não. A volta foi mais ou menos. Mas é cansativo, não vou dizer que não. São épocas totalmente diferentes.
P/1 – Senhor Boris, o senhor já andou de barco ou de navio?
R – Não. Não. Isso não. Nem pretendo. Não vejo gosto de ficar viajando num barco e ficar vendo céu e água, céu e água. Prefiro ir num mais rápido e aproveitar em terra firme, como a gente fala.
P/2 – E do país assim, que memórias que o senhor tem, década de 70, esse período da ditadura?
R – Ditadura? Eu lembro que nem hoje quando estourou a Ditadura. Eu estava no Banco Auxiliar na Rua Silva Pinto.
P/1 – Aí o senhor ouviu pelo rádio, alguém estava ouvindo?
R – Não. Eu estava pagando... Eu trabalhava num escritório, num escritório, era 31 de Março, o Banco Auxiliar, o gerente era um japonês Naito, ele recebeu a informação que estava tendo uma revolução, tinha dinheiro no banco, ele falou: “Tira logo”. Isso foi a palavra que eu ouvi. Isso eu lembro. Trinta e um de Março. Não lembro o dia da semana, mas lembro da hora que esse gerente falou: “Tira”. Eu trabalhava em um escritório, não tinha o meu escritório. Aí trouxeram um cheque... Não era que nem hoje que você entrega o cheque, é tudo mecanizado. Naquele tempo, não, era uma fichinha, tipo uma ficha de conta corrente. Você começa a se lembrar desses pontos aí, você fica assim, como que pode ser mudar de uma folha de papel...
P/2 – Pra um registro eletrônico.
P/1 – É muita coisa.
R – Hoje você recebe um boleto pra pagar. Você recebe uma conta de telefone. No meu tempo não tinha conta de telefone... Tinha conta de telefone, como que era? Era a Telefônica. O cara vinha te cobrar em casa. Ele andava com uma pastinha estreita, ele vinha. A Telefônica existe até hoje na Rua Sete de Abril, aquele prédio em frente a Dom José de Barros. Diário Associados onde era? Na Rua Sete de Abril 230. Você pode ir lá que você vai encontrar o prédio.
P/1 – E depois dessa época, da década de 70, você continuou trabalhando no Centro mesmo, você...
R – Não. Eu trabalhava no Bom Retiro.
P/1 – Ah, é verdade.
R – Desde 57.
P/1 – Então você já conseguia ir a pé para o trabalho...
R – Como era perto de casa, eu ia a pé mesmo, não tinha esse negócio de condução. Eu sempre trabalhei perto de casa. Mesmo quando eu tive escritório, também era perto de casa. Tudo pertinho de casa. Outra coisa que tinha gente que brigava comigo, porque eu sempre fui a favor de trabalhar com mulheres. Você fala: “Por quê?”. Eu acho que a mulher é muito mais atenciosa do que homem. Ela produz muito mais. Então eu sempre procurei ter funcionárias, ou então quando trabalhava no outro escritório, eu sempre trabalhei com mulheres. Ali eu aprendi muita coisa, que a convivência com mulher era muito melhor do que com rapazes. Eu tinha um funcionário... Não é que eu tinha um funcionário, ele era subordinado a mim no escritório que eu trabalhei no lugar da minha irmã, se eu te contar que o cara me roubava. Eu faço conta de cabeça, não precisa me... Se eu vou hoje ao supermercado fazer uma compra, eu já sei quanto que eu vou pagar, mais ou menos. Não vou bater igualzinho, mas eu sei quanto eu vou pagar, porque eu já vou somando de cabeça. Esse rapaz era um loirinho, ele era um loirinho e o cara me roubava na cara de pau. Porque quando a gente dava serviço naquele tempo, pra vir fazer serviço na cidade, a gente relacionava: “Olha, você tem pra fazer reconhecimento de firma, pra fazer isso, pra fazer aquilo”. A gente marcava tudo: “Nesse lugar você vai gastar tanto, nesse lugar você vai...”. Então a gente sabia, eu fazia o caixa, eu dava pra ele, digamos que ele tinha 100 reais, ele devia gastar 80, ele devia me trazer 20, tá? Naquele dia eu falei: “Pô, essa conta tá errada”. Ele falou: “Não. Tá certa”. Eu falei: “Tá errado”. Ele fazia novamente, fazia aquela tirinha de soma, que nem você vai num restaurante hoje vem aquele ticket. E ele trazia, eu falava: “Caramba, será que eu...”. E eu resolvi fazer a mão, falei: “Olha, tá errado”. Ele falou: “Não. Tá certo”. Eu falei: “Então ou eu to somando errado ou a máquina”. Aí eu vim descobrir como que ele roubava e até hoje, pouco tempo atrás, apareceu uma mensagem pra mim, um amigo meu, que ele foi enganado num restaurante na Praça Vilaboim. Como ele fazia o roubo, primeiro ele puxava a fita, carregava a máquina... Primeiro ele dava muito asterisco, como se máquina estivesse limpa e voltava a fita pra baixo. Ele carregava com determinado valor. Isso apareceu agora há pouco tempo. Tem o quê? Dois meses que um amigo meu foi roubado num restaurante. Dessa forma. Eu falei: “Putz, não acredito”. Comecei a lembrar como o sujeito me levou na conversa.
P/2 – Aí o senhor o demitiu? Como foi?
R – Não. Eu era empregado, não podia. Eu só chamei a atenção. Aí o controle já começou a ser mais rígido, totalmente diferente. Eu não tinha autonomia de mandar embora. Mas como eu fazia o caixa, eu era o responsável. Quer dizer, como eu nunca fiz aquela soma, naquele dia como era uma soma pequena que me chamou a atenção. Que nem esse meu amigo, uma soma grande ele não... Aí eu somei à mão e vi a diferença, falei: “Caramba!”. Aí que ele me mostrou o truque, eu me lembrei do truque, que existe até hoje em máquinas eletrônicas. Ninguém é infalível. Dizem que o computador não é burro, mas ele é burro. Dizem, mas ele é.
P/3 – O senhor faz um paralelo muito grande do tempo anterior para o atual, quando que você percebeu um grande choque de tecnologia ou de mudança assim? Quando diria que foi?
R – Ah, o choque você tem, pode ser naquela época ou... Na época atual, vamos dizer, você tem um choque. Hoje você... Vou dar um exemplo melhor, você recebe fax hoje? Você não recebe. Você recebe tudo escaneado já com assinatura e tudo. No fax você não tinha como assinar o papel. Então já é um choque. Como que pode escanear? Você mandava fazer uma fotocópia, por exemplo, você pensava em fazer manipulação na fotocópia? Não tinha. Hoje você tem xérox. Você coloca um negócio, você remonta. Num cartãozinho de memória que não tem nada você põe dentro de um celular, você transfere dados. É um choque. Lógico que é um choque. Você fica imaginando como que pode acontecer tudo isso.
P/1 – E você sempre gostou de tecnologia. Desde quando surgiu você se interessou em querer saber tudo.
R – Você queria acompanhar, você não vai ficar parado. Quem não acompanha é porque não quer. Ou ele para no tempo, ou ele não para no tempo. Não sou um expert. Eu aprendi tudo sozinho, mas é bem diferente. É bem diferente.
P/1 – Você sempre se interessa quando tem algo novo que você quer adquirir, desde computador, máquina, celular?
R – Olha, hoje já procuro não me interessar tanto, porque o custo é grande. O custo é grande. Se você for analisar, anos atrás ainda você procurava. Hoje você quer fazer economia. Hoje você não tá ganhando dinheiro assim tão fácil como alguns anos atrás. Tudo é caro. Hoje você tem condições de comprar um notebook toda hora? Você não compra. Não é todo mundo que tem um tablete, um iPhone. Lá fora é mais barato. Você não vê a propaganda que tem... Aliás, a propaganda não. Esse Playstation, o quatro, Playstation 4 que está sendo lançado aqui quase por cinco mil reais, você compra lá fora por dois mil reais. É um absurdo. Não dá pra você acompanhar, então...
P/1 – E hoje o senhor usa a internet pra se comunicar com as pessoas?
R – Uso. Skype.
P/1 – É o que mais...
R – Você tem o Skype.
P/1 – O senhor mora...
R – Hoje você não vai fazer uma ligação pra Europa via telefone. Você vai chamar pelo Skype. Você vai procurar na internet se a pessoa tem Skype. Se você localizar o Skype dele, você fala com a pessoa. Eu mesmo falo com o meu primo em Israel. Eu tenho uma prima nos Estados Unidos, em Minneapolis.
P/1 – O senhor mora sozinho hoje?
R – Moro sozinho. Infelizmente.
P/2 – O senhor falou, só voltar um pouquinho, o senhor falou um pouco de ter funcionárias e funcionários, que o senhor sempre achou que as mulheres são mais atentas, tal, prestam mais atenção a detalhes.
R – Certo.
P/2 – Eu queria ver como é que foi ao longo desses anos a evolução, como é que o senhor viu a participação da mulher no mercado de trabalho?
R – Muito grande. Eu acho que é muito grande. Hoje você vê mulheres ocupando cargos importantíssimos. Dar um exemplo, quem é a presidente da TAM? É uma mulher. Você sabia? É uma mulher. Não to falando em pontos estratégicos do governo brasileiro. Assuntos privados. To dando um exemplo de uma empresa de transportes aéreos. A TAM é dirigida por uma mulher. Vou te dar outro exemplo. Na televisão, não a jornalista apresentadora, você pega jornalistas econômicas, de economia, fantásticas. Fantásticas. Mulheres comentando assuntos de economia tanto brasileiro como mundial. E você pode acompanhar que é certinho o que elas falam.
P/2 – A sua esposa trabalhou fora?
R – Não. Trabalhou comigo. Nunca trabalhou fora.
P/2 – Mas no escritório?
R – No meu escritório junto comigo. Ela vinha depois do almoço e nós íamos embora juntos. Sempre.
P/1 – E quando a sua esposa faleceu, os seus filhos já eram casados?
R – Não. Só um era casado. Só um era casado. O outro era solteiro, morava comigo, depois ele casou, foi ter a vida independente dele.
P/1 – Então o senhor morou um tempo com ele?
R – O Ivo já era casado quando a Doroty faleceu. Ela faleceu em 99. O Cláudio ficou comigo um ano, um ano e meio, aí ele casou e foi embora. Aí eu fiquei sozinho até hoje. Só que eu tenho contato... A minha maior frustração na minha vida é não ter tido uma filha mulher, tá? Apesar de que eu tenho filhos maravilhosos. Maravilhosos. Não posso me queixar por serem homens. Principalmente o Ivo. O Ivo, sete e meia da manhã ou sete e 40, é religioso, posso registrar isso em qualquer lugar, ele telefona: “Tudo bem?” “Tudo bem”. Pá. Ele se interessa. E no fim da tarde, ele também telefona. E todo sábado almoço na casa dele e no domingo almoço na casa do outro. Nunca deixei de ter a família do meu lado.
P/1 – A família sempre foi o mais importante para o senhor.
R – Eu acho que tem que ter do lado. Porque se você não tem a família, você não tem nada na vida.
P/1 – Verdade.
R – Haja vista que eu tenho o meu cunhado que mora no Rio, que é irmão da minha falecida esposa, o Nelson, tenho contato com ele até hoje. Todo domingo de noite eu ligo uma semana, no outro domingo ele liga pra mim. Nunca deixamos de...
P/1 – Manter o contato.
R – De manter o contato. Todo domingo. E se ele vai viajar pra fora, ele me avisa: “Olha, tô viajando”. Então eu já sei que não é pra ligar. Eu já sei que não é pra ligar.
P/2 – O senhor falou que gostaria de ter tido uma filha, mas aí o senhor tem uma neta. É uma neta?
R – A única neta. É a xodó. É a xodó.
P/2 – Vai ser bem mimada pelo avô.
R – Vou dizer que é mimada? Não posso porque senão eles vão me torcer a orelha.
P/1 – Boris, a gente tá chegando ao final e vou perguntar se as meninas querem fazer uma última pergunta.
R – Vamos dizer que é uma roda viva.
P/1 – E se talvez também o senhor queira contar alguma coisa que a gente não perguntou.
R – Não. Não dá... Sabe o que é? É uma coisa que você não esperava que seria dessa forma, certo? Então não dá pra eu... Aí precisaria de outra formalidade, de esquematizar mais, sabe? Aí da pra colocar as coisas... Eu acho, minha opinião, não sei a opinião de vocês, a minha opinião é essa, se eu viesse preparado como seria, era uma coisa. Como me pegou assim de surpresa, então eu acho que tá muito bacana. Eu acho.
P/1 – Tá muito bacana, com certeza.
P/2 – Tá ótimo.
R – Eu acho. Agora, pode ser, se a gente tivesse feito um esquema: “Olha, começar por ali, por aqui, por ali”, até chegar à data atual, é uma coisa. Começar de 1950, 51, 52, pra chegar até 2013, olha que tem chão, viu? Tem muita estrada.
P/3 – O senhor comentou sua frustração de não ter tido uma filha, quais são as grandes alegrias da vida do senhor?
R – A grande alegria? Primeiro lugar ver meus filhos formados. Fora ver meus filhos formados e estão numa posição muito boa, que os filhos não tão dependendo de mim, mas eu to dependendo deles. Isso é uma das alegrias. Acho que todo e qualquer pai ou mãe gostaria de ter isso na vida. Não um filho precisar depender do pai, mas o pai depender dos filhos. Isso que eu acho muito mais bacana. E o respeito que eles têm por mim e eu tenho o respeito por eles, tanto pelos meus filhos, pelas minhas noras, pelas duas noras e pelos meus netos mais velhos. Os pequenos já não digo, são pequenos, um tem sete anos, ainda não tá na idade de... Brinca, chuta, mas não posso reclamar. Dão o respeito de qualquer forma. Dão o respeito de qualquer forma.
P/1 – E o senhor contando a história um pouco da sua vida agora, o senhor acha que onde que mexeu bastante com o senhor e o que o senhor sentiu que você pode...
R – Tem tanta coisa, não dá pra lembrar tudo. Tem coisas bacanas, não vou dizer que não. Reviver o passado e lembrar atual é muito bacana, muito bacana. É uma alegria isso. Poder lembrar tudo e ter a cabeça no lugar, não precisar de uma bengala. Acho que é muito bacana. Acho que a maior coisa que tem na vida de uma pessoa, principalmente eu com a minha idade que eu tenho, 76 anos, levantar de manhã e ninguém precisar te levar pra te dar um banho. Você por os dois pés pra fora da cama e levantar sozinho de uma cama é a melhor coisa da vida que a gente tem. Eu acho. Isso é a minha opinião, não sei... Cada um tem a sua ideia.
P/1 – É ótimo. É verdade.
R – Eu vejo cada coisa com gente jovem. Meu filho médico, meu filho Cláudio que é formado em médico veterinário, ele tem uma amiga da idade dele, que se formou junto com ele, tem esclerose múltipla. Como que é isso? E não é só isso. Você ouve muitas e muitas coisas, em crianças principalmente. Leucemia, câncer. Não vou dizer a idade, mas em crianças. Você vê muito na televisão hoje em dia. Você já foi alguma vez no Instituto da Criança? Alguém de vocês foi? Eu fui. Eu já fui. É melhor não ir. Nem passar na porta. É horrível. É horrível. Não sei qual é o padrão de vida... Pelo que eu vi lá no Instituto da Criança, pelo que eu vi, lógico que é gente humilde, que não tem condições de pagar um plano de saúde, ou então, se tem, assim mesmo é ruim. Você vê crianças... Melhor nem falar. Nem falar. É ver pra crer. E o governo não vê nada.
P/1 – É.
R – Infelizmente.
P/2 – Senhor Boris, pra terminar, a gente, além de te agradecer demais a disponibilidade...
R – É um prazer.
P/1 – A paciência em ficar aqui com a gente. Muito obrigada por contar a sua história, as suas histórias. A gente queria que você falasse de novo, no início você fez de um jeito bem legal, o seu nome de novo, a sua idade, de onde você é e você comentou da sua profissão um pouquinho. Pra fechar um pouco de você.
R – Foi um prazer enorme estar com vocês, ser entrevistado por vocês de uma maneira muito bacana, relembrar... Tinha um programa, se não me falha a memória, na Joven Pan, que chamava Reminiscências Esportivas, que era relembrar o passado. Então tinham histórias muito bacanas. Há pouco tempo uma pessoa trouxe a minha casa um livro, não é livro, um álbum das copas de 50, de 1950 até a última copa, que foi na Espanha. Não. Na Alemanha. Na Alemanha. E conforme eu estava folheando e vendo, então eu falava pra pessoa: “Está vendo isso? Assim, assim, assim...”. Eu ia relembrando tudo. Aí eu chamei a atenção da pessoa: “A única coisa que faltou aí, dizer quem marcou o gol, quem fez isso, quem fez aquilo. Foi uma montagem muito bacana, muito bacana, mas faltaram coisas”. Aqui não faltou, pelo contrário, acho que tá faltando completar mais ainda. Então foi muito bacana essa entrevista e me fez lembrar muita coisa do passado. Meu nome é Boris Minkovicius, sou nascido em São Paulo, tenho 76 anos, sou contador atualmente aposentado, não acho ruim na vida. Só isso. Muito obrigado.
P/1 – Obrigada o senhor. Foi um momento maravilhoso.
P/2 – Obrigada. Muito obrigada.
R – Não sei se...
P/2 – Foi ótimo. Foi muito bom.
FINAL DA ENTREVISTA
Recolher