P - Bom, então vamos conversar de uma maneira mais genérica. Primeiro eu queria que o senhor se apresentasse um pouco, aonde é que o senhor nasceu, um pouco da sua historinha pessoal pra gente saber aonde é que vem esse médico afinal. O senhor é paulista? Nascido aqui mesmo? R - Não, eu sou nascido em Mococa, estado de São Paulo em julho de 1916. Aí eu estudei primário lá, depois secundário em São Paulo no Liceu Franco-Brasileiro e no Liceu Rio Branco e depois superior eu vim para a Escola Paulista, quer dize, eu fiz o Pré-Médico, entrei aqui na Escola e me formei em 1942. P - 42. A Escola Paulista de Medicina é de quando? R - 33. Começou em 33 mas a primeira turma foi 39. P - E o senhor é de qual turma? R - Quarta ou quinta. P - Quarta ou quinta turma, quer dizer, bem no início da escola, né? R - Ainda era particular. A escola era particular depois é que foi federalizada e tornou-se logo federal. P - Fala um pouco da sua família. Seus pais eram naturais de lá? R - Não. P - Qual a sua ascendência? R - A minha ascendência é italiana. Minha mãe veio com a família de 6 meses de idade e foram para São José do Rio Pardo e depois sediaram em Mococa. De lá fizeram a vida deles. Meu pai veio com 13 anos, também foi para São José do Rio Pardo, trabalhou com parentes lá. P - Comércio? R - Comércio. E depois ele transferiu-se para Mococa e lá ele teve loja comercial de ferragem, de louças, artigos de presentes. P - E aí o senhor já nasceu nessa época que ele estava fazendo comércio. Então o senhor vem para São Paulo, aí o senhor se forma, como é que era a medicina no início da sua carreira. O senhor já se formou em clínica geral? Não havia especialização naquela época. R - Não, havia. P - Já havia? E como é que era? R - Eu comecei a fazer especialização em 1941, quer dizer, no quinto, porque o curso de dermatologia era na quarta série e era anual, e então já em 1941 que era a quinta série, eu...
Continuar leituraP - Bom, então vamos conversar de uma maneira mais genérica. Primeiro eu queria que o senhor se apresentasse um pouco, aonde é que o senhor nasceu, um pouco da sua historinha pessoal pra gente saber aonde é que vem esse médico afinal. O senhor é paulista? Nascido aqui mesmo? R - Não, eu sou nascido em Mococa, estado de São Paulo em julho de 1916. Aí eu estudei primário lá, depois secundário em São Paulo no Liceu Franco-Brasileiro e no Liceu Rio Branco e depois superior eu vim para a Escola Paulista, quer dize, eu fiz o Pré-Médico, entrei aqui na Escola e me formei em 1942. P - 42. A Escola Paulista de Medicina é de quando? R - 33. Começou em 33 mas a primeira turma foi 39. P - E o senhor é de qual turma? R - Quarta ou quinta. P - Quarta ou quinta turma, quer dizer, bem no início da escola, né? R - Ainda era particular. A escola era particular depois é que foi federalizada e tornou-se logo federal. P - Fala um pouco da sua família. Seus pais eram naturais de lá? R - Não. P - Qual a sua ascendência? R - A minha ascendência é italiana. Minha mãe veio com a família de 6 meses de idade e foram para São José do Rio Pardo e depois sediaram em Mococa. De lá fizeram a vida deles. Meu pai veio com 13 anos, também foi para São José do Rio Pardo, trabalhou com parentes lá. P - Comércio? R - Comércio. E depois ele transferiu-se para Mococa e lá ele teve loja comercial de ferragem, de louças, artigos de presentes. P - E aí o senhor já nasceu nessa época que ele estava fazendo comércio. Então o senhor vem para São Paulo, aí o senhor se forma, como é que era a medicina no início da sua carreira. O senhor já se formou em clínica geral? Não havia especialização naquela época. R - Não, havia. P - Já havia? E como é que era? R - Eu comecei a fazer especialização em 1941, quer dizer, no quinto, porque o curso de dermatologia era na quarta série e era anual, e então já em 1941 que era a quinta série, eu já fiz internato em dermatologia e aí depois me formei e fiquei como assistente extranumerário. E depois passei a assistente, e foi galgando lá, terceiro assistente, primeiro assistente até chegar a professor adjunto e me aposentei como tal, professor adjunto em 1986. P - Mas paralelamente a isso o senhor clinicou também? R - Lógico. Eu formei num período muito difícil porque era a época da guerra, da Segunda Guerra e não havia locais para instalar consultório, tinha luva, era difícil. P - O custo era alto? R - Custo alto porque a luva era pesada e a gente recém formado não tinha nada. P - E como era essa luva, luva de aluguel? R - Luva para alugar. Quer dizer, não era aluguel, o aluguel era X, mas eles cobravam uma quantia fabulosa para a gente conseguir o contrato. P - E isso quem cobrava era a imobiliária ou o próprio proprietário? R - O próprio proprietário ou imobiliária, naquele tempo era mais o proprietário. E isso tornava dificuldade porque haviam poucos locais para alugar... P - E o preço ia lá para cima. R - Ia dificultando. Então para instalar consultório naquela época era normal cada um ter o seu consultório, ou em grupo ou isolado, mas era, fazia parte, naquele tempo ainda era normal a gente ter... P - O seu próprio consultório. Não era clínica, não? R - Não era feito hoje que convênio e etc., que o sujeito pode clinicar, sem ter consultório pode fazer medicina volante aí, não é? P - Então o senhor montou o seu consultório logo? R - Não, com muita dificuldade, eu com colega montamos primeiro no Brás e depois transferimos para a Rua Conselheiro Crispiniano, tivemos uma sala lá que era no prédio da Santa Casa, eles deram preferência por médicos então alugamos lá, Conselheiro Crispiniano. P - Então o senhor já começou clinicando como dermatologista e a pergunta que eu lhe fiz, como é que era a medicina ou a dermatologia no tempo que o senhor se formou? Que doenças se enfrentavam, que estavam sendo mais graves? R - O que aconteceu foi o seguinte: naquela época os clínicos tinham placas nas fachadas dos prédios com nome, indicações do que fazia, tal. A maioria dos clínicos anunciavam o tratamento de sífilis e moléstias venéreas, e também às vezes sífilis e moléstias venéreas. Quer dizer que o dermatologista ficava restrito a fazer essas doenças e as outras, mas bem limitado, quer dizer, a concorrência era grande e não havia assim muito critério de especialização. P - O que predominava era clínica geral, não? R - Clínica geral, clínica médica e cirúrgica. P - Então havia uma certa dificuldade até dos pacientes entenderem a necessidade da especialização. R - Isso, eles se socorriam de qualquer médico clínico, que era clínico de família, anunciava toda essa faixa de tratamento. As coisas mais complicadas ia parar na mão do especialista. P - Eu perguntei quais eram as doenças que estavam mais em evidência porque como o senhor falou sífilis, tuberculose eram as doenças crônicas daquela período, endêmicas. R - Sífilis era um coisa bem freqüente mesmo, e as moléstias venéreas de um modo geral, mas principalmente sífilis tanto assim que era anunciado especificamente sífilis. P - E quais os tratamentos medicamentosos que tinham na época para sífilis e para tuberculose? R - Justamente para sífilis era o arsênio, quer dizer o Neossalvassan que era denominado 914 cuja aplicação era na veia seminal e o tratamento se prolongava de três a quatro anos com intervalo, e bismuto que era injetado no músculo. E depois na evolução do tratamento da sífilis veio o Arsenox que é um arsênico mais puro e numa dose bem melhor que o Neossalvassan. Porque o Neossalvassan era 3 e ½, 4 e ½, 7 miligramas. P - De arsênico mesmo. R - Não, o Arsenox, Neoarsenamina ela era de 0,04 e 0,06 duas doses únicas só porque era dissolvida em 10 ml de água destilada que injetava na veia num minuto. Então era uma emoção muito grande porque era um minuto para mim provocar uma dor na veia e evitar de sair fora da veia, era necrotizante aquela dose. Depois veio a penicilina e foi por terra tudo isso. A penicilina também teve evolução, quer dizer, começou a cristalina. A cristalina é muito complicada de aplicação porque de três em três horas, de quatro em quatro horas tinha que dar a injeção, noite e dia, quer dizer, era uma dificuldade danada. Então começaram a criar, procurar uma penicilina que fosse de retenção. P - De efeito prolongado. R - Puseram cera de abelha, juntaram outros produtos, outras substâncias até chegar a benzatina que tem uma absorção bem demorada e muito específica para o tratamento da sífilis porque na sífilis não há interesse em uma dosagem alta mas sim prolongada para matar o treponema, para ir agindo aos poucos. P - Nós estamos falando de sífilis, mas e dermatologia especificamente o que é que tinha, quais eram as doenças que mais afligiam os seus pacientes? R - Sempre foram micoses superficiais e profundas, dermatofitose, "pé de atleta"... P - Fungos. R - Doenças a fungos e micoses. E profundas que era a Bastlomicose americana, o espóriotriquose que era muito freqüente, comomicoses e outras. P - Também por fungos mais profundas. R - Mais profundas. P - Essas chegavam a destruir partes inteiras de tecido? R - Não, essas tem evolução não só na pele como também tem conseqüências orgânicas, quer dizer que... P - Eles afetam o organismo. R - Invasão se generaliza no organismo e depois moléstias alérgicas que ainda hoje predominam, os problemas. P - A gente pode dizer que houve muita evolução na era da dermatologia nesses anos todos que o senhor está clinicando? R - Houve. P - Em termos de medicamentos, quero dizer. R - Não, não só evolução na etopatogenia, esclarecendo, os mecanismos das doenças mas também na terapêutica então foi uma evolução muito grande. Porque antigamente moléstias alérgicas tratavam por preparações que a gente formulava, mas não havia cortisona ainda, formulava-se cremes e pastas, etc. P - Quais que eram os princípios ativos desses cremes e pastas? R - Em geral ictiol, alcatrão, ácidos salisíco, ersossina, enfim, substâncias que ainda se usam atualmente. P - Mas de resultado... R - Era um resultado bom mas localmente mas não assim dramático como a cortisona. E outra coisa como medicação geral se usava cálcio na veia para dessensibilizar o indivíduo alérgico e o hiposulfitro de sódio. P - E qual era o efeito desses... R - Na ocasião era tido como anti-alérgico. P - E depois se comprovou que não é, que não tem efeito? R - Não, aí caiu em desuso por causa da cortisona. P - O efeito dele era muito pequeno. R - Nem se compara. P - Eu estou procurando aqui algum porque eu tenho a relação de alguns pontos de princípios ativos descobertos que foram importantes para a medicina. Eu estou pensando aqui na área de dermatologia quais que poderiam ser. Me parece que os corticoteróides são os mais importantes pra dermatologia. R - Foi um dos mais importantes, não só moléstias alérgicas como medicina geral. Quer dizer, hoje a cortisona existe, é usada em vários campos. P - E como é que atua a cortisona, doutor? R - Ela é um substituto da supra renal, então ela bloqueia, quer dizer, ela substitui a produção da supra renal que fica bloqueada, tanto assim que o uso prolongado depois traz efeitos secundários graves que tem que ser sempre prevenidos. P - Eu ouvi dizer que é cancerígeno mas assim. R - Não. P - Não chega a ser? R - Cancerígeno não, mas no sentido de trazer conseqüências, ele bloqueia a hipófise. A supra renal é comandada pela hipófise então ela corta esse bloqueio, essa citação da supra renal com a hipófise, ela funciona como substituto e a supra renal deixa de funcionar praticamente. Então... P - Pode criar uma atrofia ou alguma coisa assim? R - Aí tem uma série de conseqüências de efeito secundário aí que uma pessoa começa a ter edema, pode ter até osteoporose, tem facilidade de adquirir doenças por fungos, por bactérias, por vírus, quer dizer, cai as defesas naturais porque diminui, porque a supra renal é a chave da defesa imunológica. P - É um negócio série, mexer nessa chave aí é complicado. Agora, a cortisona quando o senhor fala nesse nível aí é quando ela é uso sistêmico, não é? O uso tópico já não tem essa conseqüência. R - Isso é relativo porque também ela pode ser absorvida, por exemplo, em criança, na infância, a pele é muito delicada, muito fina e há absorção se for usada numa superfície extensa e por muito tempo há absorção. E segundo também há conseqüência na pele, ela pode provocar atrofia, pode provocar equitasia, uma série de alterações secundárias. P - Quando o uso é muito extenso em área grande. R - Área grande e prolongada. P - Se for área pequena e prolongada? Pode ter? R - Isso é relativo. P - E a gente está falando da cortisona, além da alergia o que é que a cortisona possibilitou? R - Um campo em que ela foi extraordinária nos péfigos. P - O que são os péfigos? R - Péfigos são doenças que aparecem bolhas na pele, tem vários tipo de péfigos. Mas o mais freqüente aqui no nosso país é o péfigos foliáceo, que é o fogo selvagem, que era um problema de saúde pública muito grande, as pessoas eram em geral simples, poucos recursos. Tanto assim que foi criado um hospital especial de péfigos foliáceo, fogo selvagem, que era lá no Mandaqui. Esse hospital tinha o nome de Adhemar de Barros. P - O político? R - Não. Foi um dermatologista que era amigo dele que conseguiu, deu esses recursos para construir esse hospital e lá ele justamente hospitalizavam todos os casos péfigos, de várias partes não só do estado de São Paulo como do Brasil, porque o doente havia pouco tratamento na ocasião. P - O Fogo Selvagem é causado por quê? R - Até hoje não se sabe. P - Não se sabe? Não é vírus, não é bactéria? R - Existe uma porção de teorias mas não se sabe a causa. P - Mas ele tem conseqüências sistêmicas? R - O indivíduo primeiro porque deixava a pele encerrada, erosada, quer dizer, sem defesa tanto assim fogo selvagem por causa da dor. Então os doentes passavam vaselina para impermeabilizar a pele e isolar do ar para aliviar a dor, porque eles não conseguiam nem vestir roupa, ficavam na cama coberto por um lençol. A descamação também na outra fase era muito grande, espoliava todas as defesas. P - Atinge principalmente a pele, a epiderme. R - Mas com o tempo o indivíduo começava a definhar, envelhecendo, diminuindo a nível de estatura e tal. P - Então é uma doença que ataca o sistema inteiro? R - Geral. P - E a cortisona permitiu uma... R - A cortisona foi um santo remédio, tanto assim que foi fechado o hospital, quer dizer transformado em outro... P - Acabou o fogo selvagem com isso? R - Não, não acabou. Ainda existe a doença mas ela é controlada mais facilmente e o indivíduo fica fazendo tratamento a longo prazo. P - Quer dizer, sempre tem que tomar cortisona. R - Praticamente sim. P - Então a cortisona permitiu tanto tratar doenças como essa que nem sequer sabe a causa, doença sistêmica quanto epidérmicas. R - Foi um santo remédio. Agora, então, quer dizer, esses doentes eram recolhidos e praticamente ficavam no hospital até morrer porque as famílias não tinham meios de dar uma assistência, porque precisava muito higiene, controlar a parte de horário, os sintomas gerais do doente, era quase um depósito de um (inaudível). P - O senhor falou das doenças alérgicas, no fogo selvagem e quais outras que a cortisona possibilitou. R - Bem, aí tem muita coisa. P - Menos importantes, não? R - É um campo muito amplo, é difícil a gente... P - Quando é que a cortisona foi introduzida no mercado? Mais ou menos. Década de 60, 50? R - Acho que 50 e pouco, 60, questão de data aí é meio difícil. P - A gente fala cortisona mas a cortisona é um tipo de corticosteróide, que tem a cortisona depois veio a hidrocortisona. R - Igual a ele tem vários derivados. P - Pedilisona, betametasona. R - Esses são todos derivados, derivados do corticóide que fazem diminuir a dose e ser mais ativos, menos reações adversas. P - É um quimiterápico, né? Que advém de qual princípio? R - Sintético. P - Há um elemento que foi utilizado como base? R - Foi a partir da supra renal que fabricava. P - A partir dali que foi desenvolvido. R - É um hormônio. Não é propriamente um quimioterápico, é um hormônio. P - E quais são os outros princípios ativos, os outros medicamentos aí que fizeram a grande revolução da dermatologia? Hanseníase. R - A Hanseníase o tratamento é também simbólico porque era um óleo que fazia o tratamento, era a injeção de um óleo chamado Óleo de (inaudível). P - Fitoterápico? É um medicamento extraído de plantas? R - É, é extraído de plantas. Então os resultados eram precários, acredita-se que os casos que se curam eram formas benignas da doença, que por fatores imunólogicos mesmo que curam espontaneamente. E que o efeito do Óleo era inócuo mas na ocasião era o único tratamento. Tanto é assim que os doentes eram recolhidos no leprosário, foram criados vários leprosários porque eles ficavam isolados. P - Isolados, né? Eu ouvi dizer até que tinha caça aos leprosos, pegavam os leprosos. R - Como eles viviam esparsos e mendigando a maioria, então pra ter um controle sobre a doença eles foram colocados nesses hospitais chamados leprosários mas eram intimados, quer dizer, não era voluntário. P - Não tinham opção. R - Não tinham opção, era um problema de saúde pública que eles eram levados e ficavam lá em tratamento, com toda a assistência. P - Tem um Museu de Saúde Pública lá no Bom Retiro que tem lá inclusive uns laços que eles caçavam e até armas eles usavam para obrigar. R - Eles pegavam o doente, tinha um serviço sanitário, eles pegavam a pessoa na rua e levavam para o serviço e lá examinava e tal e depois colocavam no hospital. P - E o contágio é tão perigoso como ficou esse mito, professor? Porque a gente tem a impressão de que lepra pega-se assim... R - Bom, na ocasião o conceito era que a lepra era muito contagiosa, devido com a evolução da medicina chegou-se a conclusão que existe diversas formas: uma forma benigna que pode até curar espontaneamente e que dificilmente é transmitido que é uma forma de bacilo, tem a forma inicial da doença e tem a forma mais grave que o indivíduo tem o bacilo disseminado e esta então que causa mais preocupação em sentido de saúde pública. P - Qual é o bacilo da lepra mesmo. R - É o bacilo de Hansen... P - O nome seria hanseníase. R - Hanseníase porque como lepra era um nome assim que marcava, estigmatizava então criou-se essa terminologia hanseníase que vem de Hansen. Micobacteria leprem. P - Doutor, essas doenças que a gente está falando, Fogo Selvagem, Lepra, eram doenças dermatológicas, quer dizer, tratadas no âmbito da dermatologia? R - Lógico. P - Então se a gente pode dizer que seriam as doenças mais graves no âmbito da dermatologia: fogo selvagem e a lepra. R - E a micose. P - Além da micose. R - Micose profunda, que a blastomicose foi uma doença gravíssima, muito grave. Aí na evolução apareceram então medicamentos mais eficientes contra a lepra. P - Quais os tipos de medicamentos? Antibióticos? R - Tem a mais nova aí é um antibiótico, a ripoxina. P - Já com a penicilina a lepra pode ser controlada? R - Não. P - Quando ela pode ser controlada? R - Foi com esse quimioterápico, não me lembro o nome. P - Não a ripoxina, a ripoxina é mais recente. R - A ripoxina é antibiótico. P - Mas esses medicamentos que controlavam surgiram o senhor se lembra que época mais ou menos, década de 60, 50. R - Acho que 50. P - Bom, então já tem um bom tempo que a lepra pode ser controlada. R - Hoje é uma doença relativamente controlada, existem focos ainda em estados assim que a medicina não penetrou muito não. R - É uma variedade de sulfa. P - Variedade de sulfa. R - A mais usada é o BDS, Betanina denina sulfona. P - Porque as sulfas vem antes dos antibióticos, não é? R - Muito antes, talvez o remédio fantástico, revolucionário da época, chegou na época da guerra, 45. Na época da guerra é que apareceu a sulfanilamina e depois vieram as variedades menos tóxicas, que esses são os remédios que tinham ação sobre as bactérias. P - Foi o primeiro remédio que teve ação direta sobre as bactérias. R - Isso. Depois vieram antibióticos que aí já suplantaram as sulfas porque as sulfas tinham muitos efeitos colaterais. A sulfa, por exemplo, ela foi o medicamento heróico também no tratamento da blastomicose sul americana, que é uma micose brava, provavelmente quase grave que atingia não só a pele como o organismo todo, os japoneses foram, a colônia japonesa foi uma das maiores vítimas da blastomicose, ela era uma doença que era adquirida no trabalho rural e que antes da sulfa não tinha praticamente tratamento. P - Então os trabalhadores do campo eles acabavam sendo atingidos. Ela transmitia como a bactéria? R - Não era bactéria, era fungo. P - É verdade, é fungo, micose, não é? R - Micose profunda. Era por aspiração, por capim que ia na boca então penetrava e atingia pulmão, as vias aéreas superiores e a pele, disseminava. E os doentes, a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo era, tinha enfermaria cheia de doentes com blastomicose. P - E muitos deles eram japoneses. R - A grande maioria eram japoneses. P - Porque eram os trabalhadores rurais da época. R - Também, talvez por falta defesas. P - Eram mais receptivos. E no hábito alimentar talvez. Não porque se você cozinha. R - Não é por isso, é mais baixa defesa em relação ao fungo porque o fungo é encontrado no meio vegetal, agora então a sulfa foi o remédio fabuloso, que revolucionou. P - E qual foi o remédio que permitiu mais sofisticação no controle dessa doença depois da sulfa. R - Depois disso veio a, não foi a tericina, que é um antibiótico também só que mais específico, indicado para casos mais graves que exige hospitalização e tem efeitos colaterais muito graves. P - O senhor se lembra de casos assim, de doentes, alguns casos que o senhor tenha tratado, de algum tipo de doença que pro senhor foi emocionante, algum caso que marcou. R - Isso aí é difícil a gente lembrar de todos os casos. Por exemplo, tem um caso aqui que um colega pediu que eu visse, no consultório ele já tinha passado pelo vários dermatologistas e eu trouxe aqui para a escola, era um caso complicado e grave. Eu posso desligar isso aqui. P - Anti histamínico é da área de dermatologia? R - É, é para alergia e os efeitos são sempre (inaudível), tem evoluído muito, sais, que estão sendo lançados, sais novos, medicamentos novos, mas a ação é típica, o nome, não se compara com os efeitos dos corticosteróides. P - O que é um anti histamínico? R - Doenças alérgicas, um conceito antigo é que havia desprendimento de histamina na pele que provocava então os processos alérgicos, efisemas, urticária, uma série de outras manifestações de alergia. Então veio esse termo anti histamínico, ou seja, combater a histamina, é um efeito relativo porque ninguém vai bloquear aquilo, o organismo produz a histamina, ou derivado da serotonima ou derivados outros. Então é um termo simbólico assim anti histamínico, é anti alérgico. P - Ele é anterior a cortisona então. R - É anterior. P - E qual que é o princípio ativo do anti histamínico? R - Ah, isso tem uma variedade grande. P - Cada um é um caso. R - Cada laboratório procura lançar o seu grupo de produto e cada hora aparecem novos. P - Mas a eficiência deles era relativa, não, a cortisona foi superior. R - A cortisona é um remédio melhor. P - O senhor diria que é o mais importante na área de dermatologia. R - Não, atualmente eu acho que é o mais consumido, principalmente tópico, em geral a terapêutica tem as suas limitações, usa-se mas tem que ter certos cuidados. P - E não se sabia o que é que era o caso. R - Nós tentamos uma porção, vários tratamentos, colegas, hospitais onde ele tinha percorrido e aí até a gente confirmar um diagnóstico. Aí eu fiz um tratamento com cortisona e antibiótico, a melhora dramática foi uma semana porque quando o doente voltou, ainda no balcão o pessoal, ele veio já vestido, o pessoal disse: "Milagre". P - Ele tinha a pele toda ulcerada? R - Não, principalmente os braços, os braços estavam tudo ulcerados e aquilo estava cicatrizando e em condições bem melhoradas e os funcionários ali disse: "Nós achávamos que era um milagre, com a melhora foi espetacular." P - O senhor não está se lembrando o diagnóstico da doença? R - Não. P - E algum outro caso no passado, caso antigo que o senhor tenha... R - Teve muito caso de esporotricose, por exemplo, que é uma micose de fruta. P - Ataca onde? Nos pés, nas mãos? R - Ataca qualquer parte do corpo mas é adquirida principalmente nos membros superior e inferior através de vegetais, espinhos de roseira, ou então qualquer ferimento mexer com plantas, tendo qualquer solução de continuidade na pele e o fungo penetrava, formava lesões e caroços e depois ulceravam e o diagnóstico não era feito. P - Assim corretamente. R - Então aqui ficava, por exemplo, uma senhora que tinha lesões ulceradas aqui no cotovelo, feridas, úlceras, crônicas já há vários anos e estava sendo tratada com remédios locais, pomadas, etc., tratava a infeção mas que não curava, depois de feito o diagnóstico e feita a cultura do fungo o tratamento foi de uma eficiência extraordinária, cicatrizou. P - Tratou com o quê? R - Iodeto de potássio, um medicamento que é ingerido, via oral. P - Os fungos, eles têm tratamento igual. R - Igual não, cada um tem um. P - Por exemplo, eu cheguei a ter uma época, "pé de atleta" eu acho que usava um remédio, Difungim, Postatim. Esses remédios são a base de quê? R - Antibióticos, esses assim são antibióticos por via oral. P - Quer dizer, antibióticos também é um tratamento recomendado para fungo. R - Não existe antibiótico para fungo mas aí tratamento em geral de fungos superficiais, micoses superficiais é feito com tratamento local não é tópico, a grande maioria reage bem com o tratamento tópico. P - E a base é? R - Aí tem vários sais, também. P - O senhor pode citar um ou dois mais importantes? R - São muitos grandes a parte química então vão criando sais novos, compostos novos, em geral são derivados. Mas a doença que eu estava querendo lembrar era pioderma grangenoso. P - O que é pioderma grangenoso, o que é que é essa doença. R - Não existe etiologia conhecida, mas que reagiu muito bem a esse tratamento. P - A base de cortisona e antibiótico. Ele também tem uma certa semelhança com o fogo selvagem porque ficou com toda a pele ulcerada. R - Não, não tem relação, é diferente, isso aí, porque péfigos é um grupo de doenças com bolha e esse aí são ulcerações, são diferentes, não atinge em geral os órgãos internos nem nada. Mas é uma doença assim bem marcante. P - Os avanços mais recentes da dermatologia, o senhor vê assim algo a destacar ou o que houve foi só desdobramento, melhora dos produtos que já existiam? R - Eu acho que só a melhora dos produtos. P - Só sofistica. R - Sofisticação de antibióticos, de corticóides, de sais aí anti histamínicos, quer dizer, há uma aperfeiçoamento nesse sentido procurando maior atividade e menos toxicidade. P - Porque todo remédio também tem o seu lado tóxico. R - Completamente, remédio é uma arma de dois gumes: positivo e negativo. P - Doutor, quando a gente começou o senhor falou da sua preocupação de sempre estão querendo lhe oferecer algum produto novo, sempre tem laboratório. Essa diversidade de produto que tem por aí também, existe mais, eu diria assim mais competição de mercado do que produto realmente significativo sendo lançado, quer dizer, hoje o mercado é muito competitivo. Como é que o senhor avalia esse lado. R - Eu acho que o mercado hoje mudou, antigamente havia aqueles laboratórios tradicionais grande parte multinacionais que tinham aquela série de produtos. De uns tempos para cá eles diluíram, quer dizer, quase desapareceram os tradicionais e se fundiram, outros desapareceram. Então há uma perturbação geral, produtos que eram de um determinado laboratório hoje são produzidos por outro. Quer dizer, não se sabe mais a quem pertence cada remédio, quer dizer, então eu acho que ficou mais confuso isso, o mercado, nesse sentido. Sabe lá comercialmente como anda lá por dentro. Eles se fundem vários laboratórios, vários conglomerados, então a gente não sabe bem a razão disso. P - O senhor se lembra de algum produto que tenha sido criado no Brasil que tenha sido importante para a dermatologia? R - Olha, Viticronil. P - Qual que é esse? R - É um remédio que foi um dermatologista que descobriu através de um cliente dele que extraiu de uma planta, chama-se Viticronil, tanto para via oral quanto aplicação local para o tratamento do Vitiligo. Porque antigamente era usado aquele Melanquinina, que era de outros países, dos egípcios, que desapareceu do mercado e esse produto é nacional, de Goiás. P - De Goiás? E ainda existe? R - Existe. P - É usado? R - Muito usado. P - E qual laboratório? R - Não sei, porque é laboratório pequeno praticamente só esse produto. P - E é um médico de Goiás que desenvolveu. Interessante isso porque a nossa pesquisa é sempre é meio pobre em relação ao que acontece lá fora, geralmente está muito voltado para fitoterápico, linha de plantas. R - Um colega que eu tive no Instituto Adolpho Lutz, um químico, no caso eu perguntei sobre um determinado produto que ele tinha sintetizado e ele, havia ainda produtos assim naturais extraídos da planta e ele me disse: "Todo produto vem da natureza, nada é criado assim, tudo veio da natureza, seja mineral, vegetal, o que for, veio da natureza. E da natureza é que tirado o princípio ativo que depois vai modificando e tal, purificando até sintetizar". Veja os antibióticos, veio de um fungo, o penicilum que foi o primeiro fabricador de antibiótico de penicilina. Então tudo vem da natureza, parece que a gente fez uma química toda especial mas há ilusão. O fundamental sempre é da natureza. P - Que a natureza dá para você trabalhar. R - Depois você trabalha, amplia, purifica, sintetiza e daí a evolução da parte química. P - É, basicamente isso, o senhor se lembra de alguma coisa que o senhor quer acrescentar ou não? Muito obrigado.
Recolher