Projeto Memórias de Serra Pelada
Entrevista de Francinete da Conceição dos Santos
Entrevistado por Eliene Chaves e Jaíne Ferreira Feitosa
Serra Pelada, 25 de agosto de 2024.
Código da entrevista: MSP_HV010
Transcrita por Monica Alves
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Muito obrigada, dona Francinete, pela senhora está participando desta entrevista conosco, o Museu da Pessoa agradece.
R - Obrigada vocês
P/1 - Qual é o seu nome, local e data de nascimento?
R - Meu nome é Francinete da Conceição Santos, nasci em Barra do Corda, no Maranhão.
P/1 - Te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Não, não me lembro.
P/1 - Você sabe como escolheram o seu nome?
R - Também não. Nunca perguntei à mãe. Nunca perguntei, assim, nunca tive curiosidade
P/1 - Qual é a origem do seu sobrenome?
R - Também não sei. Da minha vó, não?
P/1 - Você sabe como escolheram o seu nome?
R - Se eu sei? Não.
P/1 - Qual é o nome da sua mãe?
R - Maria da Conceição Santos.
P/1 - Como você descreveria ela?
R - Uma pessoa linda, uma guerreira, uma mãe que criou nove filhos junto com o meu pai. Pra mim, é tudo na vida!
P/1 - Qual é o nome do seu pai?
R - Antônio Pereira dos Santos
R - Como você o descreveria?
R - Um guerreiro também, lutador. Junto com a minha mãe criou esse monte de filhos
P/1 - Você sabe como eles se conheceram?
R - Se conheceram nos forrós dançando.
P/1 - E o que os seus pais faziam?
R - Eles eram lavradores. E aí eles iam para as festas e lá se conheceram.
P/1 - Eles te contaram como é que eram as festas naquele tempo?
R - Eram só os forrozinhos, só forró mesmo. E aí era muita festa, muita bebida e brincadeira.
P/2 - Na época que eles se conheceram, Francinete, eles moravam vizinhos de terra? Como era?
R - O meu avô foi embora para lá e a minha avó já morava lá. E a minha avó era viúva e criava os filhos dela, a minha mãe é a caçula. Daí quando o meu avô foi para lá, levou o meu...
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Entrevista de Francinete da Conceição dos Santos
Entrevistado por Eliene Chaves e Jaíne Ferreira Feitosa
Serra Pelada, 25 de agosto de 2024.
Código da entrevista: MSP_HV010
Transcrita por Monica Alves
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Muito obrigada, dona Francinete, pela senhora está participando desta entrevista conosco, o Museu da Pessoa agradece.
R - Obrigada vocês
P/1 - Qual é o seu nome, local e data de nascimento?
R - Meu nome é Francinete da Conceição Santos, nasci em Barra do Corda, no Maranhão.
P/1 - Te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Não, não me lembro.
P/1 - Você sabe como escolheram o seu nome?
R - Também não. Nunca perguntei à mãe. Nunca perguntei, assim, nunca tive curiosidade
P/1 - Qual é a origem do seu sobrenome?
R - Também não sei. Da minha vó, não?
P/1 - Você sabe como escolheram o seu nome?
R - Se eu sei? Não.
P/1 - Qual é o nome da sua mãe?
R - Maria da Conceição Santos.
P/1 - Como você descreveria ela?
R - Uma pessoa linda, uma guerreira, uma mãe que criou nove filhos junto com o meu pai. Pra mim, é tudo na vida!
P/1 - Qual é o nome do seu pai?
R - Antônio Pereira dos Santos
R - Como você o descreveria?
R - Um guerreiro também, lutador. Junto com a minha mãe criou esse monte de filhos
P/1 - Você sabe como eles se conheceram?
R - Se conheceram nos forrós dançando.
P/1 - E o que os seus pais faziam?
R - Eles eram lavradores. E aí eles iam para as festas e lá se conheceram.
P/1 - Eles te contaram como é que eram as festas naquele tempo?
R - Eram só os forrozinhos, só forró mesmo. E aí era muita festa, muita bebida e brincadeira.
P/2 - Na época que eles se conheceram, Francinete, eles moravam vizinhos de terra? Como era?
R - O meu avô foi embora para lá e a minha avó já morava lá. E a minha avó era viúva e criava os filhos dela, a minha mãe é a caçula. Daí quando o meu avô foi para lá, levou o meu pai. O meu avô era pai dele de criação. E aí eles se conheceram nessas folias, eles iam para as festas e lá eles se conheceram. Nas festas lá.
P/2 - Interior de Barra do Corda?
R - É, interior de Barra do Corda. O lugar mesmo que a gente morava, era Alto Alegre, o nome que já até acabou. Alto Alegre dos Padres, já até acabou, porque pegou fogo lá, teve muitos mártires lá. Foi muito bom lá.
P/2 - A maioria dos seus irmãos nasceram também por lá?
R - Não. Lá foram cinco que nasceram, no município de Barra do Corda. Os outros já nasceram aqui em Açailândia e Imperatriz, por ali.
P/1 - E como era a convivência sua com os seus irmãos?
R - Ah, nós crianças brigávamos muito! Brigávamos e apanhava bastante. Mas hoje eu agradeço o meu pai por isso, né, porque pai que não executava, no passado, os filhos eram ruins. Então eu agradeço muito por nossa família ser de pessoas bem unidas, serem umas pessoas de bem. O meu pai criou os meus irmãos e todos são pessoas de bem. O Raimundo mora aqui, o meu irmão, os outros moram todos lá. Graças a Deus, eu não tenho vergonha de nenhum! Todos foram meninos bem criados, uns meninos bons e de família boa. Lavradores, meu pai e minha mãe, mas criaram a gente, pessoas todas tranquilas, boas.
Sim. Qual era o tipo de alimentos que o seu pai trabalhava na roça?
R - O meu pai trabalhava plantando milho, feijão, arroz. Nós ajudávamos na roça, eu e os meus irmãos. Nós ajudávamos na roça também, plantando, era milho, feijão, mandioca, arroz, essas coisas todas, abóbora e tudo.
P/1 - Fazia para consumo dele, da família?
R - Para o consumo. O meu avô fazia para vender, assim, ele fazia roça grande. Agora o meu pai não, com a gente só era para casa mesmo. Aí o avô que ajudava a gente, porque ele tinha muito, ele tinha dinheiro que dava para fazer esses plantios grandes. O meu pai não, nós já éramos só mesmo um cantinho que o meu avô deu a terra para nós, uma terrinha para fazer as roças. Então o meu pai só trabalhava de roça. Depois de muitos anos, eu já era grande, aí o meu pai passou a trabalhar em empresa, em firma, saiu de lá da terra, viu que não dava muito, aí saiu de lá e veio trabalhar em empresa. Tem até aquela ponte ali do trem, ele ajudou a fazer, trabalhou lá.
P/1 - E a sua mãe naquele tempo, ela também trabalhava na roça ou fazia outra coisa?
R - A minha mãe ficava mais em casa. Só o meu pai que trabalhava na roça e nós ajudávamos. Éramos crianças de sete, oito anos. Eu era a mais velha, então eu já ajudava, eu o Raimundo e a minha irmã Antônia, nós já ajudávamos lá na roça. Agora a minha mãe ficava só em casa, ela não trabalhava na roça não, o meu pai não deixava não. Não, a minha mãe não trabalhava nessas coisas, só cuidando mesmo de casa, dos filhos e da casa. Depois que ele começou a trabalhar na empresa, aí ela já começou a trabalhar em outras coisas. Ela era revendedora da Avon, era revendedora dessas coisas assim, de perfume, essas coisinhas.
P/1 - Tem algum parente, tio, etc, que você gosta muito?
R - Eu tenho, tem uns tios que a gente ama, né?
P/1 - Por que?
R - Eu acho que todos, porque moram longe, agora, todo mundo, e a gente dá saudades. Tem um tio que é o preferido, assim, porque mora com a minha mãe agora. Minha mãe ficou viúva e tudo, e também ele nunca teve filhos, família. Então depois que a minha avó faleceu, espalhou todo mundo e ele ficou morando com a minha mãe. Ele é meu tio e padrinho, meu padrinho de batismo, esse tio que mora com a minha mãe. 85 anos e mora com ela lá em Marabá.
P/2 - Dos irmãos da sua mãe, é o que hoje é o mais próximo dela?
R - Isso. Os outros moram, ainda, no Maranhão. Aí lá perto da minha mãe morava minha tia que faleceu também, em 2011 ela faleceu. Eram só elas duas e esse meu tio, aí ela faleceu e ficou minha mãe e o meu padrinho, ali em Marabá. Em 83 para 85 eles vieram embora para Marabá e pronto, nunca mais saíram de lá. Ainda hoje eles moram lá. Nós morávamos em Alto Alegre, aí nós saímos de lá, nós fomos embora para Imperatriz. O meu avô vendeu as coisas dele lá em Alto Alegre dos Padres, aí depois a gente veio embora para Açailândia, que nós morávamos em um bairro chamado Piquiá, lá é Açailândia. E o meu avô ficou lá nas terras dele e a gente veio embora para esse Piquiá, que fica perto de Açailândia. Aí de lá a gente também passou uns anos e viemos embora para Marabá e daí ficamos lá até hoje.
P/2 - Todos vocês? Seus irmãos também?
R - Eu e os meus irmãos. Aí a minha mãe teve lá nesse lugar que o meu avô tinha as terras, que se chama 22, lá no 22, depois de Açailândia, lá para o rumo de uma tal de reta, para aquele lado. Aí a minha mãe teve mais outros, lá no Piquiá ela teve os outros . Aqui em Marabá ela teve um, aqui em Marabá. O total de todos são nove, somos nove, graças a Deus todos vivos.
P/1 - Quais eram os principais costumes da sua família?
R - Quando a gente morava lá era roça, nós íamos para as escolas e vínhamos. E ali em Marabá, o meu pai sempre trabalhou em empresa. E os meus irmãos gostavam de pescar, vendiam peixes, era assim, eles mesmo vendiam os peixinhos deles e tudo.
P/1 - Você conhece a história dos seus avós?
R - Não, não conheço muito, não. Da minha avó, ela era filha de índios, lá para trás, era filha de índios. Minha avó era bem parecida com uma índia.
P/2 - Por parte de pai?
R - Por parte de mãe. De pai eu não conheci, porque assim, os biológicos do meu pai eu não conheci ninguém, só o meu pai mesmo. Esse pessoal que é o avô e a avó, que nós consideramos, são de criação do meu pai, que criou o meu pai. Então eu não conheço a família do meu pai, conheci só a da minha mãe mesmo.
P/1 - Você gostava de ouvir histórias?
R - Gostava.
P/1 - Quem te contava?
R - A minha avó. E eu era a neta preferida dela, eu era a neta preferida da minha avó. Ela não deixava nem a minha mãe me bater, era aquela coisa. E eu só andava com ela, porque eu tinha medo de taca, então eu só andava com ela. Eu gostava muito de andar, porque ela era parteira, a minha avó, aí eu gostava muito de ir com ela. Ela ia para as casas com o negócio de pegar menino, aí eu ia com ela. Aí quando nós vínhamos, que ela pegava os menininhos, ela trazia aquelas trouxinhas de farinha, era abóbora, era arroz, então eu vinha com uma trouxinha e ela com as outras.
P/2 - Ela cobrava por esse trabalho?
R - Não, não cobrava não. O povo que dava galinha, essas coisas assim, mas ela não cobrava não. Mas na hora que chamava ela ia, Josefa o nome da minha avó. Então eu gostava muito dela! Ela parecia uma índia, uma senhorinha baixa. Aí eu gostava muito de tá com ela, porque ela ia para a casa do povo e eu ia com ela. E eu era bem recebida, eu acho que porque eu era neta dela, né? Porque eles consideravam muito a minha avó, porque ela pegava os meninos e dava tudo certo. Então o povo gostava muito, considerava muito ela.
P/2 - Na época era muito o pessoal ir para hospital?
R - Isso. Era, não tinha. A gente só tinha, tipo assim, o pessoal que consultava a gente eram as freiras, nós chamávamos de freira, os padres lá que eram dos conventos que tinha, então eram eles que faziam as consultas. Era remédio para verme, eram essas coisas assim que davam, passavam lá para a gente, eram eles. Aí de boa que a gente ficava.
P/1 - Como foi a formação da família da sua mãe e do seu pai?
R - Tipo assim, a minha avó era mulher sozinha, criou os filhos. Eu não sei quantos filhos foram que ela teve, eu não lembro, mas eram muitos também. Aí a minha mãe era a caçula e quando ela casou com o meu pai, ela tinha 12 anos, foi me ter com 16 anos. Daí para cá eles viveram até completar 56 anos de casados. Quando o meu pai faleceu eles estavam com 56 anos de casados.
P/2 - O seu pai tinha quantos anos quando ele se casou?
R - Quando ele se casou tinha 21 e a minha mãe 12. Já era velho, ele já era considerado velho.
P/1 - Ele contou para a senhora como ele conheceu a sua mãe?
R - Não. Foi exatamente assim, nas festas, nas folias de festas que eles se conheceram, nas festas. Ela era jovenzinha, eles não queriam que ela namorasse, mas ela saía para as festas com os outros irmãos e terminou acontecendo.
P/1 - Tem alguma história que é inesquecível pra você?
R - Alguma história que é inesquecível?
P/2 - É, da sua infância.
R - Tem muitas histórias que a gente viveu. Eu estava contando para a minha mãe, que quando eu era criancinha, tinha umas tias, assim, eu era bem gordinha, aí elas gostavam que eu usasse só calcinha, só vivesse de calcinha daquelas de babado, aquela coisa, era arrumadinha que eu andava, mas era assim que elas gostavam. Então eu falei para a mãe: “Mãe eu nunca me esqueço daquelas coisas que passavam, né? Tinham umas tias que dançavam forró, só as mulheres. Tinha umas tias que tinham os cabelos, assim, grandão. E elas cantavam aquelas músicas do Roberto Carlos, bem antigas, elas dançavam, era aquela coisa. E eu era apaixonada por essa minha tia que tinha o cabelão grande, ela dançava assim, rodando”. Então eu estava conversando com a minha mãe esses dias e falei para ela que eu não esqueci nunca. O meu pai tinha um cachorro, que ele gostava muito de caçar, e tinha um cachorro que ele levava e lá um dia, o vizinho deu um veneno. Eu era pequenininha, mas eu nunca me esqueci disso. Deram veneno para o cachorro e o meu pai ficou doido, assim, para salvar o cachorro. O cachorro de um tal de André, que era na época. Aí eu lembrando agora, esses dois dias com a minha mãe, nem estava me lembrando de negócio de entrevista nem nada. Eu estava conversando com a minha mãe sobre isso e eu disse: “Mãe, eu lembro da nossa casinha que era de taipa, como ela era repartida”. Aí eu me lembrei do cachorro quando deram veneno, que ele estava lá na cozinha, morrendo, se tremendo todo e o meu pai agoniado dando leite, dando tudo para ver se salvava o cachorro. Eu não esqueci nunquinha dessa passagem que teve, eu era pequenininha e eu ficava só olhando o meu pai pelejando para salvar o cachorro. Infelizmente não salvou, o cachorro era amarelão, muito bonito, mas não teve condição de salvar.
P/2 - Você considera sua infância como?
R - Eu considero, assim, um pouco sofrida. Foram umas partes boas, mas outras sofridas, porque o meu pai teve que ir morar na roça com a minha mãe para trabalhar. E nós ficamos com o negócio de estudar e ficamos na casa dos outros. Então foi um pouco sofrida essa parte, mas enquanto nós vivíamos com os nossos pais, não, era bom. Mas o negócio de ficar na casa dos outros para estudar, não foi muito bom, a gente sofria pra caramba. A gente fazia as coisas e os donos nunca achavam que a gente estava fazendo porque não sabíamos, não fazíamos porque tínhamos preguiça, sempre era essa coisa. Então a gente sofreu bastante. Até isso eu estava lembrando para a minha mãe agora. Falei: “Mãe, eu sofri tanto na mão da tia Raimundinha, que eu não gosto dela até hoje”. Eu falei pra ela: “Até hoje eu não sou muito fãzona dela, eu gosto, mas. Aí a mãezinha também, só que a mãezinha era cega e ficávamos só nós duas quando a tia ia viajar”. Mas foi uma infância, assim, igual a dos outros, não tem como dizer que é diferente, porque nós não éramos ricos, nós éramos bem pobres, aí era bem complicado. A minha mãe também contava assim, que quando foi para eu nascer, o meu pai adoeceu bastante, ficou doente, ficou ruim e foi uma luta para ela arrumar o enxoval. Depois ele arrumou um dinheiro e para aumentar o dinheiro, ele disse que foi jogar no baralho para ganhar mais e terminou perdendo tudo. Aí de lá para cá ele adoeceu e perdeu tudo que foi dinheiro, aí o negócio complicou. Mas deu certo, a minha vó chegou junto e os outros e deu tudo certo. O meu pai, ele gosta muito de criança, gostava muito de criança, vixi Maria, meu pai era muito, assim, da família, ele amava! Ele amava a família, nós podíamos sofrer, mas éramos juntos, sofríamos, mas era todo mundo junto. Ele ficava muito triste quando ele chegava na rua e nós dizíamos: “Pai, nós não estamos gostando de ficar na casa da tia, do pessoal”. Mas não tinha jeito, ele tinha que trabalhar e nós tínhamos que ficar na rua e estudar, né?
P/2 - Hoje, assim, o que você mais sente falta, mais saudade dessa época?
R - Dessa época, sinceramente, Ave Maria, eu amava, porque assim, a gente podia sair, ir para as praças, pra rua, brincar, brincava o tempo todo, as crianças, nós brincávamos. Brincávamos bastante, porque lá era uma praça, eram os conventos dos padres, a igreja, nossa igreja católica. Eu sempre fui católica, graças a Deus, sempre. Então a gente brincava lá naquela praça, uma praça muito bonita. Era um lugarzinho pequeno, simples, todo mundo se conhecia, muito bom! Eu amava brincar lá naquela praça com as crianças. Carregava água também, na cabeça, na lata d’água, porque tinha que ajudar a senhorinha lá, que era a minha mãezinha, que a gente chamava. Era uma das tias, mas como era senhora, a gente chama de mãezinha. A gente tinha que ajudar, então eu andava com aquela lata d’água na cabeça, lá da praça. A praça tinha a água nas torneirinhas, então a gente ia pegar água lá, para a senhorinha. Mas era brincadeira, era muito bom. Depois quando a gente mudou para Açailândia, lá nós moramos um período em um lugar, que era trecho seco, que eles chamavam, não tinha água. Então a gente ia lavar roupa longe, seis quilômetros, que eles chamavam léguas, seis léguas, quilômetros que era uma légua, mais ou menos. E a gente ia em cima dos jegues, dos jumentinhos, com umas tais de âncoras de um lado e do outro, e a gente ia em cima desses animais. Nós fazíamos a comida de madrugada, saímos às 05h da manhã, a minha mãe ia com a gente, para a gente poder tomar banho, porque a gente não banhava me casa, todo mundo ficava em uma bacia, ficava naquela água, tirava a metade da sujeira, depois ia para outra e tirava o restante. Então quando era dia de lavar roupa, essas coisas, aí a gente ia no jeguezinho, uns brincando, correndo, outros montados, os menorzinhos, para poder tomar banho. A gente achava bom, porque levava farofa, levava comida, a mãe lavava roupa, e nós brincávamos na água, banhava o dia todo! Chegava em casa já à noitinha. Isso era muito bom, a nossa infância era boa. E hoje não é mais como antigamente, que a gente podia brincar, correr. Hoje a gente não pode sair assim, que já estamos com medo de ter algum malfazer, alguma coisa. Mas de primeiro, não, a gente saía e a gente não via quase essas coisas, essas coisas ruins que tem hoje. Mas é assim mesmo, vai evoluindo, vai saindo de boa.
P/1 - Qual era a brincadeira que naquele tempo vocês brincavam?
R - Eita, nós brincávamos de roda, daquelas amarelinhas, que eles chamam agora, que eu não lembro mais o nome também, como a gente chamava de primeiro. Era cancan, nós chamávamos de cancan, pulava assim, aí ia lá, até chegar lá. Nós brincávamos muito disso, de jogar bola, a gente fazia aquelas bolas de meia, aquelas brincadeiras, negócio de jogar uns nos outros. Eu achava bom, minha infância foi boa, graças a Deus.
P/1 - Você tinha muitos amigos naquela época?
R - A gente tinha assim, os coleguinhas de escola. Mas amigos mesmo para ficar, assim, não, eu não tinha não. Porque nós morávamos na casa de vizinhos e não tinha, E na época que eu morava na casa dos meus pais, era só com os meus irmãos mesmo, era junto com os irmãos.
P/1 - Você lembra da casa onde passou a sua infância?
R - Essa parte eu lembro, que nem eu te falei, assim, do cachorro. Ela era de taipa, o meu pai fez ela assim, de taipa, aí a gente tinha uma porta e a janela, aí era a salinha, o quarto assim, tinha o quarto que era o quarto da minha mãe e o corredor, aí lá no corredor eles faziam… hoje a gente chama de cozinha americana, né? De primeiro não era americana que nós chamávamos. Tinha aquela portinha, que tinha aquela paredinha e a cozinha lá na minha casa. E o quintal era tudo limpinho, que a gente achava até uma agulha no chão, minha mãe varria, que era assim, uma areia meio branca, a gente via tudo, era muito lindo o quintal, limpinho. Só era no pé das cercas que ela plantava as coisas que mulher de casa gosta de plantar, era aquele tomatinho, era cebola, coentro, essas coisas, o canteirinho dela lá, a coisa mais linda esse quintal! Eu lembro demais, eu era criança, mas eu lembro demais daquele quintal, limpinho!
P/2 - Para algumas pessoas que estão assistindo, o que era taipa?
R - Taipa é uma casa que é feita de barro, que eles colocam assim, uns paus em pé, depois umas talazinhas e enchem de barro. Aí fica lá, aquela casa bonitinha. O meu pai era muito caprichoso, aí ele passava a mão para ficar lisinho nas paredes, porque ele era muito caprichoso, o meu pai. Então ele fazia assim. A nossa casa era chique, eles falavam, porque o meu pai era caprichoso, passava a mão e ficavam lisinhas as paredes de taipa. Mas era bacana, e palha em cima, era palha. Aí ficava bem bacana. Nós éramos muito satisfeitos com a nossa casa lá, as casinhas bonitinhas.
P/1 - Vocês naquela época já escutavam música e assistiam TV?
R - Não, nós não tínhamos isso, não. Só um radinho de pilha que tinha de primeiro, a gente ouvia sim as músicas boas, Roberto Carlos, porque de primeiro era de Roberto Carlos, eram músicas bem antigas.
P/2 - Você tem alguma música da infância, da época do rádio que você ouvia, você tem na sua memória?
R - Tem, mas eu esqueci, o nome da música, que era a música do Roberto Carlos, que eu não me esqueço dela, assim, mas agora eu esqueci o nome.
P/1 - Quer cantar um pouco dela?
R - Pois é, realmente eu esqueci a música, mas é daquelas bem antigas. Eita, eu queria lembrar, mas, Ave Maria, via a minha tia dançando aquela música, então eu ficava lembrando o tempo todo da música do Roberto Carlos, bem antiga mesmo. Mas realmente eu não lembro agora dela não.
P/1 - O que você queria ser quando crescesse?
R - Tu acredita que eu não pensava nisso? Nós não pensávamos nisso, não. Quando éramos criança, nós só pensávamos em brincar, nós só queríamos saber de brincar. Nós não pensávamos em médico, nós não pensávamos em nada. A única coisa que nós fazíamos era só brincar. As únicas pessoas que a gente via que eram diferentes, eram as freiras e os padres, mas mesmo assim eu não tive vontade de ser freira. Nós éramos muito cultivados dentro da igreja, sabe? Com as freiras, mas não tive vontade. Eu nunca tive esse sonho, tive não, de nada. Esses sonhos de ser médica, de ser isso, ser aquilo, não, na época não. Agora depois de grande eu já sabia o que eu queria ser, mas não deu certo. Depois de maiorzinha eu tive vontade de ser caminhoneira. Hoje eu dirijo, sou motorista, mas não deu certo. Mas depois de 40 anos eu aprendi a dirigir, então hoje eu sou motorista. Eu fui com o menino ali, e ele disse: “Mas do que você trabalha?”. Eu disse: “Eu trabalhei na roça, muito na roça. Hoje eu não faço nada”. Aí ele disse: “Faz sim!”. Eu disse: “O quê?”. Ele: “É motorista, criatura!”. Eu disse: “É, hoje eu sou motorista!”. Hoje eu trabalho como motorista. Eu falo sempre para um amigo meu, que eu tenho vontade de dirigir uma carreta ainda, mas só que a minha carteira ainda não dá e eu também não me interessei mais em ir trocar. Ele disse: “Não, mas eu ainda vou te colocar dentro da carreta, só pra tu dirigir e matar essa sua vontade”. Porque desde jovenzinha, não era de criancinha, porque de criança eu não me importava muito com isso. Depois de jovenzinha, aí que eu queria ser uma caminhoneira. Eu tinha muita vontade, mas não deu certo. Os meus pais eram muito carentes, muito pobres, não tinha como eles tirarem uma habilitação, para aprender, eles não tinham condições de jeito nenhum. Mas eu agradeço muito a Deus assim mesmo, porque nós somos uma família de gente boa, considerada, pessoa que os outros respeitam. Então eu gosto muito de ter nascido nessa família, na família do meu pai. Aí tá tudo certo, porque não tem mais, hoje para a gente dizer assim: “Tenho uma família considerada”. É muito difícil, assim, só se for rico e aí nós não somos ricos, mas nós somos bem considerados na sociedade, somos pessoas que não fazemos maldade com os outros. Então, isso é muito bom!
P/1 - Você saía muito com os seus pais quando era criança?
R - Não, não saía muito com os meus pais não. Nós não tínhamos pra onde sair, era só nas roças. Então a gente brincava mesmo só lá nas roças. O meu pai para o serviço e nós na roça. Aí não tinha para onde sair, que nós morávamos, depois de Alto Alegre, a gente ainda morava mais para dentro da roça. Era só nas roças mesmo. Era só quando era, tipo assim, tinha 07 de Setembro, os desfiles, aí que a gente ia participar, que os meus pais vinham pra lá, para ver a gente desfilar, para comprar roupa, para fazer essas coisas. Mas era só isso quando a gente era criança.
P/1 - Onde você estudou?
R - Eu estudei lá, que era na casa onde eu nasci, onde a gente morava primeiro. Aí depois a gente veio para Açailândia, aí eu já estudei lá um pouco, fiz só até a quarta série, lá. Lá eu só fiz até a quarta série e já inventei de casar, aí acabou os estudos. Aí depois que eu tive o meu filho, eu já com os meus 16 anos, 17, aí… que eu estudava lá em Açailândia, fiz até a quarta série. Aí larguei depois que tive o meu filho e casei, com um traste que não servia para nada. Porque a pessoa quando não quer assumir a família. Então eu disse: “Não, se é para eu trabalhar pra mim, para o meu filho e para um traste, então eu vou separar e vou trabalhar só para mim e para o meu filho”. Então nessa época aí, eu fiquei trabalhando só para o meu filho e ajudando a minha mãe. E a minha mãe cuidava do meu filho. Aí eu larguei de mão e depois foi a parte que a gente veio aqui para o Pará, porque nessa época ainda era no Maranhão, aí eu já tinha os meus 20 anos.
P/2- Francinete, como era o tempo que você estudava, nas suas primeiras idas às escolas? Como era a questão de ir e vir para a escola no período da sua infância?
R - Quando era lá em Alto Alegre, nós íamos a pé. Nós íamos naquela turma de crianças brincando a pé, porque nós morávamos bem na frente da escola, então a gente ia caminhando para lá. Em Açailândia também era a pé, porque a gente morava quase em frente também da escola, então a gente ia e vinha a pé. E lá na escola, eu tinha meus 12, 13 anos, a gente ia para lá, brincava de queima, de jogar essas bolas de meia, a gente brincava muito nessa parte que a gente veio lá para Açailândia. E aí tinha as paqueras com os pequenos, com os alunos, aquela coisa toda. Tinha confusão, tinha briga, tinha namoro, tinha todas essas coisas. Namorinho de criança, eu lembro demais. Ave Maria, tinha um rapazinho que era muito apaixonado por mim, eita meu Deus! Aí ele levava um espelho para essa escola, e ele só sentava na frente, eu sentava mais atrás e ele ficava me olhando pelo espelho. E eu tinha medo dele, eu tinha era medo dele, eu ficava para morrer de medo. E ele ficava me olhando para onde eu ia na sala, ele ficava me olhando com aquele espelho. E eu tinha medo, porque ele era de uma família de pessoas valentes, que chamavam de primeiro. Eles eram de uma família do Espírito Santo. Então eu tinha medo dele, porque eles eram pessoas valentes. Eu morria de medo dele! Na escola tinha uns bequinhos, becos para a gente passar para ir para o banheiro, para ir não sei para onde, aí eles me prendiam lá dentro do banheiro, ficava um menino de um lado e outro do outro, só para me atentar, mas me atentavam demais, eles. Minha infância foi assim, mas eu gostava, essa parte aí, é que eu tinha medo dele, do rapazinho.
P/2 - Mas como era você na escola? Como era a criança Francinete?
R - Eu não era assim, uma criança muito quietinha não, eu era um pouco danada e também a cabeça era bem ruim, eu era ruim para aprender as coisas. Eu era bem ruim de aprender mesmo as coisas, mas eu gostava de ir para a escola. Aprendi pouco, porque só fiquei até à quarta série. Já fiz, depois que casei com esse meu marido que faleceu, fiz até o que de primeiro a gente chamava de oitava série. Aí foi só até aí mesmo o estudo que eu fiz. Esse meu marido, ele já passando para essa parte de agora. Eu encontrei ele aqui na Serra, depois dos meus 20 anos. Encontrei ele aqui, ele foi um marido maravilhoso, garimpeiro da Serra Pelada. E ele é o pai das minhas filhas. Então ele foi um homem muito bom, que me deixou estudar. Da quarta série até a oitava eu estudei e ele deixava, à noite. Eu ia à noite estudar. E ele me deixou estudar, não era aquele homem que ficava impedindo, reclamando, não, graças a Deus. Era um pai maravilhoso para as minhas filhas. E para eu morar com ele, eu já tinha o Jairo e a Jéssica, que foram do meu primeiro casamento, o Jairo.
P/1 - Quais foram as pessoas mais marcantes da sua vida escolar?
R - Escolar, foi esse menino danado. Esse menino que me deixava bem com medo, muito com medo mesmo. Eu era danada pra andar brigando lá na escola e com ele principalmente, porque ele me atentava demais e eu brigava muito! O nome dele era Samuel, eu nunca me esqueci, Samuel. Ele era bonito, bem bonito mesmo, um moreninho bem bonitinho e eu tinha medo dele, eu não gostava dele, eu tinha medo dele. E ele era louco por mim. Depois de muito anos eu fui pra lá e ele ainda foi atrás de mim. Foi atrás de mim e eu: “Deus me livre! Não gosto de tu não”. O coitado ficou muito triste comigo, mas eu não queria nem conversa. Depois de grande, eu ainda tinha medo dele, medo dele me fazer mal. Mas ele era muito bonito, o menino. O que me marcou muito na escola, foi isso.
P/2 - Vocês não tiveram nada?
R - Não, não tivemos, porque eu tinha medo dele. Não tivemos, mas eu achava ele bonito, mas eu tinha medo dele, eu não ficava perto dele, tinha muito medo. Tinha a fama dos meninos, eu tinha medo dos irmãos dele lá, eles tinham fama de gente ruim. Aí eu tinha medo dele, porque ele era o caçula, aí pronto. Porque eu não chegava perto dele e ele ficava, assim, atrás de mim, então eu tinha muito medo dele. Mas foi isso.
P/2 - Seu pai e sua mãe orientavam sobre essa questão dele?
R - Não, porque eu não comentava com a mãe e nem com o pai. Não comentava com eles, não. Só mais assim, quando estava bem ele mesmo, aí era com os professores, os professores que sempre brigavam com ele, reclamavam: “Pare com isso! Deixe disso! Deixa ela!”. Porque eu era uma menina assim, eu era um pouquinho rude, mas eu era muito boa de jogar bola, eu era uma das primeiras, e todo mundo queria ir para o meu lado, só queria estar se fosse do meu lado, porque eu botava quente. Eu sou dessas, quando eu quero uma coisa, sabe? Então quando eu jogava bola, todo mundo só queria ir para o meu lado, só queria ficar se fosse do meu lado, porque eu queimava mesmo, botava era pra queimar as outras. Então eu ficava naquela e eles achavam que eu era boa. Aí então eles só queriam ficar se fosse do meu lado. Aí começava a confusão, porque era menino com menina, tudo misturado. E ele era doido para ficar do meu lado, e eu não gostava dele e botava ele para o outro lado, mas ele não me queimava. Ele gostava de mim, mas eu não gostava dele, eu tinha era medo. Ele não me queimava de jeito nenhum, nós ficávamos trocando, eu jogava pra lá, ele jogava pra cá, mas ele não botava pra me queimar de jeito nenhum, só eu que botava pra queimar ele, mesmo, com força, mas ele, não.
P/1 - Você tem alguma matéria ou tinha naquele tempo quando você estudava?
R - Alguma matéria?
P/1 - Que você gostava.
R - O que eu gostava muito era mais das histórias, de história, ou então desenho, essas coisas assim. Só que eu não sei desenhar nada, mas eu gostava muito dessa hora. Recreio eu gostava também, porque a gente ia para essas brincadeiras de jogar bola. Então era isso que eu gostava, mas estudar mesmo, nunca foi o meu forte não. Eita, sempre fui fraca nos estudos. Graças a Deus minhas filhas não puxaram para mim, bom, o filho puxou, porque não quis estudar. Mas as minhas filhas, não, hoje são todas formadas e tudo, tranquilo. Eu gosto muito, eu digo: “Olha, eu não estudei, então vocês pelo amor de Jesus!”. Então já tem uma história bem bacana com as minhas filhas, graças a Deus é uma história excelente com as filhas. Agora eu, estudar, não foi muito o meu forte não, foi mais fraco esse negócio de estudo. Agora, hoje, eu só penso mais em trabalhar, trabalhar, eita! É isso.
P/1 - Quando e como você começou a sair sozinha e com os amigos?
R - Quando eu terminei dessa escola, eu já tinha os coleguinhas, eu não saía muito, porque o meu pai não deixava, o meu pai não deixava a gente sair não. Então depois que eu conheci o pai do meu filho, que chegou lá, foi um chegante no local, aí começou a dar em cima de mim e a gente começou a namorar. Foi o primeiro namorado e eu já fui logo casando e tendo o meu filho. Foi isso, com 16 anos já tinha casado e tive o Jairo. Só que no casamento com o meu marido, a gente morava com o meu pai e a minha mãe, na casa deles. E aí não foi muito para frente, como eu falei, eu não quis ficar, porque ele não queria fazer nada, não queria trabalhar para sustentar a família, nem me tirar da casa do meu pai. Então eu saí dele, deixei ele, larguei, né, separei e fui trabalhar só para mim e meu filho.
P/1 - O que vocês faziam quando saiam com os amigos para se divertir?
R - Pois é, nós não tínhamos amigos, eu não saía porque eu não tinha amigos, o meu pai também não deixava a gente sair. Só era da escola para casa, de casa para a escola e cuidar de casa, essas coisas assim.
P/1 - Dona Francinete, por quais motivos você não saía quando era adolescente?
R - É porque o meu pai trabalhava na empresa e era longe onde ele trabalhava, e a minha mãe trabalhava vendendo coisas, Avon, essas coisas, então eu que tomava conta da casa e dos outros meninos menores. Aí não tinha como eu ter tempo para sair. E à noite o meu pai não deixava a gente sair de casa. Eu não saía, o meu pai não deixava, ele era bem rígido, não deixava. Assim mesmo, na escola, ainda achei esse namorado. Assim que começamos a namorar, foi o primeiro e o que eu casei. Nós fugimos, fizemos foi fugir de casa. Aí ele me levou para longe, lá para o rumo de um tal de Tuntum, no Maranhão. Aí nós fomos para lá, depois a minha mãe foi e me buscou, aí quando eu vim eu já estava gestante. Aí eu vim para a casa do meu pai, fiquei, né, com o meu pai e ele não queria trabalhar para sustentar a família. Fiquei com o meu pai, depois fiquei com a mãe dele, não deu certo. Eu disse: “Eu não vou trabalhar para mim, um homem e um menino”. Então eu larguei de mão e fui trabalhar só para mim e o meu filho. Minha mãe cuidava do meu filho e eu trabalhava fora, na cozinha dos outros. Cansei, que fiquei, não estudei, não tinha diploma de nada, então tinha que trabalhar na casa dos outros, na cozinha dos outros.
P/2 - Quando você fugiu com esse seu namorado e depois marido, os seus pais aceitaram o seu retorno?
R - A minha mãe foi me buscar, mas o meu pai, não, o meu pai disse que tinha cortado o dedo, não queria, cortou o dedo, não queria de jeito nenhum. Aí após eu casar, porque eu casei no padre, com o pai do meu filho mais velho. Aí eu casei no padre e a minha mãe disse que de dentro de casa eu não saía. Só que o meu pai, ele não contestava assim muito com a minha mãe não, ele dizia: “Tu que sabe!”. Então eu fui ficando. Eles fizeram um quartinho lá para mim, mas eu pensando que o homem queria alguma coisa. Aí eu fiquei dormindo no quartinho e ele passava o dia pra casa da mãe dele. E é que nem eu falei, não quis trabalhar, não ia trabalhar para sustentar ele, meu filho e eu. Então eu larguei e disse: “Mãe, eu só vou sustentar eu e o meu filho. A senhora olha, eu vou trabalhar e mando”. Daí eu mandava pra ela e ela ficava, porque já cuidava dos meus irmãos, do resto dos irmãos. Mas isso tudo, eu fugi pensando que ia melhorar, e fez foi piorar. Eu disse: “Não, eu vou sair, porque eu já sou uma boca a menos, aí vai… porque pobreza sempre tem isso, a gente vai e foge, vai morar com a pessoa pensando que melhora e não melhora, porque eu já trouxe foi uma boca para o meu pai comprar leite, comprar massa, essas coisas todas. Então ficou bem complicado a minha vida, pior ainda, porque ao invés de ter saído para diminuir as bocas, fez foi aumentar, porque eu trouxe mais um. Então isso é bobagem, o jovem pensar que vai sair e casar para melhorar, que não é não, infelizmente, né? Não é. Mas nessa época eu pensei foi isso, de casar e sair uma boca de dentro de casa e fez foi aumentar. Então não deu certo isso não, trabalhei, larguei e pronto.
P/2 - Qual era o maior problema que ocasionou sua separação mesmo morando ali na casa dos seus pais?
R - Exatamente isso. Porque eu pensei assim: “A pessoa não quer trabalhar para ajudar a criar o filho. Aí eu não vou sair para trabalhar e sustentar um homem e um filho. Aí eu trabalho só para mim e o filho”. Marido eu larguei porque não queria trabalhar, e na casa de sogra eu não queria morar, porque a sogra dizia que não queria, que não queria, que era mais boca na casa dela. Então eu separei exatamente por isso, porque não deu certo.
P/2 - Você falou sobre o seu pai cortar o dedo, o que significa isso?
R - Ele disse que cortar um dedo é tirar um pedaço, “Não quero mais aqui, não quero ver nunca mais!”. Mas a minha mãe, como ajeitava os panos, que ele sempre ouvia a minha mãe. Aí então eu voltei para casa e emendou o dedo que ele cortou. Ele cortou porque ele não queria, né, eu mais lá dentro de casa, porque eu tinha casado como ele não queria, né? Ele queria era que eu fosse casar na igreja de véu e grinalda, aquela coisa bem formal que ele queria, o meu pai. Infelizmente eu arrumei um homem que me chamou foi pra ir embora e eu gostava dele, aproveitei e fui, terminei me dando mal. Então foi isso que o meu pai disse que cortou o dedo. Mas aí, felizmente, é que nem ele sempre falava: “A panela não furou”. Tornei a voltar e a panela continuou cozinhando. Ele sempre falava isso. Quando ia embora para não voltar mais, ele dizia: “A panela furou, não tem mais!”. Mas graças a Deus a panela não furou, ainda tinha, ele me acolheu de volta e ainda mais um neto, que é o Jairo.
P/1 - Alguma coisa mudou quando você chegou na adolescência?
R - Mudou sim, porque eu tive o meu filho. Eu não tive adolescência, assim, fui logo casar e ser mulher, com 16 anos, já fui ter filho e essa coisa toda de dona de casa. Porque realmente eu sempre fui, né, porque eu cuidava dos meus irmãos e cuidava da casa toda, porque a minha mãe viajava e só chegava à tardezinha. Mas aí depois, eu pensando que ia ser melhor, terminou piorando, porque casei pra sair daquela vida e terminei arrumando a mesma coisa, que era a filho para ficar cuidando da casa. Aí não mudou nada, né? A adolescência aí, não mudou nada. Eita, a vida é essa.
P/1 - Quando começou a trabalhar? E qual foi o seu primeiro trabalho?
R - Foi cozinha, na cozinha da vizinha lá. Eu comecei a trabalhar para sustentar o meu filho, foi na cozinha da vizinha lá. Aí a gente trabalhava na casa dela, mas pra quê? Para eles darem roupas, assado, era isso, não tinha salário. Não tinha salário, era isso, era por roupa e calçado que eles botavam a gente para trabalhar.
P/1 - E como foi a sua experiência no seu primeiro dia de trabalho?
R - Foi péssima, foi muito ruim, foi muito bom não. A pessoa tem que estudar mesmo. O meu pai sempre falava: “Tem que estudar, tem que estudar!”. Eu não quis, aí lá vai para a cozinha dos outros. É uma experiência muito ruim a gente ir para a cozinha dos outros.
P/1 - Quando você começou a trabalhar, o que você fez com o seu primeiro salário?
R - Não tive salário, né? Que era isso, todo o tempo a mulher dizia que me dava roupa e calçado. Eu trabalhava por roupa e calçado. Eles queriam dar roupa e calçado, mas às vezes davam roupa usada, calçado usado, essas coisas todas, mas como a gente era bem pobre, aguentava bastante. Ainda passei bastante tempo trabalhando nessa coisa.
P/2 - Você foi trabalhar mais pela questão do filho?
R - Isso.
P/2 - Como você fazia, na verdade, quem provia as coisas do seu filho?
R - Aí depois eu não achei legal, porque não tinha como ficar trabalhando só por roupa e calçado, então eu saí dessa casa e fui trabalhar em outra casa. Na época, eu não sei, não me lembro direito quantos cruzeiros eram, assim, um negócio assim. Depois que eu saí dessa casa, para trabalhar com salário mesmo. Mas eu recebia um salariozinho que dava para mandar para a mãe comprar as coisas para o nenê, o filho. Mas eu não me lembro mais quanto era. Eu sei que lá para o fim, aqui na Serra, eu já vim trabalhar e ganhava 800 cruzeiros, porque aqui era garimpo, essas coisas, ganhava quase um salário naquela época, aí já dava para cuidar do filho direito. Eu mandava para a minha mãe cuidar do menino. Aí aqui achei o meu marido, o pai das minhas filhas, dos outros filhos. Eu vim para cá com a minha prima, a minha prima tinha uns parentes que moravam aqui, já depois que eu estava grávida da segunda filha. Eu passei muitos anos sem querer mais homem, depois desse filho, que larguei, eu não quis mais, só trabalhando. Aí depois de bastante anos , bem uns quatro ou cinco anos, eu fui para Belém e lá achei outro… eu fui trabalhar para Belém, nas casas dos outros lá, o pessoal me levou para lá. E lá eu conheci uma pessoa, eu disse que nem queria mais, mas conheci outra pessoa e terminei engravidando da minha filha, da segunda filha, da Jéssica. Aí quando ele soube que eu estava grávida, não quis mais, me largou de mão, não quis. Aí eu fui embora pra casa da minha mãe no Maranhão, depois voltei para cá com a minha prima, para Jacundá, aí a minha prima: “Não, vamos pra Serra, que lá está bom para ganhar dinheiro”. Maria o nome dela, da minha prima. Eu disse: “Então vamos”. Ela disse: “Eu tô com o pai do meu filho lá e os tios, estão todos morando na Serra”. Eu: “Então vamos!”. Aí eu vim grávida para cá, com o meu filho e ela com os dois dela. A gente veio para a Serra, aqui a gente ficou trabalhando, fiquei em uma casa trabalhando e ela ficou na casa do meu primo. Aí ela foi trabalhar em uma lanchonete e eu na cozinha dos outros, lá no barracão. Até essa semana eu passei e o bichinho tá todo caído, o pessoal era muito rico, mas está abandonado, era o terreiro Maurício, ali está largado. Passei lá esses dois dias e aí eu estava olhando e recordando dessa minha história. Eu morei lá um bocado de tempo trabalhando para os peões dele. Aí o chefe me levou para ganhar a minha filha, que foi a Jéssica, em Marabá. Aí retornei para cá depois que eu a tive e não fui mais para casa dele, já fiquei na casa da minha prima, porque a minha prima já tinha uma história, ela já tinha feito a barraca dela. Só que lá era casa de mulheres da vida. A casa que ela tinha lá, tinha umas mulheres lá que faziam uma tal de “chave”. Aí eu fiquei como cozinheira, porque eu não queria essa história aí, não era muito legal, eu não achava muito legal. Aí eu fiquei como cozinheira lá na casa da minha prima, para trabalhar, porque eu estava com a menina e o outro pequeno. Só que eu pedi para a mãe ficar com o outro de novo, mais um tempo e fiquei só com a pequena, com a novinha de colo, a Jéssica. Aí eu vim para a casa dessa minha prima e lá eu arrumei o meu marido. Arrumei o meu marido trabalhando lá. E tinha um hotel na frente, eu não me lembro o nome do hotel, só me lembro o nome da senhora que era a dona, a dona Generosa, ela morava em um hotel assim. Então o meu marido ia almoçar lá e jantava lá e perguntou por mim, quem eu era. Aí a senhora falou tudo pra ele, como era, o que eu fazia, que eu não era mulher das que fazia a tal de chave lá. Porque na época minha prima vendia cachaça, escondida, e tinha essas “chave”. Eu achava muito estranho aquele negócio daquelas mulheres, eu não gostava muito, mas ficava como cozinheira. Aí ele me viu lá e perguntou, mandou a senhora lá perguntar se eu não queria morar com ele, assim, ir trabalhar na casa dele, cozinhar na casa dele. E ele me deu um salário muito alto e disse que cuidava da minha filha. Então na hora que ela falou isso, eu já falei que queria, eu queria trabalhar para sair de lá. Aí eu vim trabalhar e com uns 10, 15 dias ele me perguntou se eu não queria morar com ele, que ele estava separado da esposa e tudo. Aí ele perguntou: “Moça…”. Eu morei 15 anos com ele. O pessoal matou ele, mas eu morei esse monte de anos com ele. Aí então eu tive mais três filhos dele. E ele era maravilhoso. A minha filha, Jéssica, que não era filha dele e o Jairo, eu fui buscar o Jairo, ele me deu dinheiro para ir buscar ele lá em Marabá. E eu fui e trouxe os dois para casa, que ele queria criar os dois. O meu filho já chamava ele de pai e a minha filha só tinha três meses quando eu fui morar com ele e ele cuidava, eu dormia de noite e ele cuidava dela, da Jéssica. Foi um pai maravilhoso para as minhas filhas, o leite não faltava de jeito nenhum, nunca faltou nada pra ela. Ele cuidou muito bem das minhas filhas, eu amava. Ave Maria, eu sofri demais porque o pessoal tirou um pedaço de mim quando mataram ele ali. Com essa folia de cooperativa, aí mataram ele. Então tiraram um pedaço de mim, eu para aprender a viver de novo foi muito duro, porque ele não deixava faltar nada em casa, eu arrumei esse homem e ele não deixava faltar nada, nada, eu não sabia qual o preço de uma balinha, porque tudo era ele, tudo, tudo que eu precisasse era ele, de absorvente, tudo, tudo, ele comprava. E a roupa que ele comprava era roupa boa, não era roupa ruim, tanto pra mim, como para os meus filhos. Aí a gente morou esse monte de tempo, fomos embora para o Maranhão, na nossa terra lá, fazenda. Só que o pessoal estava matando o nosso gado e vendendo, então foi preciso nós irmos embora para o Maranhão. Depois voltamos aqui para Serra Pelada de novo, eu e ele. Aí foi depois que voltamos, que fizemos essas plantações, foi que mataram ele ali, na outra casa que nós morávamos. Aí de lá para cá eu venho lutando e eu sabia o que ele queria, ele sempre me falava assim: “Francinete, olha, se caso acontecer, assim e assim, de me matarem, alguma coisa”. Porque ele estava enfiado nessa cooperativa, “Você continua, o que eu estava fazendo, você continua”. Eu: “Tá bom”. Aí foi isso, O pessoal me admirava muito, porque eu nunca vendi e nem acabei com as coisas que ele deixou. Eu disse: “Não, eu tenho que criar as minhas filhas. Ele só chamava a minha filha de doutora, então ela tem que ser uma doutora”. Então as minhas filhas estudaram e hoje ela é doutora. Física nuclear, ela é de física, ela fez doutorado, hoje ela é doutora. Nós chamamos ela de doutora, não foi médica, mas é doutora, que o pai dela queria. Então hoje ela é doutora. E foi depois que ele faleceu, eu continuei do jeito que ele pediu para mim continuar cuidando daqui, trabalhando e botando as filhas para estudar. Hoje duas moram no Rio de Janeiro e uma mora em Minas, uma terminou o doutorado e a outra está terminando a faculdade, uma de química e a outra de física, a que fez doutorado. E é assim.
P/1 - A senhora falou que se mudou aqui para Serra Pelada, como foi a viagem?
R - Pois é, a viagem foi bem turbulenta. Assim, eu e essa minha prima e o meu filho, eu só tinha ele e estava grávida da outra. E aí ela disse que nós íamos para casa dos parentes dela. E nós ficamos ali no Cequeiro, eles eram donos dali daquele Sequeiro, nós ficamos lá. Mas aí quando chegou lá, eles não respeitaram muito a gente, garimpo né, as mulheres chegando, então eles já queriam a gente para eles. Aí foi muito perturbada a viagem, assim, pegando um carro até o 16. Dali a gente ficou esperando outros carros para poder vir para cá, chegando ali a gente ficou na casa desses parentes dela. E foi assim. Aí eles chegaram já a querer a gente, pelo menos eu, porque ela era parente de um, era mulher de um. Ele queria porque queria me forçar a morar com um deles lá. Então eu achei muito ruim essa ida para lá e falei com ela: “Vamos fugir!”. Aí quando eles saíram para trabalhar, a gente fugiu de lá para cá, viemos embora. Aí aqui eu achei um primo, aí eu fui trabalhar na casa de um senhor, que é esse que eu falei, do Maurício e ela ficou na casa desse meu primo. Então foi muito perturbadora nossa viagem de lá para cá. Pegamos pau de arara, esquecemos roupa dentro de ônibus, foi assim, bem complicada a nossa vinda de lá para cá, mas deu certo. Porque aqui a gente chegou, que nem eu te falei, fui pra casa da minha prima, trabalhei na casa desse pessoal, me levaram para fora, para ganhar a bebê, quando eu cheguei já fui para a casa dessa minha prima lá e já achei o meu marido, graças a Deus! Aí a minha vida mudou. Hoje eu amo Serra Pelada de coração, não quero de jeito nenhum sair dela. Minhas filhas reclamam para eu sair, mas eu não sou muito a fim de sair não, de Serra Pelada.
P/1 - Dona Francinete qual foi o ano que vocês vieram para cá?
R - O ano que a gente veio para cá foi em 86, 87. Foi em 87, que a minha filha já tinha nascido. 87 a gente veio para cá, assim que começou a entrar mulheres, a gente veio. Eu tive a Jéssica em 87.
P/1 - A senhora estava falando também sobre o pau de arara. O que era o pau de arara?
R - Pau de arara eram aqueles caminhões que carregava gente em cima, era coberto só em cima e nas laterais era aberto. Era um caminhãozinho mesmo, do jeito daquele do Ulpiano, só que tinha umas lonas em cima e uns pauzinhos, igual as caminhonetes, aquelas caminhonetes que tinha aqui em Serra Pelada. Então o pau de arara eram aqueles caminhões grandes, com a lona em cima e uns pauzinhos do lado. Eu chamo eles de pau de arara.
P/2 - Então você veio para Serra Pelada, mas antes de chegar aqui na vila mesmo, você esteve no garimpo do Cerqueiro?
R - Tive. Ficamos lá um bocado de meses lá no Cerqueiro, que era a casa lá, dos parentes da minha prima, nós moramos lá. Aí depois foi que arrumamos os serviços, emprego, aí ela veio para a casa do meu primo e eu fui trabalhar na casa desse pessoal que me recebeu muito bem, lá eu fui muito bem recebida e respeitada, lá na casa desse povo.
P/2 - Como foi a sua visão da sua chegada aqui em Serra Pelada? Como você ficou? Você ficou deslumbrada?
R - Sim, eu fiquei. Assim, quando eu cheguei lá no Cerqueiro, para vir pra cá, como o pessoal disse que aqui era muito, estava muito bom para ganhar dinheiro, então eu achava que ia melhorar a vida. Eu ia melhorar de vida para ajudar a família, então eu ia achar bom. Mas quando eu cheguei fui trabalhar ali, com muito peão, muita coisa, então eu disse: “Aqui vai dar certo”. Mas infelizmente não deu, porque logo fechou, passou pouco tempo e fecharam. Eles trabalhavam pouco, porque só vivia caindo barreira, então eles começaram a trabalhar bem pouco, bem forçado mesmo, porque as barreiras não tinham rebaixamento, essas coisas. Aí trabalharam pouco e logo fechou. Aí foi bem complicado.
P/2 - Você foi trabalhar nessa casa também?
R - Eu fui trabalhar na casa do pessoal lá, eles trabalhavam com os barrancos lá embaixo e eu dizia: “Não, a coisa vai melhorar”. Porque sempre eles ajudavam a cozinheira. Mas aí lá foi só mais trabalho mesmo, quase não tiraram ouro. Lá na casa desse pessoal era só trabalho, trabalho. Aí depois eu fui morar com o meu marido, aí também ficou fraco, fraco, não tirou mais ouro nenhum. Aí pronto. Depois nós fomos embora porque acabou aqui a folia do garimpo e o povo estava matando o gado lá e vendendo. Aí tivemos que ir lá, porque ele comprou aquela terrinha com o ouro daqui, da Serra, essa terrinha lá. Aí como ele ficava mais para cá do que para lá, o pessoal ficava como gerente e vendia o gado e dizia que caiu dentro do buraco, que sumiu e aí pronto. Aí foi preciso a gente ir para lá, passei uns seis anos pra lá e retornei à Serra Pelada. E estou até hoje aqui em Serra Pelada. E depois que o meu velho faleceu, eu fui batalhar para criar as filhas sozinha, aí fui criar as filhas sozinha, minhas filhas, quatro filhas, criei sozinha depois que ele faleceu. Porque a mais novinha ficou com cinco meses, que é essa que está no Rio de Janeiro. Hoje ela está terminando a faculdade de química lá. E é isso.
P/1 - Dona Francinete, quando a senhora veio para Serra Pelada, a senhora teve alguma dificuldade?
R - Tivemos muita dificuldade, para vir mesmo, tivemos! Não tinha dinheiro…
P/1 - Dona Francinete, a senhora falou que conheceu o seu esposo aqui em Serra Pelada e por qual motivo você retornou ao Maranhão?
R - Bom, a gente estava aqui na Serra e tivemos que retornar porque o pessoal lá, o gerente que tomava conta da nossa terra, estava vendendo o gado. Aí o meu marido achou por bem a gente retornar para o Maranhão. Aí a gente foi para lá pra ele tomar conta da nossa terra. Como aqui estava fraco, o trabalho do garimpo não estava bem, então ele achou bom a gente retornar para lá, por causa disso que aconteceu, que o pessoal estava vendendo o nosso gado, nossas coisinhas. Então foi preciso a gente retornar para lá, para o Maranhão.
P/2 - Vocês tinham investimentos daqui de Serra Pelada para a região lá?
R - Sim, a gente tinha. E como o pessoal estava vendendo, então a gente ficou com medo de venderem tudo, de acabarem com tudo, então a gente retornou para o Maranhão. Passamos seis anos lá e ele apaixonado pela Serra Pelada, não queria ficar lá. Foi preciso a gente vender lá, tudo, e vir embora para cá de volta.
P/1 - Como foram os seis anos no estado do Maranhão?
R - Foi assim, um pouco difícil, porque os meninos tinham que estudar, então nós ficamos um tempo na rua, na cidade, eu com as crianças e ele lá na fazenda sozinho. Não foi muito bom, eu tive um filho, o primeiro filho dele, aí faleceu. Aí eu não quis mais ficar na rua e fui embora para a fazenda. Aí lá na fazenda os meus filhos precisavam estudar, então eram seis quilômetros até onde tinha uma escola, de lá da nossa terra para a escola. Aí os meus filhos saiam às 05h30, para chegar lá às 07h, saíam de jumento, eles iam de jumentinho. Aí eu ficava olhando da porta quando eles iam, o meu filho no meio e a minha filha na garupa, os cabelinhos, chega iam assim, voando, ele correndo, chutando o jumentinho. E todo dia era esse sacrifício para eles atravessarem, no inverno, tinha um rio para eles atravessarem, que dava no meio do jumento. Então era um sacrifício para eles passarem. Aí eles trocavam de roupa depois que passavam pelo rio e iam para a escolinha. Mas eles eram bem inteligentes, eles aprendiam rápido. Aí o meu marido achou por bem, que lá não era bom. Como eles eram uns meninos bem inteligentes, eram melhores do que eu, porque eu era devagar para aprender. Mas eles não, os meus filhos eram muito inteligentes, a Jéssica, o Jairo. Aí ele: “Não, aqui não dá para os nossos filhos ficarem, vamos ter que voltar para a Serra”. Ele, como era apaixonado pela Serra Pelada, muito apaixonado pela Serra, brigava aqui pela Serra. Então ele falou: “Nós não vamos para a rua, vamos para Serra Pelada”. E eu: “De volta?”. Ele: “De volta!”. Aí viemos para Serra Pelada em março de 96, foi em 96 que a gente veio pra cá. Aí chegou aqui a gente comprou uma casinha ali do outro lado, depois dessa, e ficamos lá até 2002, que foi quando ele faleceu, que mataram ele.
P/2 - Fala um pouco sobre o seu esposo, como ele era? Por que ele era tão apaixonado por Serra Pelada e o que ele desenvolvia aqui dentro da classe garimpeira também?
R - Assim, o meu marido era muito apaixonado pela Serra Pelada, porque ele veio para cá, deu uma olhada na Serra, quando ele chegou aqui, foi em 82, parece que foi, eu me lembro que foi 82, por aí, 82, 83, ele disse que via o pessoal com uns sacos de dinheiro nas costas. E ele dizia: “Aqui que é o lugar do homem ganhar dinheiro”. Aí ele veio de carro, deixou no 16, aí veio furando para cá. E quando chegou aqui, que viu esse monte de dinheiro, ele ficou doido! “Aqui que é o lugar do homem ganhar dinheiro”. Então quando ele veio, a primeira coisa que ele fez foi vender o carro dele que ficou lá no 16. Aí ele veio para cá e trabalhou bastante, pegou um pouco de ouro, mas como eles eram em muitos, tiveram que repartir, mas ainda deu para comprar essa terrinha lá no Maranhão. Aí ele ficou com essa coisa do garimpo. Então quando a gente retornou do Maranhão para cá, ele ficou metido com esse garimpo, lá com a cooperativa. Aí ele fez esse plantio aqui, que aqui não tinha o plantio, ele que fez, coco, cupuaçu, para o sustento da gente. Como ele vendeu a terra lá, então ele comprou isso aqui e fez o sítio para o sustento. E ele vendo que ali na cooperativa estava muito fraco, muito fraco, então… ele é um homem muito inteligente, o meu marido, inteligentíssimo, ele conversava com você aqui, mas já estava com o sentido em outra coisa, ele prestava atenção no que a gente estava falando, e já sabia o que ia fazer, o que ele ia dizer, era muito inteligente o meu marido. O pessoal escolheu ele para ele ser o presidente da comissão dos 10, que iam ser 10 garimpeiros, então ele era o presidente da comissão dos 10. Ele ia tomar conta por 30 dias da cooperativa, para fazer uma tal de assembleia depois, para botar o pessoal lá, botar o pessoal que fica na frente, que é a diretoria. Mas antes dele receber a posse, o pessoal matou ele, mataram ele. Então eu fiquei aqui e eu acho assim, eu sinto que isso é uma história de superação, porque eu superei a morte dele, sofrendo muito, arrancaram uma parte de mim. E eu fiquei ainda com três filhas pequenas, o Jairo já era grandinho e três filhas menorzinhas. Mas graças a Deus eu superei, criei as minhas filhas, hoje elas são todas grandes, a mais nova está com 22. E foi tudo assim, do jeito que ele orientou. Então eu acho que é uma história de superação, que eu estou superando aqui na Serra Pelada. E ele era muito apaixonado pela Serra, porque ele viu essa história. E ele viu muita gente perdendo o seu dinheiro aí dentro, aí ele disse: “Não, nós vamos para cima!”. Ele largou o serviço aqui para ir pra lá, com esse negócio de ajudar e terminou morrendo lá. Mas pode perguntar aí para todo mundo pelo Zé Mendes, que o povo conta a história dele.
P/2 - Ele se candidatou para ser o presidente da cooperativa dos garimpeiros?
R - Não. Ele foi escolhido pelo povo, para ele ser o presidente da comissão dos 10, porque ele sabia mesmo. Mas aí o pessoal não deixou nem ele chegar perto, antes dele receber a posse, no outro dia, de manhã, o pessoal matou à noite. Aí não teve como. E hoje está aí largada essa cooperativa, não se resolve nada, e é assim. Mas ele era muito apaixonado por Serra Pelada e por isso eu não deixo Serra Pelada também. Gosto não muito da Serra, não gosto que falem mal da Serra Pelada, que fica dizendo que Serra Pelada é isso, é aquilo. A Serra Pelada é uma história muito boa de superação para nós, eu sobrevivo aqui, criei as minhas filhas, hoje as minhas filhas são formadas e é daqui da Serra Pelada. Então eu digo que é uma história de superação. Gosto muito da Serra e não gosto que falem mal da Serra Pelada.
P/2 - Francinete, como foi você superar mais uma vez, depois da morte do seu esposo, você ficou com quantas crianças menores?
R - Eu fiquei com três, três filhas menores. Foi muito triste, assim, arrancaram uma parte de mim, eu não sabia quanto era o preço de uma balinha, não sabia, quando eu viajava, ele deixava eu passar uns 15 dias de férias com meus filhos lá no Marabá, ele ia deixar, ele ia buscar, ele deixava a gente ir, sabe? Ele era um homem muito bom, meu marido era um marido excelente, bom mesmo! Caprichoso com as minhas filhas. Criou os dois sem serem filhos dele, mas criou idêntico como se fossem filhos dele mesmo, registrou, e criou até esse tempo que me tiraram ele. Aí a pequena dele ficou com cinco meses. Para eu superar foi uma luta! E teve uma pessoa, que eu nunca esqueci do que ela disse pra mim, ela disse: “Francinete, você não sabe fazer nada, porque eu também já passei por essa situação que você está, a gente não sabe fazer nada, mas a gente aprende”. Foi a Nadir, a Nadir que me disse isso. Ela disse assim: “Você vai superar! Porque também já aconteceu comigo e eu superei. Hoje eu sei fazer as minhas coisas”. Aí eu de vez em quando agradeço a Nadir, “Aquela palavra que tu me disse, fez eu superar, assim, sabe? Levantar a cabeça e ir!”. Porque eu não sabia o que fazer. Mas como eu também fui orientada por ele, pelo meu marido, o que ele dizia: “Continua do jeito que eu estou te ensinando, te dizendo, que tu vai em frente!”. Então deu certo, eu comprei uma casinha no Marabá com as coisas que ele deixou aqui, a gente vendia a produção, e comprei uma casinha no Marabá para as minhas filhas estudarem. Eu mandei elas para lá primeiro e de lá é que elas foram para o Rio, passaram nas faculdades e foram para o Rio de Janeiro. Aí eu comprei essa casinha lá, tudo do jeito que ele dizia, “Faz assim e assim”. Ele deixou, parece, assim tudo escrito, “Faz assim, assim e assado se acontecer alguma coisa comigo”. Não sei se ele já sabia, eu sempre falo isso, não sei se ele já sabia que ia acontecer alguma coisa com ele, mas ficou tudo do jeito que ele falou. Aí eu superei e comecei a trabalhar. Aí eu pensei muito, porque eu estava necessitando de carregar as minhas coisas e não sabia como, então precisei tirar a minha habilitação. Trabalhei, arrumei e comprei um carro. Um amigo também me ajudou na hora de comprar o carro, eu não estava com o dinheiro todo, mas nessa hora uma pessoa chegou e disse: “Olha, eu conheci o seu marido, eu gostava muito dele, porque era um homem trabalhador, um homem que queria prosperar na vida e por causa disso, eu vou ajudar você a comprar o teu carro”. Assim, aí essa pessoa chegou e me ajudou a comprar o carro, ele não me deu, sabe? Ele me ajudou, dizendo assim: “Eu vou te ajudar com essa outra parte que está faltando e você vai me pagando aos poucos”. E foi isso que aconteceu, eu comprei o meu primeiro carro, fiquei feliz da vida, paguei ele em poucos dias, trabalhei e paguei, graças a Deus e aí fui ó superando. Hoje estou com as minhas filhas formadas, estou com as minhas coisas todas organizadas, graças a Deus! Mas é isso, a história.
P/1 - Dona Francinete, o que a senhora faz hoje em dia?
R - Hoje eu trabalho, assim, no meu carrinho. Vou para lá, venho para cá para Curionópolis, levando os meus passageiros, meus clientes. Aí é isso, tirei a minha habilitação, comecei a trabalhar, gostar, não dei mais conta de trabalhar na roça, que o serviço é pesado. E agora estou trabalhando nessa linha aí de ir e vir.
P/1 - E quais são as coisas mais importantes para a senhora hoje em dia?
R - Hoje? Os meus filhos, as minhas filhas. Deus me livre! São as coisas mais importantes! Hoje eu tenho as minhas filhas, hoje eu tenho um bisneto que nasceu agora, domingo passado. Eu tenho bisneto, já. A minha mãe veio ver o tataraneto, que ela já é tataravó. Então é uma história muito grande, né? Já tenho bisneto e a minha mãe já é tataravó, né? Então, meus filhos, minha maior riqueza são os meus filhos.
P/1 - Em questão de relação, relacionamento?...
R- Aí sim, tem o Alexandre que é meu companheiro agora, depois de muito tempo, eu arrumei o Alexandre. Que agora tá morando comigo aqui, nesses tempos, para não ficar aqui nesse lugar só, tem que ter um amor, porque se não, tem que ter um amor, senão, não dá certo.
P/1 - E quais são seus sonhos?
R- Os meus sonhos, é ver meus filhos bem, realização dessa Serra Pelada. Mas assim, muita vontade de ir embora daqui eu não tenho muito não, gosto muito daqui, as coisas estão melhorando. A nossa prefeita superou aí essa Serra Pelada e Ave Maria, eu amo demais essa Serra Pelada! Então um sonho mesmo agora é só fazer uma casinha aqui mais confortável para mim e passar o resto da vida aqui na Serra Pelada. Já que meus filhos já estão todos grandes, estudaram, está todo mundo com suas vidas estruturadas para lá, trabalhando, vivendo a vida deles, para mim está ótimo, porque a Serra Pelada me deu tudo isso. Me tirou, sofri pra caramba por causa do meu marido que faleceu, mas Deus me recuperou. Aí eu estou bem, estou direto na minha igreja católica, que eu faço parte direto, faço parte da pastoral do dízimo, lá da igreja, vou direto. Então é isso. Sofri também com a minha filha, que teve uma época de uma tal de depressão, e a gente participando da igreja direto, direto, pedindo oração, pedindo que Deus olhasse, nossa Senhora Aparecida, minha filha recuperou e está ótima morando em Belo Horizonte com o marido dela. Então é isso. Meu sonho é isso, é viver todo mundo feliz, com saúde, paz e ver essa Serra Pelada se resolver aí, para que todo mundo esteja bem.
P/1- A senhora gostaria acrescentar algo a mais? Contar alguma história que não foi contada?
R- Não, acho que está legal.
P/1- E durante a entrevista, o que a senhora achou? Qual foi a sensação de estar participando dessa entrevista?
R- Eu achei boa, legal! Contei a minha história, das minhas filhas, que eu tinha vontade de contar, eu dizia pra elas sempre, falei até para o Carlinhos, que eu tinha vontade de escrever um livro, só para dizer para elas que eu vi os cabelinhos delas, assim, loirinhos, para estudar e era longe. Aí a minha filha também formada… eu vou até contar essa também, que essa minha filha, que é doutorada, ela nasceu lá nessa fazenda nossa, lá na nossa terra e nasceu em uma cama de colchão de palha de arroz, de palha de arroz. A gente fez aquele colchãozinho com as forquilhinhas, às quatro forquilhas, botamos um talo de coco, e botamos as palhas do arroz e forramos bem forrado. Sei que estava bem fofa a cama para receber ela. E ela hoje é formada lá no Rio de Janeiro. Isso aí, ave Maria, eu amei demais! Ela pesou quase cinco quilos, a minha filha, essa que nasceu lá, nós pesamos ela lá na balança e tadinha, pesava gado, porco e nós pesamos ela lá. Aí ela deu quase cinco quilos, quatro quilos e 900 e pouco, foi bem grande, bem gorda. Logo na fazenda, tem muita fartura e comia demais . E aí ela ficou uma menina nutrida. Ela nasceu neste local lá, na terra, lá dentro do mato, 36 quilômetros da cidade e nasceu saudável, bem. Hoje está lá, minha princesa, no Rio de Janeiro. Deu duro, que eu até botei no nosso grupo lá, minha filha lá lindona no meio do nosso ministro de tecnologia, uma coisa assim, ela estava lá.
P/1- Dona Francinete, eu e a Eliene gostaríamos de agradecer por a senhora ter tirado esse tempinho para dar a entrevista ao Museu da Pessoa. Muito obrigada!
R - Obrigada vocês por terem vindo e me escolhido. Eu que agradeço muito vocês por terem lembrado de mim.
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