A morte do meu gato
A morte sempre foi um tema que me intrigou. Desde cedo, tive perdas e vivi o luto de diferentes formas. Sempre me atraíram os assuntos considerados fúnebres ou não convencionais. Gostava de frequentar cemitérios, admirar a arte tumular, observar a beleza presente naquilo que muitos evitam.
Mas nenhuma dessas experiências me preparou para a perda do meu gato Fred.
Minha irmã o adotou ainda filhote. Mais tarde, ele veio morar comigo, já com sete anos de idade. Frederico, ou simplesmente Fred, foi o gato mais doce que já conheci. Diferente dos outros, deixava-se pegar no colo, virar de barriga para cima, encher de carinhos, sem jamais arranhar ou morder. Era brincalhão, divertido e amável com todos. Tinha um miado único, um “chamado” só dele, e um jeito engraçado de pedir carinho: apoiava-se na minha perna e levantava a patinha em direção à cabeça, como quem dizia “faz um cafuné aqui”.
Todas as noites, dormia no meu peito. Antes, amassava pãozinho na minha barriga, ronronando alto, como um pequeno motorzinho. Preto, de presinhas salientes, parecia um vampirinho, mas o mais doce e encantador que alguém poderia conhecer.
Em abril de 2023, tudo mudou. Uma noite, encontrei uma poça de sangue no chão. Quem convive com vários gatos sabe a dificuldade de identificar de quem veio um sintoma. Observei-os por dias, mas nada aconteceu de novo. Até que, semanas depois, ouvi Fred tentando vomitar uma bola de pelo. Quando me aproximei, percebi que era sangue.
No dia seguinte, fomos ao veterinário. Os exames mostraram uma anemia profunda e plaquetas extremamente baixas. Ele ficou internado, precisou de transfusão de sangue, e aquela foi a primeira noite em que não dormiu comigo. Passei a madrugada em claro, chorando, pensando nele sozinho e com medo.
A suspeita era de um tumor, mas Fred estava muito fraco para uma cirurgia. Optamos por iniciar um tratamento com corticoides, esperando que ele se fortalecesse. Porém, no...
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A morte do meu gato
A morte sempre foi um tema que me intrigou. Desde cedo, tive perdas e vivi o luto de diferentes formas. Sempre me atraíram os assuntos considerados fúnebres ou não convencionais. Gostava de frequentar cemitérios, admirar a arte tumular, observar a beleza presente naquilo que muitos evitam.
Mas nenhuma dessas experiências me preparou para a perda do meu gato Fred.
Minha irmã o adotou ainda filhote. Mais tarde, ele veio morar comigo, já com sete anos de idade. Frederico, ou simplesmente Fred, foi o gato mais doce que já conheci. Diferente dos outros, deixava-se pegar no colo, virar de barriga para cima, encher de carinhos, sem jamais arranhar ou morder. Era brincalhão, divertido e amável com todos. Tinha um miado único, um “chamado” só dele, e um jeito engraçado de pedir carinho: apoiava-se na minha perna e levantava a patinha em direção à cabeça, como quem dizia “faz um cafuné aqui”.
Todas as noites, dormia no meu peito. Antes, amassava pãozinho na minha barriga, ronronando alto, como um pequeno motorzinho. Preto, de presinhas salientes, parecia um vampirinho, mas o mais doce e encantador que alguém poderia conhecer.
Em abril de 2023, tudo mudou. Uma noite, encontrei uma poça de sangue no chão. Quem convive com vários gatos sabe a dificuldade de identificar de quem veio um sintoma. Observei-os por dias, mas nada aconteceu de novo. Até que, semanas depois, ouvi Fred tentando vomitar uma bola de pelo. Quando me aproximei, percebi que era sangue.
No dia seguinte, fomos ao veterinário. Os exames mostraram uma anemia profunda e plaquetas extremamente baixas. Ele ficou internado, precisou de transfusão de sangue, e aquela foi a primeira noite em que não dormiu comigo. Passei a madrugada em claro, chorando, pensando nele sozinho e com medo.
A suspeita era de um tumor, mas Fred estava muito fraco para uma cirurgia. Optamos por iniciar um tratamento com corticoides, esperando que ele se fortalecesse. Porém, no dia seguinte, ele convulsionou novamente. As plaquetas haviam despencado de novo. Era quase certo: havia um tumor consumindo sua vida por dentro.
A partir daí, tudo aconteceu em questão de dias. Fred já não se alimentava, precisava ser hidratado com seringa, caía de fraqueza ao tentar usar a caixinha. Mesmo assim, dormia comigo todas as noites, encolhido na minha barriga, como sempre gostou.
Na última noite, porém, a dor se fez insuportável. Ele miava alto, escondia-se pelos cantos, berrava de agonia. Segurei-o nos braços, tentei confortá-lo, disse a ele que não precisava ser forte, que podia descansar. E foi assim, entre convulsões e suspiros profundos, que ele partiu nos meus braços.
Foi doloroso além de qualquer medida. Mas, ao mesmo tempo, senti-me privilegiada. Acompanhar um ser amado até o último segundo é algo que muitos evitam, justamente porque é duro, cru, feio às vezes. A morte não é sempre serena: pode trazer gemidos, suor, desespero. Ainda assim, estar presente é um ato de amor.
Envolvi Fred em uma toalha roxa, sua última mortalha. Eu gostaria de cremá-lo e guardar suas cinzas, mas respeitei a vontade da minha irmã, que preferiu o descarte através do ecoponto. Fui o tempo inteiro fazendo carinho em seu corpinho frio e rígido, porque, mesmo sem vida, ainda era o corpo de quem eu amava.
Os dias seguintes foram de tristeza intensa. Recordo não apenas dos momentos bons, mas também dos ruins, porque acredito que a vida é feita de totalidade. E essa experiência, apesar de dilacerante, reafirmou em mim o desejo de falar sobre a morte, de trazer naturalidade a um processo que todos viveremos.
Hoje, Fred continua vivo em minhas lembranças: no miadinho característico, nas fotos, nos cantinhos da casa que eram dele. E, apesar da dor, sigo grata. Sei que meus outros gatos também partirão um dia, mas quero estar ao lado de cada um até o fim, como estive com Fred. Porque, mesmo quando a morte chega, o amor permanece.
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