Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Lidiane Damasceno Krenak
Entrevistada por Tiago Nhandewa
Entrevista concedida via Zoom (Curitiba/Arco-Íris), 28/11/2022
Entrevista n.º: ARMIND_HV014
Realizada por Museu da Pessoa
Revisada por Bruna Ghirardello
P/1 - Lidiane, boa noite. Seja bem-vinda aqui no Projeto Indígenas Pela Terra e Pela Vida, é um prazer falar contigo. E já gostaria de começar perguntando sobre o seu nome, se você tem algum nome indígena Krenak ou Kaingang e se você pudesse se apresentar.
R - _________. O meu nome é Lidiane Damasceno Krenak. Eu sou da etnia Krenak e Kaingang. O meu nome Krenak é Naim, que significa ilha, o nome da minha avó, por conta que segundo ela, quando eu era criança eu sempre me destaquei das outras e dos meus irmãos, então ela dizia que… então ela me deu o nome de ilha. E a minha avó Kaingang me colocou o nome de _________, porque segundo ela eu era muito bravinha. Então, aí _________ no Kaingang é urtiga, eu sou muito bravinha, que chegava perto, ‘espinhava’ os outros, caçava confusões, então ela colocou meu nome de urtiga... de _________, que significa urtiga. Sou professora, Índia Vanuíre, moro na aldeia Índia Vanuíre, que tem sete povos diferentes, os não indígenas falam tribos, nós falamos povos ou etnias. Nasci e cresci aqui, sou filha de pai... de mãe Krenak, pai Kaingang. Tenho as duas descendências no sangue. Sou professora e Coordenadora do Grupo de Dança Rhundhum Krenak Vanuíre, Coordenadora e Gestora do Museu chamado Akãm Orãm Krenak, que é localizado na aldeia Vanuíre, museu esse em que só temos peças e acervos indígenas, e esse museu foi pensado para os jovens. Por que para os jovens? Para que eles entrem dentro dele e analisem as peças, e quando o mais velho não estiver mais no nosso meio, ele lembre daquele mais velho através daquela peça e reproduza em sua memória, deixando assim, fazendo assim com que a nossa linhagem, a nossa cultura, o...
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Entrevista de Lidiane Damasceno Krenak
Entrevistada por Tiago Nhandewa
Entrevista concedida via Zoom (Curitiba/Arco-Íris), 28/11/2022
Entrevista n.º: ARMIND_HV014
Realizada por Museu da Pessoa
Revisada por Bruna Ghirardello
P/1 - Lidiane, boa noite. Seja bem-vinda aqui no Projeto Indígenas Pela Terra e Pela Vida, é um prazer falar contigo. E já gostaria de começar perguntando sobre o seu nome, se você tem algum nome indígena Krenak ou Kaingang e se você pudesse se apresentar.
R - _________. O meu nome é Lidiane Damasceno Krenak. Eu sou da etnia Krenak e Kaingang. O meu nome Krenak é Naim, que significa ilha, o nome da minha avó, por conta que segundo ela, quando eu era criança eu sempre me destaquei das outras e dos meus irmãos, então ela dizia que… então ela me deu o nome de ilha. E a minha avó Kaingang me colocou o nome de _________, porque segundo ela eu era muito bravinha. Então, aí _________ no Kaingang é urtiga, eu sou muito bravinha, que chegava perto, ‘espinhava’ os outros, caçava confusões, então ela colocou meu nome de urtiga... de _________, que significa urtiga. Sou professora, Índia Vanuíre, moro na aldeia Índia Vanuíre, que tem sete povos diferentes, os não indígenas falam tribos, nós falamos povos ou etnias. Nasci e cresci aqui, sou filha de pai... de mãe Krenak, pai Kaingang. Tenho as duas descendências no sangue. Sou professora e Coordenadora do Grupo de Dança Rhundhum Krenak Vanuíre, Coordenadora e Gestora do Museu chamado Akãm Orãm Krenak, que é localizado na aldeia Vanuíre, museu esse em que só temos peças e acervos indígenas, e esse museu foi pensado para os jovens. Por que para os jovens? Para que eles entrem dentro dele e analisem as peças, e quando o mais velho não estiver mais no nosso meio, ele lembre daquele mais velho através daquela peça e reproduza em sua memória, deixando assim, fazendo assim com que a nossa linhagem, a nossa cultura, o nosso artesanato não caia no esquecimento. E hoje eu sou cacique na Aldeia Vanuíre e onde aqueles sete povos _________. É isso.
P/1 - Lidiane, você trouxe essa configuração da aldeia falando dessa diversidade étnica que tem aí e também que você hoje é uma Cacique, Cacica. A gente vai falar um pouquinho mais disso lá na frente, mas ainda falando sobre você, eu gostaria que você pudesse falar a respeito do dia do seu nascimento, se sua mãe contou ou a tua avó. Como foi esse dia?
R - Então, segundo minha mãe, nesse dia do meu nascimento minha mãe começou a sentir as dores do parto, as indígenas daqui já iam pro hospital, para a cidade para ter os filhos na maternidade e aqui tinha um, a gente falava um caminhãozinho, um vermelho, lembro dele, e daí chefe de posto pegou esse caminhão e levou eu… a minha mãe para que eu nascesse. E nesse dia tava de noite, tava um tempo de chuva muito forte e deu trabalho para chegar no hospital e meu pai e minha mãe preocupados da criança nascer no meio do caminho. Foi uma grande luta para chegar até a cidade, por conta que naquele tempo as estradas de chão não eram bem cuidadas como são hoje e tinha toda uma problemática. Aí quando... mas aí a minha mãe chegou bem, chegou em tempo, e foi que... daí eu nasci. E minha mãe tinha minha irmã com onze meses - se eu não me engano, onze meses, um aninho - e daí eu nasci no dia dezoito de setembro e a minha irmã, se eu não me engano, ia fazer um aninho dia trinta de setembro. Então quando a minha irmã foi fazer um aninho, eu nasci. Então assim tem essa diferencinha entre nós duas, de dias. Então quando eu completo uma idade a gente fica com idades iguais até o dia trinta, aí depois ela fica mais velhinha.
P/1 - Sempre quando eu ouço da sua mãe, você trata ela, assim, com muito carinho e respeito. Com certeza ela é uma pessoa muito especial e eu gostaria que você pudesse contar um pouco sobre a história da sua mãe, da relação que você tem com ela, falasse um pouco da origem dessa parte da família.
R - Então, minha mãe é da etnia Krenak, povos originários do Leste de Minas Gerais, conhecidos antropologicamente, costumo dizer, como ______ do Leste de Minas Gerais, mas nós temos o nome Krenak. O povo Krenak foi expulso de suas terras, eles foram mandados para vários locais, vários territórios do país e, principalmente, onde tinham aldeias, para que o seu território fosse explorado e invadido _________ e assim por outros fazendeiros e sitiantes, acabou acontecendo que minha avó perdeu o esposo, meu avô, na linha de trem ele acabou acidentando por conta de uma surdez ocasionada por uma explosão de uma bomba que foi jogada no meio da aldeia para assustar os indígenas e os indígenas não voltarem mais para aquela terra. Então aí ele foi acometido de um maquinário que fiscaliza a linha do trem. Daí ele foi atropelado e a minha avó ficou sozinha com nove filhos pequenos, o mais novo tinha quatro meses. E então o meu tio Antônio Jorge, que já estava aqui no Vanuíre desde a década de trinta, aí ele acabou vindo... sabendo pela FUNAI o que tinha acontecido com o cunhado dele e ele ficou com medo, porque naquela época quando meu avô faleceu eles estavam roubando, sequestrando moças e meninos da aldeia para poder trabalhar nas fazendas. As moças para outras situações, que é muito triste. E daí ele ficou com medo de sumirem com a sobrinhada dele e com a irmã, aí ele acabou indo para Minas Gerais pra buscar a minha avó e minha mãe, daí foi onde que eles vieram pra cá. Minha mãe chegou aqui com quatro aninhos, então é muito sofrimento da parte da minha avó, eram muitos parentes morrendo, sem justiça acontecendo e o governo fazendo vista grossa, ajudando, apoiando, tomando a terra deles que era por direito. Aí ela acabou não voltando mais. Ela acabou ficando aqui, se casando com um Kaingang também e acabou arrumando mais dois filhos. Fora os outros nove, mais dois filhos. E acabou fincando raízes aqui. E aí dessas raízes, dessa vinda para cá, minha mãe se casou com meu pai, Kaingang, da onde teve três filhos. E minha mãe é a minha base, é meu exemplo, um exemplo de luta, de vitalidade, de inteligência, de braveza quando fala de questão cultural... inteligência, sabedoria quando fala de questão cultural, porque foi através de muito ela viajar, ela sempre viajou buscando melhoria na questão da educação escolar indígena, porque nós, como filhos, a gente chegava nela e reclamava por conta que na escola do não indígena a gente não tinha liberdade, a gente não podia isso, a gente não podia aquilo. Quando era trabalho em grupo, nós éramos deixados de lado; na compra de um uniforme, as coisas não eram fáceis, se você não tinha uniforme não podia entrar na escola. Aí naquele tempo a FUNAI, muito precária, livros, a gente precisava comprar e ela nas condições dela... então foi onde ela começou a ver, enxergar isso, a ter experiências junto com outras lideranças sobre a educação escolar indígena. Ela começou a viajar muito com meu pai, começou a buscar experiências e bagagem, e foi onde que ela começou essa luta. E um dia ela foi na aldeia dos Bakairi e ela viu a questão da cultura e da educação lá, que estava totalmente voltado aos indígenas, eram os indígenas que tomavam conta, e aí ela trouxe essa luta para cá. Me lembro que eu tinha, na época, acho que onze anos, aí nesse mesmo período fomos convidados para fazer uma apresentação de dança no Museu Índia Vanuíre, mas quando nós chegamos lá, nós assustamos, porque o museu estava repleto de crianças, repleto de gente, de adultos, e daí eles falaram assim: “Vão apresentar uns índios aqui, vão danças uns índios aqui”. E quando a gente chegou lá todo trajado, todo vestido, todo pintado, e a gente foi cantar a música da Mara Maravilha e você via a decepção na cara do pessoal, porque tipo assim eles veem índio, são índios e eles cantaram em português uma música que a gente já conhece. Aí foi nesse ponto que despertou o meu pai, meu tio Mário e minha mãe. Mas a gente tem a pintura, a gente tem a vestimenta, a gente tem as crianças que são interessadas, então bora buscar os nosso cânticos, e foi [quando começou] uma outra luta do meu tio, do meu pai, da minha mãe - hoje o padrasto, porque eu considero como pai - de ir até os mais velhos para buscar toda essa bagagem, porque segundo os mais velhos eles foram obrigados, eles foram forçados a esquecer toda a questão cultural e de língua, e eles tinham medo de ensinar os meus pais e os meus pais nos ensinar e eles acabarem sofrendo das mesmas represálias que eles sofriam antigamente. E a minha mãe, eu vi a minha mãe chorar, eu vi a minha mãe se desesperar pelos mais velhos não quererem ensinar, com esse medo. Aí o que ela acabou fazendo? Ela acabou buscando parceria com alguns pesquisadores, alguns antropólogos e alguns professores da universidade e começou a trazer para perto dos mais velhos, mostrar para eles que o homem branco não pensava mais como antigamente. Aí ela foi conseguindo quebrar essa casca de desconfiança e foi [quando] no dia dezenove de abril de 1990 foi a primeira apresentação que a gente fez, todos vestidos de índio, falando na língua. Foi uma coisa muito linda. Então assim, vem essa luta de revitalização há muito tempo. O artesanato e a língua a gente começou de pouquinho, mas as danças que foram bem complicadas mesmo, que os mais velhos não queriam, porque eles dizem assim: “Mas se você cantar, você ficar cantando e o chefe de posto passar na sua casa, ele vai te bater, porque ele fazia isso conosco. Não podia cantar.” Então tirar isso da cabecinha deles foi um pouco ‘demoroso’, assim, bem penoso. Então a minha mãe me mostrou que na primeira pedra que bate no seu dedo você não pode desanimar, você tem que pegar aquela pedra e levar junto com você porque uma hora ela vai servir pra alguma coisa, pra alguma construção e pra tampar algum buraco. Então assim, a minha mãe é meu porto seguro, a minha base pra hoje estar como Coordenadora do Museu e Coordenadora do Grupo de Dança. Eu pretendo levar isso adiante, passar para os meus filhos, passar para os meus, a sobrinhada com o apoio das minhas irmãs e levar isso adiante, essa cultura adiante.
P/1 - Com certeza, tanto que você é Cacique aí hoje, aprendeu isso com essas pessoas mais velhas. E você falou do teu pai, esse lado Kaingang que tem aí, as origens também do povo Kaingang aí da região e que traz essa ancestralidade. Se você também puder contar um pouco sobre ele.
R - Então, o meu pai é Kaingang, ele é originário daqui do território. Ele é _________ importante Cacique, um Cacique chamado ________ e o Cacique _________ lideraram o povo Kaingang. Então assim, o povo Kaingang tinha dois grupos, o Kamẽ e o Kanhru, aí a gente não sabe que grupo que ele era, se era Kamẽ ou Kanhru, mas assim, ele é da descendência Cupuí, nós somos da descendência Cupuí. Uma família... segundo o pessoal, era um pouco hostil, bravo assim, e a gente, o meu pai… hoje eu tenho meu pai e dois tios, eles estão vivos, e bem sábios, falam bastante da cultura Kaingang, e o aprendizado também que eles passam para gente desses dois povos, eu tenho esses dois povos e uma carga de história de sabedoria diferente, que um pouco se assemelha e um pouco se diferencia. É muito rico isso. Então às vezes eu sento com o pai e fico ouvindo ele contar as histórias dele, então é bem interessante, sabe assim? Então, meu pai, a família do meu pai é originária do território da Aldeia Vanuíre. Ele nasceu, cresceu, se criou aqui, então ele é do território. Sempre tive contato com meus avós paternos, e que também me ensinaram muita coisa, muita questão de cultura Kaingang, de saber. Então esses dois lados da cultura Kaingang, do Kaingang e do Krenak, a gente mantém sempre vivo, que é um fortalecimento de identidade. E é uma honra ter esses dois povos.
P/1 - Bom, para completar a família, você iniciou falando da tua irmã, que tem uma diferença de idade aí. Assim, o mês é o mesmo. E eu gostaria de você falasse dos teus irmãos agora: quem são eles, se eles moram por aí, qual sua relação com eles.
R - Então, nós somos em seis. Hoje eu tenho três comigo - quatro - aqui e dois em Minas Gerais. Minha irmã mais velha, Mariana, ela só é, o nome dela em Krenak é _________, que é córrego, ela mora aqui na aldeia e é casada... e ela mora aqui na aldeia. E assim _________ Minas Gerais. Meu pai, meu padrasto e meus dois irmãos mais novos que eu, então ela é nossa anfitriã, que a gente corre até ela pra situações, a gente chega até ela para conselhos e tudo mais. Então a gente acaba que, é ela que acaba sendo a mãe, que vai nos socorrer e dar colo. Tem a Fabiana, que você conhece, professora, estudou com você na USP, se formou. É professora até hoje dos anos iniciais, está na escola, também ajuda a gente na parte da cultura, do grupo de dança. Aí eu tenho depois dela, eu, depois, abaixo de mim tem a Tatiane que mora em Minas Gerais. Ela está em Minas Gerais, mas lá também ela luta pela questão Krenak, questão territorial, o estabelecimento de identidade cultural junto aos filhos dela, os meus parentes lá também. Tem a _________ também, que foi professora. Hoje não está mais dentro da sala de aula. Está em Minas Gerais também nesse processo da luta e fortalecimento da cultura lá junto com os primos e tios que moram lá. E a mais nova, a Aline, que é a que me ajuda e me apoia na questão do museu e da dança, ela está sempre junto comigo articulando, recebendo visitas, cuidando do museu, olhando as crianças. Então assim, é uma grande ajuda minha. Os meus irmãos são minhas bases, eles que tão sempre comigo na hora de uma decisão, são os primeiros que eu vou buscar os conselhos para depois dividir com todos.
P/1 - Falando ainda dos irmãos, eles com certeza fizeram parte da sua infância, e também amigos, se você pudesse contar um pouco de como era o seu tempo de infância, o que vocês faziam, mais gostavam de fazer.
R - Então, os meus irmãos, a gente sempre foi muito parceiros, sempre tivemos muito juntos por conta de que na nossa infância a gente teve muita ausência do pai, em questão de alcoolismo e tudo, então a gente tinha muita presença da mãe, menos do pai, então a gente se uniu muito quando criança. Mas eu era uma criança que não gostava de brinquedos de menina, eu gostava muito de brinquedos de menino, ‘arte’ de menino, ‘farra’ de menino, então era sempre junto com os meus primos fazendo bagunça e aprontando. Era estilingue, era correr na chuva, era brincar no barro. Então era sempre essas coisas que a gente fazia. Jogar bola também, terminava, sempre tinha jogos ou tem jogos de domingo aqui na aldeia e a gente não ia só assistir, a hora que terminava, dava o intervalo, a gente catava a bola e ia jogar bola junto com os meninos. Brigava, daqui a pouco tava bem de novo. E os meus irmãos sempre estiveram ali, as minhas irmãs sempre estiveram ali, minha irmã Mariana foi criada pela minha avó, mas a gente sempre esteve perto dela. Foi uma infância bem produtiva, uma infância em que a gente sempre teve um apoiado o outro. E quando a gente… teve um tempo que a gente foi embora para Minas Gerais, na questão para segurar a terra lá, assegurar os direitos da terra, porque eles estavam fazendo, eles estavam querendo invadir de novo lá o espaço e pediram pra todos os Krenak do território brasileiro voltassem para local de origem para ajudar lá a manter a manter o território. Daí a gente foi para lá. Mas a minha mãe veio para cá com quatro anos, então eu costumo dizer assim, quando você planta uma árvore e ela cresce, gera fruto, a hora que você vai tirar ela, mas que ela esteja grande, ela sente, porque ela já criou a raiz, ela já criou, ela já criou um amor pelo lugar, então a minha mãe não conseguiu, mesmo que seja o território do povo dela mesmo, que é a terra dela, ela não conseguiu se adequar lá, então depois de dois anos nós voltamos pro Vanuíre de novo. E foi [quando] a gente sentiu muito na questão de deixar todo um aparato já pronto, feito, tios, primos, porque a minha mãe sempre teve a casa cheia de crianças, sempre cheia de criança e sempre com um primo ou alguma prima dentro de casa, e a gente cresceu com isso, sempre rodeados de pessoas. Até hoje a gente tem um grande vínculo com os primos, com as primas nas brincadeiras, nos jogos. Então, tudo, a gente tem... ali, hoje, se você entra, a gente usa muito as redes sociais e se você entra nas redes sociais e coloca Damaceno, você acha uma ‘tonelada’. Você vê na aldeia: “Quem é o Damasceno aqui?”, você tem que saber o primeiro nome, porque se falar Damasceno, é todo mundo ali Damasceno. Então, assim, é bem engraçado, que a família é muito grande. Então assim, quando pequeno a gente adorava pescar, sair, bater peneira, que nossas avós ensinavam a gente a pescar de varinha ou atrapalhar (risos) os grandes a pescar. Os homens não gostavam de nos levar pra pescar porque eles diziam que nós atravalhávamos, bagunçávamos muito, acabava espantando os peixes. Então assim essa é... andar de cavalo, pegar cavalo - a gente falava - no pelo, montava. Fazia uma cordinha de cipó e colocava no pescoço do cavalo (risos). E era isso, era nossa bagunça assim. Sempre deixando as mães de ‘cabelo em pé’: “Você vai cair! Vai se machucar!”; “Você não parece uma menina, parece um menino”. Mas assim, essa era a nossa vida. Hoje eu vejo as minhas crianças - aí eu falo “minhas crianças” porque todas são minhas, desde sobrinho, primos, tudo. As minhas crianças, assim, elas não fazem essa distinção de:”Porque eu sou menina, vou brincar de boneca. Porque eu sou menino, eu só posso brincar de bola e casinha”, não. Hoje na minha comunidade as crianças são livres, as meninas brincam de bola, os meninos brincam com elas de casinha, brincam com elas, pegam os bebês, andam com os bebês para cima e pra baixo e assim que vai. Então a gente não faz essa distinção entre as crianças: “Não pode brincar. Só menino com menino e menina com menina”, não, todo mundo junto e misturado para que dali acabe crescendo o respeito. Então... e a minha infância foi isso, foi mais peraltice do que me comportar (risos).
P/1 - Bacana. Eu me vejo também aí nessas brincadeiras e tudo mais. Eu acredito também Lidiane, pensando no que você falou da sua infância, trouxe também, você contou em algum momento sobre a escola, que a sua mãe foi uma dessas lutadoras, e eu acredito que depois dessa infância, eu acredito que você estudou aí na comunidade, depois que você cresceu, você deve ter estudado na cidade. Como foi esse movimento de estudar na aldeia, depois estudar na cidade? Acredito que você já era maior, moça. Como foi isso? Se você pudesse falar desse momento escola-aldeia, momento da escola na cidade, que já tem esse, na cidade eu já entendo que você já tá maior. Como foi isso?
R - Então, a minha vida escolar dentro da aldeia foi da primeira série, antiga primeira série, até a quarta série. Da primeira à quarta série a gente fazia na aldeia. Aí quando chegava a tão temida quinta série, a gente ia para o Arco-Íris. E quando eles falavam assim: “Você vai para o Arco-Íris”, parecia que tava abrindo um portão de ‘N’ possibilidades e a primeira que vinha na cabeça: “Você não vai ser aceito por você ser índio, porque os indígenas têm estereótipos assim, assim, assim”. E a primeira situação que vinha na nossa cabeça é: Você não vai ser bem aceito, se conforme com isso e é isso que vai acontecer. Então muitas das vezes a gente já foi preparado para ir ‘armado’ para estudar e quando a gente chegava lá, a gente se deparava com algumas situações desagradáveis, mas na maioria das vezes as situações em que as pessoas nos tratavam de comum, igual. Nem todas as vezes, lógico, tinha alguma situações que acontecia, mas a gente, por ter uma mãe guerreira, por ter o tio Cacique, por ter um tio que lutava, já falei por essa identidade de reconhecimento indígena, então a gente via eles e como ele se portavam, como eles se comportavam e a gente acabava pegando aquilo e levando para vida. Muitas das vezes, quando alguém se posicionava preconceituosamente falando, aí a gente já tinha uma posição em que a gente tomava para que eles não ‘peitassem’. O lema sempre foi: se você quer respeito, dê-se ao respeito. Então a gente sempre levou isso pra vida. E os indígenas sempre foram: “Ah, os indígenas são briguentos, os indígenas não gostam… isso, isso e aquilo. Os indígenas são preguiçosos, não gostam de estudar e isso e aquilo”, enfim. Então a gente meio que percebia isso, e daí com essa luta da minha mãe eu me lembro que... gente, eu não lembro exatamente a data. 25 anos atrás, o prefeito, primeiro prefeito do Arco-Íris, que o Arco-Íris foi emancipado, teve a eleição e foi o primeiro prefeito de Arco-Íris, seu Geraldo Borges, ele chegou na aldeia e um programa de governo dele era abrir bolsas, era abrir possibilidades para que os indígenas que quisessem estudar e quisessem ingressar na faculdade, ele ia apoiar, ele ia ver aonde que tinha para ele apoiar. E, na época, eu e a minha irmã, a gente estava com quinze, dezesseis anos, e ele chegou até nós e disse, chegou até nós e disse que, perguntou o que a gente queria ser. Aí eu e a minha irmã dissemos que a gente queria ser professora. Aí ele disse, falou assim: “Mas professora?”. Falei: “É, professora, mas não professora ‘professora’, eu quero ser ‘professora indígena’, pra eu poder dar aula na aldeia”, “Ah, mas você vai ser professora e retirar as professoras não indígenas daqui?” Aí eu, aí a gente: “Não, esse é o nosso pensamento, essa é a nossa meta”. Por quê? Porque os professores não indígenas quando entravam para dar aula, eles não respeitavam a situação de datas comemorativas, de eventos comemorativos, de situações que aconteciam dentro da aldeia que, tipo, festividades, eles não respeitavam, eles não incorporavam o histórico ou a matriz dentro desses eventos e acabava passando, meio que atropelando tudo e isso para nós indígenas é um desrespeito. A gente achava que… eles obrigavam as nossas crianças a ficarem ali, a fazerem coisas que não eram do nosso povo e coisas do nosso povo eles reprimiam. Não era certo. Então assim, a gente com essa, quatorze, quinze anos, a gente começou a ter essa visão de ter que mudar, começar a mudar pela escola. E foi onde que ele chegou até nós e disse: “Vocês como Kaingang, só tem formação para vocês no Paraná, então vocês vão ter que ir para o Paraná para fazer essa formação e vir para cá”. Daí um dos indígenas foi para lá, ele também queria ser professor, ele foi para lá, só que quando ele voltou do Paraná, ele veio falando na língua Kaingang, mas uma língua dos Kaingang do Paraná, não era a língua dos Kaingang do centro-oeste paulista, e daí deu conflito. Daí deu esse conflito de, tipo assim, você vem falando a língua Kaingang: é uma língua Kaingang, mas não é a língua nativa daqui. E aí os mais velhos não entendiam o que ele falava, os nossos mais velhos aqui. Aí foi onde que a gente começou a buscar dentro da Secretaria do Estado de São Paulo cursos e formações, capacitações para capacitarem os professores indígenas do Estado de São Paulo, porque com essa questão de variação de estado e idioma, a língua, o próprio - como eu posso... - sotaque das regiões acabavam mudando muita situação de língua, tanto do Krenak como do Kaingang e das outras etnias. Então a gente viu essa situação, foi onde acabou-se criando uma formação, uma capacitação para professores indígenas, se eu não me engano, em 1996. Eu acho que foi isso, que foi em Cajamar, a gente esteve presente ali, eu, Fabiana, o Edvaldo, o Mário. Hoje o Mário é o vice diretor. Então a gente sempre esteve dentro dessa luta da Educação Escolar Indígena para o Estado de São Paulo, não é ir até outro estado, aprender e voltar. E então… aí a gente começou nessa luta por conta dessa questão de preconceito e em outra situação também, que a gente acabou vendo que as crianças aqui, os jovens aqui iam fazer a quinta série no Arco-Íris, só que quando chegava julho, que ia voltar das férias, agosto: se tinha dez, dois voltavam. Os outros oito não. Por quê? Porque eles estavam cansados de sofrer preconceito, sofrer bullying, de não ser escolhido na sala para fazer um trabalho, da professora não ter paciência de falar: “Ah, o índio é burro mesmo, ele não entende, ele não aprende nada. Deixa ele de cantinho lá”, entendeu? Então eram essas ‘n’ situações em que a gente enfrentou dentro do mundo escolar do não indígena e esse foi o porquê do fortalecimento de trazer a Educação Escolar Indígena para dentro das aldeias. E na minha mocidade, de dezesseis pra lá, eu não me vi fora dessa questão, sempre lutando pela Educação Escolar Indígena.
P/1 - Lidiane, ainda nessa linha da Educação Escolar Indígena - tem a ver com trabalho -, foi o teu primeiro trabalho, ser professora? Eu sei que você é professora, fez licenciatura, fez magistério e se você pudesse falar se foi o primeiro trabalho, como foi esse primeiro contato com a escola? Como é a Lidiane professora?
R - Então, esse contato com... quando eu cheguei, a gente trouxe essa ideia para essa pessoa, pra esse prefeito, ele foi estudar, ele foi analisar, ele foi atrás da Secretaria do Estado de São Paulo, aí a secretária disse que tinha também indígenas no Estado de São Paulo que queriam manifestar essa ideia e quando foi que a gente foi para cá para a situação em Cajamar que caiu a ficha de que eu não estava sozinha, porque eu vi muitos parentes, inclusive idosos, que vinham lutando há muito tempo por aquilo. E eu me fortaleci ali, eu comecei a correr atrás de questões de língua, de canto, de trazer para dentro da comunidade, fortalecer isso. E ao mesmo tempo, que escola eu queria? O que eu queria ensinar para essas crianças? Eu queria continuar na matriz curricular do não indígena, ensinando só a questão do não indígena, só a história do não indígena? E a primeira vez que eu entrei dentro de uma sala de aula, eu fui dar aula de Geografia, História e Geografia, e veio lá o currículo da diretoria para eu poder dar falando sobre o povo da Grécia, a Grécia antiga, Roma antiga. Um dia eu sentei na mesa e falei: “Mas por que eu tenho que falar desse povo? Vendo que algumas situações são semelhantes ao meu povo também, algumas guerras o meu povo também participou, algumas lutas. A evolução do Brasil se passou, teve uma história, eu tenho uma história para contar. E aí, o que eu acabei fazendo? Eu acabava assim: vinha o currículo com competência-habilidade para desenvolver no aluno e eu dava uma pincelada e acabava fazendo um paralelo com uma história do meu povo, do meu povo tanto Krenak como Kaingang. Acabava falando: “Tivemos esse Cacique que era assim, tipo assim, que passou por esse período de colonização, que é a mesma situação de Fulano”. Aí fazia esse paralelo, essa troca, essa intertextualidade junto com o não indígena. Aí eu fui fazendo isso. Aí eu acabei percebendo o quê? O que era mais importante para mim desenvolver nas crianças? A competência e habilidade, independente do conteúdo. Eu poderia trazer o conteúdo que o estado me deu, dar aquela pincelada nos principais eventos, mas depois trazer do meu povo ou de um povo, um parente que tinha participado dessa situação. Então foi aí que eu comecei a ver que nós indígenas temos uma história muito rica. Enorme, grande. Muito rica. E é certo falar dos outros? Sim, mas por que a nossa é tão abafada? Porque 1500 foi quando eles chegaram aqui, antes de 1500 nós já estávamos aqui, nós trabalhávamos em sociedade, nós tínhamos as nossas regras, nós tínhamos as nossas leis, nós tínhamos os nosso costumes em paralelo com... porque eu tenho que ensinar a culinária do americano, que é o hambúrguer ou que é o refrigerante, que é... e eu não posso ensinar um peixe assado na folha de bananeira, um chá de amendoim, um temporão, que é do Kaingang, usando a mesma metodologia, a mesma competência e habilidade que eu vou desenvolver na minha criança? Por que eu tenho que pegar e na aula de Ciências falar de algumas situações em que eu posso falar usando um paralelo com as questões do meu povo. Então assim, eu comecei a olhar essa didática, entendeu? “Vamos... é para trazer, é para falar? Vamos falar. Vamos pegar o resumo do resumão e daí depois a gente traz pra nossa cultura”. Então assim, eu me vejo dessa forma, a professora Lidiane. E aquela questão de ficar trancado dentro da sala de aula, eu costumo dizer assim, o não indígena usa caixinhas. Caixinhas assim: aula de História, aula de História nós não podemos falar nem de Português nem de Matemática; aula de Ciências, não fala Geografia nem História. Mas assim, é tudo um espiral, tudo passa por tudo e como você vai fazer essa separação? Então assim, é uma coisa que muitas das vezes eu acabo entrando na aula de História, de Geografia, de Ciências, porque para mim a sabedoria indígena ela é isso, passa por todas essas matérias, esses links, esses leques e não dá para fazer caixinhas separadas. O indígena não trabalha com caixinha, com caixinha separada, quando ele vai ensinar um artesanato ou uma língua pro pequeno, ali o pequeno vai saber interpretar, ali o pequeno vai saber ouvir, ali o pequeno vai saber se posicionar, ali o pequeno vai decorar, ali o pequeno vai contar. Então, olha só, existem situações em que o pequeno aprendeu, aí se eu vou: “Não, você vai fazer leitura e interpretação disso aqui. Não é para contar, não é para fazer aula de arte, não é para nada. É só leitura e interpretação.” Então você põe a criança dentro de uma caixinha que você não dá a possibilidade para ela depois se posicionar em outras situações. Então assim, eu... eu não, todos os meus colegas que dão aulas, a gente não dá conta de trabalhar só em caixinhas. Então eu sou essa professora, não trabalho com caixinhas, sempre trabalho com tudo que tá ao meu redor em forma de espiral.
P/1 - Lidiane, hoje você é Cacica na sua comunidade. Vejo aí que você é uma guerreira empoderada, e como foi para comunidade ter, não sei se você deve ser a primeira Cacique mulher, como a comunidade te vê? E também, como teu esposo te vê, teus filhos? “Minha mãe, Cacique”, né? Então, ou os homens mesmo, como eles te veem? Se pudesse falar.
R - Então, o cacicado veio no momento em que os meus dois caciques estavam bem debilitados, já estavam doentinhos e acabou que vindo a questão da Covid, foi feito uma reunião dentro da comunidade e eles disseram que não estavam aguentando mais e que eles iriam passar o cargo. Daí eu sou acostumada há anos a fazer a ata das reuniões e daí em conversa paralela a gente falou... eles já vinham falando que eles iam entregar, então sempre na nossa comunidade, sempre lá, a gente ficou: “Então vamos apontar Fulano e Fulano”, nem... dois homens, porque a gente já vem com essa mentalidade de ser dois homens, porque eram dois homens. (áudio falhou) Até eu confesso que nessa mentalidade: “Então vão ser dois homens”. “Vamos ver, vamos jogar para comunidade, a palavra final é da comunidade”, da comunidade indicar uma pessoa e a gente abraçar aqueles que eles indicaram. E tipo assim, eu sempre tive na linha de frente, junto comigo, tio Gerson, nessas questões de posicionamento de comunidade e até mesmo em questões de posicionamento de algumas posições. Não eram todas, lógico, mas sempre as mais importantes, e a gente sentava com ele para ele se pautar e a gente se pautava em cima daquilo que ele passava pra gente. Dado a reunião, daí ele fez a indicação dele, que ele era o Cacique. Ele fez a indicação dele e a comunidade acatou, que foi de um homem, o Wellington, ele que escolheu, ele apontou o Wellington. E daí foi quando, o segundo Cacique, o vice, ele disse que também, já que o companheiro dele estava saindo, então ele também ia sair, que ele não achava justo seguir sem o companheiro dele, então ele também iria passar o cargo. E daí ficou vaga, aí na hora ali a comunidade se espantou e vamos pra votação, vamos ver quem que a gente indica, e foi quando as mulheres de repente assim se juntaram e eu até estranhei, fiquei, falei: “Tão cochichando, escolhendo outro homem” e fiquei ali. Segui fazendo a ata e daí elas vieram e falaram: “A gente quer se posicionar”, aí foi até uma prima minha, que é falecida hoje, e ela disse assim: “Ó, a gente quer uma mulher, porque a mulher sabe conversar mais, ela é mais delicada, ela conversa com mais educação, ela sabe entrar, ela sabe sair, ela sabe se posicionar, ela tem um jeito mais meigo (risos) de falar não e ela sabe, tipo, se posicionar do porquê do não. E se dá, dá. Se não dá, ela já fala logo que não dá. E a gente vê que ao longo dos anos ela vem ajudando a gente, muito na comunidade, nunca é para ela, sempre é para comunidade e tudo que a gente pede para ela ou vai até ela, ela tá pronta pra... então a gente quer uma mulher. Aí então, a gente hoje, nós aqui, em comum acordo com todas as mulheres, que a gente se reuniu ali, a gente aponta Lidiane, a gente quer a Lidiane como a vice Cacique”, eu assustei. E daí meu tio virou pra mim e falou: “Você aceita?”. E eu achei assim de uma covardia com as mulheres, de não aceitar, porque foram elas que me escolheram. Aí eu falei: “Não, eu aceito. Se elas tão vendo capacidade, então é porque eu tenho essa capacidade, então... tá, eu aceito.” Aí aceitamos, só que daí ficou acordado na reunião que não seria o Cacique e o vice Cacique, era o primeiro e o segundo Cacique, porque o primeiro Cacique foi apontado, não foi escolhido pela comunidade, e o segundo Cacique foi escolhido, a comunidade escolheu quem ela queria como... aí ficou o primeiro e segundo cacique. Eles não queriam vice, eles falaram: “Vice a gente não tem vice assim. É primeiro e segundo Cacique e vocês vão trabalhar juntos, porque quando a bomba vier, vocês dois que vão resolver”. Só que daí o primeiro Cacique se casou com uma não indígena e foi morar fora, tá morando em Tupã e eu estou aqui como... mas assim, para os homens, assim, eu senti um pouco de preconceito, machismo da parte deles porque é uma mulher e mais nova que eles. Tem homens que têm setenta, sessenta, cinquenta, oitenta e, tipo assim, o machismo, assim, você vê que é forte e você ser liderado por uma mulher, a mulher falar: “Não” e não há Cristo que mude aquilo. Sim, dentro da... o não indígena, principalmente se as autoridades virem falar e a Cacique Lidiane autorizar, eu faço; se ela não autorizar, eu não faço. Então assim, eles ficam meio que receosos, entendeu? Aí quando eu chego em algumas situações que me apresentam: “Lidiane, Cacique”, muitos se espantam, falam: “Cacique? Você? Novinha desse jeito? A gente esperava um homem idoso já”, “Não, me colocaram”. Me deram esse cargo, então vamos lá. Até não sei quando, mas estou aqui pra lutar por elas e por eles. Então, foi bem aceito pelas mulheres e pelos jovens, foi muito bem aceito, mas por alguns homens a gente viu a resistência. Homens que tem a faixa etária, a mesma que a minha, eles aceitaram super bem, [para] os meus filhos foi um pouco espantoso por conta que muita das vezes a gente vê um certo... como que eu posso pôr? Assim: “É filho da Cacica, então não mexe. É filho da Cacica, é o primeiro. Cuidado.” Então assim, eles ficaram meio que assustador com essa posição deles, entendeu? “É filho da Cacica, não briga, não bate”, então assim, eles ficaram meio que assustadinhos com essa posição que eles também ganharam. E o esposo também assustou por conta que a gente já manda em casa, vai mandar mais ainda. Ele ficou meio... (risos) mas é parceiro, foi muito parceiro assim de: “Vamos conversar? Olha, eu não estou vendo que está certo, estou vendo no olho da comunidade, pelo olho da comunidade que não é legal você fazer isso”. Então assim, sempre estar alertando a gente: “Cuidado com o que você vai fazer, vai se posicionar”. Então eu ainda não consigo me manifestar nessa autoridade ainda, que chegam e falam assim: “Se você falar sim, é sim. Se você falar não, é não”. E muitas vezes dentro da própria comunidade: “Ó, eu não acho legal, eu não quero. E o que vocês acham? Eu acho melhor vocês se posicionarem” e muitas das vezes eles não se posicionam. “Ó, você é a Cacique e o que você decidir, está decidido” e muitas das vezes eu não gosto dessa posição de autoritarismo, entendeu? Eu acho que é autoritarismo. Mas muitas das vezes, se você não se posicionar, você acaba deixando frouxo, perdendo toda uma questão de mandar, de autoritarismo, que é uma coisa que eu não gosto. Mas a gente está se entendendo, a gente sempre procura, eu nunca procuro chegar na pessoa, humilhar, xingar, maltratar, não. Chego, sento, converso, escuto: “Vamos falar em um tom só. Eu quero ouvir a tua verdade para depois eu me posicionar”. Não gosto de ficar pegando picuinha aqui, ali ou ali, aquilo outro. Eu vou direto na fonte: “Ó, isso aqui tá acontecendo”. Ou senão eles falam comigo: “Ó, tá acontecendo assim, assim e assim e eu gostaria que você desse...” a gente vai, senta, conversa, ouve os dois lados e acaba resolvendo toda uma situação. Então, ainda não me acostumei. Eu preferia ser Lidiane professora e gestora do museu e coordenadora do grupo de dança. Agora, ser Cacique é uma coisa meio que, tipo: “Nossa, sou Cacique. Sério?”, entendeu? Para mim é meio estranho ainda.
P/1 - Mas eu fico muito feliz de ser uma mulher que sirva de exemplo também para as outras comunidades e eu acho que eu não vejo diferença, acho que todos, homens e mulheres, têm a mesma capacidade.
Lidiane, passando para um outro assunto, mas ainda te trazendo para esse contexto aí do cacicado, nós passamos e estamos passando por uma pandemia ainda e você também ajudou a lidar com essa situação enquanto Cacique durante a pandemia. Como foi esse trabalho? Como vocês enfrentaram a pandemia? Vocês tiveram perda na comunidade? Como foi?
R - Esse processo da chegada do vírus, a gente fez uma reunião... já com um mês de cacicado a gente fez uma reunião, porque a gente começou a ver as ameaças em torno da aldeia, nos municípios. E uma das coisas que a gente não viu foi o trabalho da Instituição Federal e Estadual para com os povos indígenas. Eles não fizeram uma palestra, eles não vieram alertar, eles eram... era coisa que a gente ouvia de internet, de Facebook, de mídias, de televisão. Então daí a gente tinha um rapaz que era enfermeiro, que trabalhava no hospital em Tupã, e ele tinha mais ciência de como era isso, do como era grave, quão grave era isso, e daí um dia a gente, numa reunião de comunidade, a gente trouxe ele para falar sobre ________ e a gente sentou com a comunidade e falou: “O que a gente vai fazer? Porque a nossa intenção é fechar a aldeia, é restringir ao máximo, ao máximo, para vocês não ficarem saindo. Idosos e crianças? Nem pensar em ir para a cidade! Não, as crianças precisam manter...” meus filhos mesmo ficaram os dois anos dentro da aldeia. Aí teve, aí veio, apareceu, começou a estourar na cidade de Tupã, em Arco-Íris, muito caso, muito caso, aí a gente fechou a aldeia, não podia vir ninguém, não podia entrar ninguém, não podia visitar parente, não podia ver neto. Não, não podia. Ninguém! A comunidade acatou, a comunidade nos ajudou nessa situação porque na reunião a gente disse: “Todo mundo vai vigiar todo mundo. Se você não pode, está acordado dentro de uma reunião”. Porque eu disse assim: “Eu não estou falando com crianças, eu tô falando com pais, mães, avós. Estou falando com adultos. Então se vocês são responsáveis de querer regras, de querer que isso não chegue até a casa de vocês, vocês também vão ser responsáveis pra ajudar nessa questão. Vocês vão se vigiar”, e foi o que aconteceu. A gente teve um grande apoio, uma grande aderência da comunidade, aí primeiro a gente, nas primeiras regras, ia duas vezes pra cidade, só pai e a mãe iria, quando chegasse da cidade tirava os sapatos e tirava a roupa e já ia direto pro banho, não podia ter contato com ninguém. E toda uma situação de cuidado. A gente conseguiu aderência. “Não pode entrar colega, não pode entrar... jogos, nem pensar, festa, muito menos. Vocês não podem ir pra festas. Se vcs forem para festas e forem pegos, vocês vão cair dentro das das regras e dos castigos, que a gente também impôs alguns castigos.” E teve uma boa aderência, sabe? E quando a coisa começou a apertar mesmo, daí a gente ficou um mês sem ninguém visitar ninguém dentro da aldeia. Dentro de casa, dentro dos quintais, fechados, ninguém podia ver ninguém. A minha sogra mora do nosso lado e a gente não podia ver ela e ela não podia ver a gente. A minha cunhada, com bebezinho do lado, a gente não ia ver a bebê, não podia. Então a gente... ficamos em quarentena todo mundo, dentro da sua casa, dentro da aldeia. Então, pras compras, a gente... ia dois, o pai e a mãe somente. Chegasse dentro de casa com as compras, [des]infectava. Toda essa situação. A gente chegou a cogitar de montar barreiras nas entradas da aldeia, barreiras que higienizassem as pessoas que entrassem, mas a gente não conseguiu o apoio. Mas mesmo assim a gente acabou perdendo três idosos, a gente acabou perdendo. Foram perdas significativas, que até hoje eu, como liderança, como sobrinha e neta, não aceito. Não aceito por conta de que foi uma falha do governo, porque se tivesse trazido essa vacina logo, se tivesse olhado realmente, verdadeiramente, para o ser humano, a gente não tinha perdido eles. Então assim, foi um período muito complicado, foi um período em que a gente não descansava, eu e o outro Cacique, a gente não descansava, a gente não tinha paz, de final de semana, principalmente, que a gente ficava com medo de uns fugirem ou de alguns parentes vierem visitar. Aí foi, deu a primeira dose, deu a segunda dose, os casos já começaram a cair e aí a gente foi abrindo devagarzinho a aldeia, foi liberando, foi liberando, até que na terceira dose... até que na primeira dose dos jovens, aí a gente liberou mesmo, a gente liberou _________ para jogos, receber os parentes. Então a gente começou já em força tarefa, em conjunto com a comunidade, com as lideranças. Então a gente viu nesse período que uma comunidade tem muita força. Se você pedir com jeito, se você chegar com jeito, não impôr, porque muitas das vezes quando você impõe, parece que é mais gostoso, sabe, fazer o proibido, porque foi imposto e “você não manda de mim”, do que você chegar e conversar: “Vamos todos aderir, vamos todos... porque é um bem pra mim e para você”. A gente construiu uma boa aderência nesse período em que a gente passou só. A gente costuma dizer que passou só porque a gente não teve apoio de nenhuma Instituição Federal, nem Instituição Estadual. A gente ficou à deriva mesmo, nós tivemos que cuidar de nós mesmos.
P/1 - Ufa. Infelizmente todos nós tivemos que lidar com essa pandemia, com as nossas armas e muitas lutas, né, Lidiane, até aqui. E hoje gostaria, nesse momento da sua vida, quais são as coisas mais importantes pra você hoje, Lidiane? Quais seus sonhos? E qual o legado que você gostaria de deixar?
R - Em abril eu fui acometida de uma enfermidade, que eu não sabia que estava com essa doença e eu passei um período de três meses internada. E num desses períodos, no início, eu fiz um tratamento e o tratamento não deu certo, acabei voltando pro hospital entre a vida e a morte, em que quando eu cheguei no leito de semi-uti o médico olhou pra minha irmã e disse: “Sua irmã só tem 4% de vida. Se ela sobreviver é um milagre. Eu estou sendo sincero com você. A sua irmã não tem chance.” Então… e eu ouvindo aquilo. E hoje o que eu prezo é a vida, é a vida, são os meus companheiros, a minha família, a minha família Vanuíre, que nesse momento em que eu passei, esteve muito, muito ali presente em orações, em vibrações, em tudo. E quando eu voltei pra dentro da aldeia, fui muito bem recebida, muito bem abraçada, não sabia... assim, depois dessa enfermidade que eu fui saber o tamanho da admiração que eu tinha de todos daqui da aldeia. Então, o meu legado que eu quero deixar para as meninas e para os meninos é que se faça uma liderança, se façam guerreiros. “Ah, mas o que eu vou ganhar com isso?”, você vai ganhar o reconhecimento. Não seu, mas sim da sua comunidade, do seu povo. É isso que eu quero deixar assim como legado: é lutar pelo teu povo não pensando só em você, é pensando nos seus pequenos. Isso que eu quero deixar, porque quando eu luto, eu luto para mim, eu luto para o meu velho e principalmente pelo meu novo, porque o que eu quero deixar é um grande ensinamento de que ser indígena é a coisa mais importante que você tem enquanto legado, enquanto história, enquanto povo, e deixar, assim, eles esclarecido de que ser indígena é uma das coisas mais fabulosas que tem nesse mundo, uma das coisas mais fantásticas que tem nesse mundo, porque o ser indígena passou de ser mítico, mitológico pra ser a fortaleza e a resistência, e deixar para eles, assim, de bater no peito e falar: “Eu sou o dono dessa terra, eu sou daqui. Eu sou nato daqui, a minha história é aqui. Esse país é o meu. Eu não invadi, eu fui invadida. E eu tenho história e essa é a minha história.” “Esse é o meu legado. Por quê? Porque foi uma pessoa que me ensinou a pensar dessa forma.” Então quando eu vejo os meus alunos crescerem, indo pra uma faculdade, fazendo um curso, entrando num emprego, entendeu? Aquilo para mim é: “Eu consegui alguma coisa, deixar alguma coisa”. Porque é complicado, sabe assim, você vê um jovem, uma criança desanimada ou tem vergonha de falar que é indígena. E hoje não, hoje quando você fala assim: “Vai ter uma apresentação de dança, a gente vai para algum lugar viajar ou a gente vai fazer o aniversário da aldeia”. Tem o dia da semana do índio, dos povos indígenas, hoje, que é abril, aí tem um evento aqui, aqui, acolá, você vê eles saindo, pegando o jenipapo, ralando, eles mesmo se pintando, sem ninguém precisar pintar eles, as meninas correndo atrás das pinturas, as meninas fazendo seus _______ corporais. Então, eu acho que eu consegui despertar alguma coisa, não só eu, como minha mãe... eles conseguiram despertar algo muito importantíssimo. Então o que eu quero é deixar isso, sabe? É a importância de ser indígena, é a importância de assegurar isso a eles e deixar eles pautados nesse… fortalecidos. Então assim, é o orgulho de serem indígenas, esse é o legado que eu quero deixar.
P/1 - Bom, você tem muito ainda para contribuir com todo mundo, com teu povo, conosco...
R - Espero. (risos)
P/1 - E com certeza vai ainda seguir muito tempo. Lidiane, eu não sei se você gostaria, aliás, se você gostaria de acrescentar mais alguma coisa. Eu segui o roteiro, fui fazendo perguntas... que você não contou, que você gostaria que ficasse registrado nessa entrevista, você pode falar.
R - Eita... Ai... Então, eu falo que eu queria deixar aqui, acrescentar toda essa trajetória da Aldeia Vanuíre, porque a gente tem a Aldeia Vanuíre como um grande berço. Somos sete diferentes e, ao mesmo tempo, parceiros e irmãos, um povo que luta, um povo batalhador. E a gente quando ajudava o nosso tio nessas questões, nessas lutas, a gente não tinha esse olhar tão abrangente. Depois que a gente passou a ser uma liderança e começamos a ver a mais a postura de cada povo, a postura de cada pessoal, de cada pessoa. Então assim, a Aldeia Vanuíre, a gente está num processo de demarcação, já vai para 22 anos que a gente tá no processo de demarcação e ampliação do território, território esse que já foi feito estudo e que foi comprovado que é dos povos indígenas. Uma das grandes batalhas também que nós do centro-oeste paulista é termos… e hoje a gente está vendo que tá tendo grande ampliação, o reconhecimento de que tem povo indígena no centro-oeste paulista, tem povo indígena na cidade de Tupã, tem povo indígena no município de Arco-Íris, que tem uma aldeia, que a aldeia está totalmente civilizada, já totalmente fora dos padrões que a mídia passa pro não indígena, que é o cocar, nu, na mata _________ e marque, fora desses padrões midiáticos, somos indígenas, temos a nossa cultura, falamos a nossa língua e manifestamos o nossos direitos. Temos os nossos _________? Sim, como cidadão, sim, mas temos os nossos direitos e esses direitos que queremos que sejam respeitados. Muitas das vezes a gente encontra alguma situação em que, de não indígenas que querem se sobressair sobre nós, mas com essa garra e determinação que muitos têm, que a gente vem ao longo do tempo trabalhando, a gente consegue fazer os nossos jovens se posicionarem. Então assim, é mais isso que eu queria acrescentar. Uma questão, a Aldeia Vanuíre está localizada no município de Arco-Íris, ela está no interior do estado de São Paulo e somos em sete povos: Kaingang, Krenak, Terena, Atikum, Pankararu, Fulni-ô e, hoje, Guarani Nhandewa. Então a gente tem esses povos dentro do nosso território. Aí quando a gente fala assim, o pessoal: “Ah mas tem sete aldeias diferentes dentro desse?”, “Não, são sete povos na mesma aldeia”, ”Ah mas vocês não brigam?”. Antes da gente ser Guarani, tararã, a gente é indígena. Somos irmãos. Ele é o meu parente e esse parente que é casado com meu primo, que é casado com a minha irmã, que é casado com meu irmão, que hoje é casado com meu tio. Então assim, hoje, eu tenho criança, eu mesma, no caso, tenho duas etnias, mas eu tenho crianças que tem cinco etnias, que tem quatro etnias, então é você trabalhar isso com elas: “A tua mãe, teu pai, tua avó...” A gente trabalha a árvore genealógica das nossas crianças aqui para que elas se fortaleçam mais ainda esse orgulho: “Nossa, eu sou parte disso!” Porque o não indígena fica todo orgulhoso quando fala que Fulano de tal que foi Marquês, que foi Príncipe, que foi... é parente dele, né? E por que não despertar isso dos nossos pequenos? Então é o que a gente acaba fazendo, é isso. Então é mais isso que eu gostaria de acrescentar.
P/1 - Eu acho fundamental partir da origem, da identidade para que a nossa vida faça sentido, e eu acho que só assim a gente pode se encontrar e pensar no presente e pensar no futuro, mas sem esquecer o passado, porque o futuro é ancestral.
E para finalizar, Lidiane, depois de você ter contado tudo isso aqui para nós, vou te perguntar: como foi contar a sua história?
R - É muito difícil você falar de você. É tão fácil falar dos outros, inclusive muitas das vezes quando você vai falar de você, você fica com medo de você estar sendo um pouco exagerado, egoísta demais ou tá se achando demais assim, mas assim o que eu acabo dizendo de mim é o que eu ouço dos outros, nunca... as pessoas chegam e falam… então a gente acaba: “Bom, se o outro está falando, é verdade”. Pode falar que a gente é chata, que a gente é brava, mas... ou pode chegar da gente e falar: “Você é muito verdadeira, o que tem pra falar você vai falar, você vai falar”. E eu acabo dizendo: “Gente, eu não tô guardando nem dinheiro, que dirá uma opinião que se eu for ter que falar, eu tenho que falar na sua frente, não nas suas costas, porque se eu falar nas suas costas, eu não vou ouvir a sua resposta, porque você também vai fazer _________ então eu só vou ouvir murmúrios". Então eu prefiro chegar em você e falar em você, ouvir, eu prefiro que você ouça uma dura verdade, uma dura repreensão do que uma linda e doce mentira. Então eu sou essa pessoa. Não sou casca dura, eu não sou sem educação, eu sou, apenas falo o que eu não posso guardar, porque se você vai guardando, vai guardando, vai guardando, a hora que você for precisar abrir esse baú, tem coisas ali insignificantes que era para você ter tirado, era para você ter jogado... alguém ia precisar daquilo e você guardou por medo, por, sei lá, egoísmo e tal. Então assim, eu sou essa pessoa de que se for preciso, eu ajudo, eu vou ajudar, mas assim, eu preciso saber os porquês e os poréns, se eu não vou estar caindo numa barca furada, se eu não vou estar fazendo errado ou se eu não vou estar prejudicando alguém. Agora, se for um bem comum a gente vai, se não for, for só interesse pessoal, sinto muito. Então assim, falar de você é complicado, (risos) então a gente se sente meio que narcisista e eu não estou desse lado, não gosto muito de ser dessa forma. Então é isso.
P/1 - Não, é diferente, eu acredito. Eu também, às vezes, tenho dificuldade de falar de mim e aí as pessoas: “Mas você tem que falar de você.” Eu, o Tiago. Mas eu acho que é do indígena ter esse respeito de não ficar se vangloriando e tudo mais. Lidiane, nós chegamos, então, ao fim dessa entrevista e quero te agradecer particularmente e também em nome do Museu e por você ter compartilhado da sua linda história de luta, de resistência, de desafios. E te desejo aí muito sucesso profissionalmente e que Nhanderu possa iluminar você, _______ eu não me lembro como fala Deus em Krenak, mas muito sucesso, que você tenha muitos anos de vida pela frente e possa cada vez mais ajudar a sua comunidade, seu povo e sua família. E muito obrigado.
R - Não, eu que agradeço pelo convite, pela oportunidade de estar falando um pouquinho da gente. Porque quando a gente recebe alguns convites, sempre é para falar de outra coisa ou do outro, pontuar outras situações, e quando a gente recebe o convite para falar da gente, é meio que complicado, mas assim, que as nossas histórias, nossas lutas sejam de exemplo, sirvam de exemplo e fortalecimento para outras pessoas, porque elas podem… possam olhar para nós dizer: “Eles foram capazes, então eu também posso ser”. “Ah mas eu tenho vergonha”, eu tinha vergonha de falar com a minha mãe, eu tinha vergonha de falar com os meus tios, entendeu? Hoje, pra chegar neles e eles irem até mim: “Você como Cacique, que que você acha”. E eu como sobrinha falar o sim ou o não, que uma pessoa... então eles dizem assim: “Não, você é a liderança do seu Cacique. Se você disser sim, é sim. Se você disser não, é não. Não é não”. Então assim, a gente deixar isso para eles, mas como forma de se você foi colocado como uma liderança dentro de uma comunidade, porque é uma confusão. Então que esse relatório, que todas essas falas que foram ditas aqui, acrescentem muito na vida de muitos, que seja uma porta de direcionamento, porque muitas vezes a pessoa tá perdida, não sabe o que quer, não sabe pra onde vai, não sabe como suportar, e seja um direcionamento na vida de muitos. E é isso, só tenho a agradecer mesmo.
[Fim da Entrevista]
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