Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Magali dos Santos Quintal Ferreira
Entrevistada por Eliete Pereira
Santo André - SP 09/03/2015
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_48
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Magali, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Qual o seu nome completo?
R – Magali dos Santos Quintal Ferreira.
P/1 – E o local e data de nascimento?
R – Eu nasci em São Paulo, em 16 de dezembro de 1980.
P/1 – O nome dos seus pais, o nome completo?
R – José Antônio Quintal e Marlene dos Santos Quintal.
P/1 – O que seus pais faziam, ou fazem?
R – A minha mãe sempre foi dona de casa e o meu pai é orçamentista hoje aposentado.
P/1 – Ele era orçamentista do Estado?
R – De multinacional.
P/1 – De multinacional?
R – Isto.
P/1 – Sempre de uma mesma multinacional?
R – Sim. Sim. Sempre trabalhou na mesma empresa.
P/1 – Na mesma empresa.
R – Isto.
P/1 – Magali, você tem irmãos?
R – Tenho. Tenho quatro irmãos.
P/1 – Qual o nome deles?
R – Melissa, Flávio, Marcos e Danilo.
P/1 – Você está em qual posição aí?
R – Eu sou a terceira.
P/1 – A terceira? Como você descreve seus pais assim? Como eles são?
R – Os meus pais, o meu pai muito trabalhador, minha mãe sempre dona de casa, esforçada. Batalharam bastante pra criar a gente. E sempre supriram as necessidades dos filhos de acordo com o que podiam.
P/1 – Eles sempre foram do estado de São Paulo?
R – Sim. Sempre.
P/1 – A sua família toda?
R – A família toda. A família toda.
P/1 – Tanto por parte de pai, mãe?
R – Mãe, todos.
P/1 – Você nasceu em São Paulo, mas você vive hoje e Santo André.
R – Sim.
P/1 – Vocês cresceram em São Paulo?
R – Não. Na realidade, eu sou adotada, eu e meu irmão gêmeo. Então somos adotados, então minha mãe sabia do casal de gêmeos que viria pra adoção e foi e adotou a gente. Só sou nascida em São Paulo, mas sempre residi em Santo André.
P/1 – Vocês foram adotados, vocês eram muito pequenos?
R – Bebês.
P/1 – Bebezinhos.
R – Bebês. Saímos do hospital já no colo da minha mãe adotiva, dos meus pais adotivos.
P/1 – Magali, você sempre soube, desde pequena, que você era adotada?
R – Sempre soube da adoção. Desde quando eu me entendo, minha mãe nunca escondeu nada, nem de mim, nem do meu irmão, nem dos meus outros irmãos.
P/1 – E como era a infância?
R – Muito boa. Muito boa. Meus pais sempre... Meu pai graças a Deus sempre teve condições, então muito boa. Sou muito apegada aos meus irmãos. Muito. Boa. Boas recordações.
P/1 – Você se lembra de alguma brincadeira?
R – Que a gente brincava bastante?
P/1 – É.
R – Era no quintal. Por ser cinco irmãos, então a minha mãe tinha medo de ir pra rua, então sempre no quintal. Os meus avós moravam na casa do fundo, tinha um quintal de terra, então a gente aproveitava bastante aquele quintal. Piscina, que aí meu pai comprava piscina pra que a gente brincasse, pra ficar sempre perto deles.
P/1 – E vocês sempre moraram na mesma casa?
R – Sempre. Sempre.
P/1 – E como era a casa de vocês?
R – A casa era grande. Era grande, era muito boa a casa, tinha a casinha da minha avó e do meu avô nos fundos, sempre moraram com a gente também. Tinha esse quintal enorme que eu te falei, que dava pra fazer muitas brincadeiras. Muita. E a família toda sempre se reunia lá aos finais de semana, irmãos da minha mãe, dos meus pais, sempre pra... Família grande.
P/1 – Essa casa existe ainda?
R – Então, ela foi demolida há um ano pra construção de prédios.
P/1 – A família vendeu o terreno?
R – Vendeu. Isso. Meu pai vendeu o terreno e agora hoje são prédios.
P/1 – Era aqui em Santo André?
R – Aqui em Santo André. É. Aqui em Santo André.
P/1 – E como foi, assim, você fala da infância, essa infância com muitos irmãos, né?
R – Sim.
P/1 – Assim, muito animada, né?
R – Sim. Casa sempre cheia.
P/1 – Sempre cheia, com os avós ali morando perto.
R – Sim.
P/1 – E a escola, como foi?
R – Escola também muito bem aproveitada. Tenho boas recordações da escola, dos amigos que a gente traz. Eu tenho uma amiga até de 27 anos, que a gente não perdeu essa união, esse laço.
P/1 – E era pertinho de casa a escola?
R – Mais ou menos. Era no Centro de Santo André, então a gente tinha que pegar um ônibus, ou... É, geralmente ônibus pra poder ir até lá.
P/1 – E você ia com o seu irmão gêmeo?
R – Com os meus irmãos.
P/1 – Com todos.
R – Todos estudaram na mesma escola.
P/1 – Ah! A mãe de vocês acompanhava?
R – Então, não precisava, porque a minha irmã é oito anos a mais de diferença, então ela já tinha responsabilidade de levar a gente e trazer.
P/1 – E você tem alguma lembrança do tempo de escola?
R – Nossa, escola, várias, gente.
P/1 – É? Quais assim que você sempre se lembra?
R – De festas, porque eu sou muito festiva, de acordo com a família que eu tenho. Então festas na escola, campeonatos, campeonato de lambada na época.
P/1 – Você dançou lambada?
R – Dancei lambada. Dancei eu com o meu irmão gêmeo. Então era sempre assim, a família Quintal, por ser grande, por ter cinco, então chamava atenção da escola toda. Porque uns tinham irmãos, ou um irmão apenas, e a gente com quatro e todos estudando na mesma escola, era muito bom.
P/1 – E chamava atenção por ser gêmea?
R – Sempre. Sempre chamou. Sempre.
P/1 – Vocês estudavam na mesma sala?
R – Não, porque a diretora não deixava (risos). Não sei o porquê, mas não deixava os irmãos estudarem na mesma classe. Então era sempre em outra sala.
P/1 – Mas vocês tinham... A mãe de vocês vestia vocês com a mesma roupa?
R – Iguais? Mais ou menos. Dependia. Um vestido da mesma estampa pra uma calça do meu irmão, vamos supor, um xadrezinho, alguma coisa que desse. Enfim, ela tentava ajeitar tudo certinho. Ou senão o mesmo macacão, um de amarelo, outro de azul.
P/1 – E, Magali, você se lembra de alguma professora sua que tenha te marcado, que você lembra o nome?
R – Lembro. Lembro. Era a professora Emília. A Emília era uma professora que veio desde a minha irmã mais velha e ela foi dando aula pra todos os filhos. Professora de Matemática, muito boa pessoa, tanto é que na viagem de formatura da oitava série, ela foi escolhida por todos os alunos pra poder viajar com a gente. Então é uma professora assim cativante. E servia, assim, da pedagogia pra ensinar a gente, então foi bem marcante.
P/1 – A disciplina Matemática te marcou na escola?
R – Não muito. Mais Português. Mais Português. A Matemática me lembra por causa da pessoa da Emília. Óbvio que a gente sempre foi... Eu sempre fui boa aluna, nunca tive problema assim em escola. Mas o Português, a gente lembra muito mais hoje. Não sei se de acordo com a profissão, mas a gente lembra bem mais do Português do que da Matemática.
P/1 – Agora, Magali, você estudou sempre na mesma escola?
R – Eu estudei... Praticamente sim. Da primeira a oitava série nessa escola, e depois eu tive que sair porque não tinha mais o colegial na época, que era chamado. Aí tive que me mudar. Também o colegial eu fiz na mesma escola.
P/1 – E era próxima da outra escola, ou não?
R – Não. Não. Era bem mais longe.
P/1 – Mudou a rotina.
R – É. Mudou toda a rotina. Eu mudei de horário, saí do dia, fui pra noite, então mudou totalmente a rotina. Quando eu fui para o colégio.
P/1 – Mas por que você mudou pra noite?
R – Porque aí eu precisava trabalhar já. Já fazer estágios, então... Meu pai sempre ofereceu tudo pra gente, mas falava que também em troca, quando tivesse idade pra trabalhar, pra poder dar valor. Então foi onde ajudou.
P/1 – Mas você ajudava em casa?
R – Não. Eu não ajudava em casa. Eu pagava uma parte da escola, irrisória, só ele mostrar... Ele quis ensinar pra gente, como orçamentista, pra dar valor ao dinheiro. Então uma parte, que era muito irrisória mesmo, do meu salário ia pra escola, o restante ele bancava: o transporte, a escola toda.
P/1 – Então você estudou em colégio particular.
R – Sempre. Desde a primeira série.
P/1 – Sempre?
R – Sempre. Sempre. Sempre estudei.
P/1 – E você, assim, com essa já, vamos dizer, com essa educação que você teve do pai de dar valor, como foi seu primeiro estágio? Você lembra? Em que foi?
R – Então, eu trabalhei na Caixa Econômica como estagiária, então eu aprendi bastante, já mexia com dinheiro também, banco, né? Mas era muito bom, amei trabalhar. Dois anos eu fiquei como estagiária, aprendi bastante. Atendimento ao público que eu gosto muito, eu gosto de lidar com pessoas. Então foi assim um encaixe perfeito. E junto com o ensino médio, eu fiz Administração de Empresas, e ajudava também então no ensino médio pra poder entender um pouco da administração, na parte administrativa também.
P/1 – E você, assim, a Magali adolescente, já tendo, vamos dizer, um dinheirinho ali, isso fazia diferença?
R – Fazia. Fazia. Eu podia... Eu achava que podia comprar várias roupas, mas por trás eu sabia que não era eu, não era o meu salário, porque eu ganhava muito pouco, eu ganhava 200 reais. Então a minha mãe sempre fez questão que eu andasse bem arrumada, me levava para as lojas, comprava roupas. Quando ela via que já estava surradinha aquela roupa: “Não, pode jogar fora, vamos comprar outra”. Mas sempre dando valor. Ela sempre fez com que a gente usasse até pra dar valor, e quando precisasse, eles estariam ali por trás, ela e meu pai sempre auxiliando.
P/1 – E nessa nova escola que você foi estudar no ensino médio, no colegial assim, já é o período que coincide com o período da adolescência, né?
R – Sim. Sim.
P/1 – Ali você conheceu os primeiros namorados?
R – Sim. Foram os primeiros namorados. O primeiro namorado foi na Caixa Econômica, ele era o segurança da Caixa, mas durou muito pouco. E o meu marido hoje, o meu marido eu conheci no terceiro ano do ensino médio.
P/1 – Da mesma escola?
R – Isso. Na mesma escola, só que porque eu pegava ônibus, ele já estava na faculdade, eu no colégio, então a gente se encontrava no ônibus.
P/1 – Ah!.
R – É. Nas voltas da escola.
P/1 – E ali começou tudo?
R – É. Foi ali no ônibus (risos). Foi. E ainda estudavam os meus outros dois irmãos, o meu gêmeo e o mais novo junto, então a gente ia e voltava todos juntos.
P/1 – E na adolescência, assim, você saía?
R – Saía. Saía bastante. Minha mãe fala que eu dei muito trabalho pra ela, mas eu acho que não. Perto dos amigos, conversando, eu acho que não. Saía bastante, eu gostava de sair de finais de semana pra um samba, mas sempre de dia, nunca fui assim da noite. Minha mãe tinha hora pra chegar em casa, era até dez horas da noite, toda essa preocupação. Então aproveitava quando desse de dia.
P/1 – Mas se divertia então?
R – Sim. Com certeza.
P/1 – E onde você saía? O que você gostava de fazer quando você era adolescente?
R – Então eu gostava muito... Bem na minha época era época do samba, então a gente gostava de ir. Mesmo na praia, ia pra praia porque a gente sabia que ia ter um grupo tocando ali que a gente gostava. Essa minha amiga que eu carrego hoje há 27 anos, ela tinha uma casa na praia, aí a mãe dela ia com a gente, então a mãe dela estava sempre junta, ela levava a gente para as baladas. E era muito aproveitado. Muito. Sempre consciente e era muito bom.
P/1 – E os irmãos iam também?
R – Não. Meus irmãos não iam. De vez em quando o meu irmão gêmeo, por ter a mesma aproximação com a minha amiga, então ela é amiga minha e dele, então às vezes ele ia sim. Mas ele já estava em outra, já estava namorando também, já trabalhava há muito mais tempo que eu, então já tinha outros amigos fora essa amizade.
P/1 – E você, assim, nessa época já vinha, já pensava um pouco naquilo que você... Numa profissão? Naquilo que você queira fazer pra vida?
R – Então, foi difícil. Foi difícil. Eu até ouvi muito conselhos do meu pai e da minha mãe, porque eu não tinha noção mesmo, não tinha. Se eu te falar hoje que administração era o que eu queria, não sei, eu sei que deu certo. Mas foi mais por ouvir os outros falarem sobre administração, por ter um ensino médio técnico pra conseguir um emprego mais rápido. Mas que foi a minha intenção assim de já escolher, não, não foi, fiquei bastante em dúvida.
P/1 – E você quando terminou o curso técnico, você já foi trabalhar na área? Ou você já estava trabalhando?
R – Então, saí da Caixa Econômica, depois fui trabalhar com telemarketing, que não tinha nada a ver pra mim, com administração não tem. E depois fiz a faculdade muito tardia e acabei escolhendo por Pedagogia.
P/1 – Por que você escolheu o curso de Pedagogia?
R – Eu escolhi Pedagogia... Olha, eu estava assim já há um tempo, eu fiquei acho que uns cinco anos sem estudar, pra depois voltar pra fazer a faculdade. E eu escolhi porque eu pensei pelos meus filhos, eu tenho quatro filhos, então alguma coisa que pudesse ser útil ali no momento em que eu estava, por isso eu escolhi a Pedagogia, ligada à criança.
P/1 – Agora, Magali, você tem quatro filhos? Você logo quando você...
R – Olha, eu comecei a namorar o Mário, eu tinha 17 pra 18 anos. Aí eu já fui morar com ele um ano depois e logo um ano depois eu tive a minha primeira filha, que hoje vai completar 15 anos.
P/1 – Diga-me uma coisa, a sua família, como viu tudo isso?
R – Foi difícil. Foi barra. Foi barra pra eles, ainda mais nessa época aí. Foi barra. Mas hoje eu sei que está tudo bem e tudo nos eixos. A gente aprende muita coisa.
P/1 – Mas foi aquela paixão fulminante, que você falou assim: “Não, eu vou...”?
R – Foi. “Vou largar tudo.” Foi. Foi. “Vou fazer valer a pena.” Foi sim. Foi.
P/1 – Que legal. Aí nasceu a sua primeira filha um ano depois.
R – Sim.
P/1 – Qual o nome dela?
R – Marília Gabriela.
P/1 – Marília Gabriela. E depois?
R – Depois de dois anos veio o Matheus.
P/1 – Matheus.
R – Depois de cinco anos veio a Maria Eduarda... Não, desculpa, a Mariana. Depois de cinco anos veio a Mariana. E a última minha, com quatro anos hoje, é a Maria Eduarda.
P/1 – Uma pequenininha você tem.
R – É. É. A Maria Eduarda.
P/1 – E assim, como você conciliou a vida: Magali, uma profissional que trabalha; e mãe?
R – Pois é. Eu trabalho há sete anos, vai completar oito anos. Esse tempo da Marília, até a Mariana, que é a terceira, eu não trabalhei, tanto é que na faculdade eu fiz, não estava trabalhando. Meu marido, como ele fez junto comigo, ele e a minha sogra, estudamos juntos, entramos juntos na faculdade e nos formamos juntos, cursos diferentes, mas eu não trabalhava, só ele trabalhava, então ele sustentava a casa e eu ficava com as crianças.
P/1 – Qual curso ele fez?
R – Ele fez Administração de Empresa. Ele fez Administração de Empresa. E depois que eu me formei, logo eu entrei no instituto, que é onde eu já estou há... Vai fazer oito anos agora em dezembro.
P/1 – O Instituto Monsenhor?
R – Monsenhor Antunes.
P/1 – E assim, me conta como que... Assim, seus pais então foram avós, então seus filhos então os primeiros?
R – Não entendi, desculpa.
P/1 – Os seus pais se tornaram avós com os seus filhos então?
R – Sim. Foi. Com os meus filhos. A Marília foi a primeira.
P/1 – E como foi a participação assim da...
R – Então, como primeira neta, a Marília foi bastante bajulada depois que nasceu. Antes, na minha gestação não. Não tive o apoio, mesmo porque eles ficaram ressentidos, porque eu fui morar, tomar essa decisão aí, eles ficaram muito sentidos. Mas depois que nasceu mudou tudo, transformou tudo a vida de avô, de avó, de mãe, de pai, de bisavós, que ela teve... Meus avós faleceram há pouco tempo, então ela teve esse contato com os bisavós também.
P/1 – Aí você ficava ali cuidando das crianças e ia pra casa também dos seus pais?
R – Sim. Exatamente. Ia.
P/1 – E como foi essa vida de dona de casa assim, nesse período com as crianças? Como era a sua rotina?
R – Sim. Correria. Correria. Até a gente se adaptar, porque na realidade é uma adaptação. Eles iam pra escola, eu tinha que fazer as coisas dentro de casa, esperar o marido. O meu marido é guarda municipal, então tem que tomar conta de uma farda. É tudo regrado, não tem jeito.
P/1 – Tem todo um cuidado, né?
R – Todo um cuidado. Exatamente.
P/1 – O cotidiano.
R – Exato. Tudo. Com a escola deles.
P/1 – E, Magali, depois que você teve as crianças é que você foi pra faculdade?
R – É. Exatamente. Eu fiz o contrário.
P/1 – Como foi essa mudança?
R – Exatamente. Eu fiz o contrário, eu tive meus filhos primeiro pra depois terminar os estudos e conseguir um emprego. Foi gostosa, porque eu já tinha os filhos. Aquilo que eu falei, a Pedagogia ajudou muito, mesmo na transformação, no ciclo de vida deles, porque eu não tinha noção nenhuma. Lógico que eu cuidava, sempre cuidei muito bem dos meus filhos, mas não tinha essa noção. E hoje a gente enxerga de duas formas: o aprendizado e o dia-a-dia, a realidade ali. Então é bastante...
P/1 – Você aprendeu a prática primeiro, depois a teoria, né?
R – Sim. Exatamente. Exatamente.
P/1 – E você chegou a fazer algum estágio na área de Pedagogia quando você tava fazendo o curso?
R – Não. Eu fiz os estágios obrigatórios da faculdade, que pra mim foram muito poucos mesmo, porque no último ano eu fiquei grávida da Mariana, que é a minha terceira, então eu não tive como entregar os estágios nesse tempo, depois que eu fui entregar os estágios, tudo, mas aí eu já tinha os filhos.
P/1 – E, Magali, como surgiu essa oportunidade de trabalhar no Instituto Monsenhor Antunes?
R – Certo.
P/1 – Você já trabalhava... Você chegou a ter contato com projetos sociais?
R – Não. Nunca tive. Então, justamente, é o que até os meus amigos de trabalho falam, eu entrei numa outra realidade. Isso era muito distante de mim, porque eu tive uma vida muito boa, estudei em escolas particulares, nunca foi falado isso antigamente. E você confrontar com outra realidade, isso até choca, mesmo porque eu nunca tinha... A gente ouve falar em televisão, mas até então eu nunca tive contato com projetos sociais, não. E foi gratificante. Eu até agradeço sempre por estar assim nessa área social, porque é onde eu me encontrei. Você perguntou dos meus estágios, eu fiz os obrigatórios, mas eu não me vejo professora em sala de aula. Eu me vejo sim trabalhando na área social, é onde eu escolhi pra mim e quero continuar sempre. E a oportunidade veio... A minha sogra, ela trabalhava como estagiária na Prefeitura, como ela fazia estágio na faculdade, e surgiu essa vaga, ela levou meu currículo e eu fui chamada.
P/1 – E qual curso sua sogra fez?
R – O curso?
P/1 – É.
R – Serviço Social ela fez.
P/1 – Serviço Social.
R – Sim. Ela fez Serviço Social.
P/1 – Aí surgiu a vaga de quê no instituto?
R – Isto. Pra educador social no Programa Andrezinho Cidadão.
P/1 – E você já conhecia o programa?
R – Não conhecia. Não tinha nem ideia do que era.
P/1 – Conte-me como foi o seu primeiro dia. Você lembra?
R – O meu primeiro dia? Lembro. Lembro sim. Eu queria ir pra rua de qualquer forma, só que eu fui contratada, a princípio, pra ficar lá dentro com a minha formação de Pedagogia, se chegasse uma criança de rua, pra gente desenvolver atividades ali dentro, então ficava lá dentro da sede. Mas a minha vontade era de ir pra rua com os educadores, porque eles iam buscar aquelas crianças até ali, eu queria ver a situação de cada um deles. Aí é onde eu fui me envolvendo na área.
P/1 – E você já tinha terminado o curso?
R – Tinha terminado. Foi em novembro, acabaram as aulas, entreguei meu TCC e defendi o meu TCC, e em dezembro eu fui chamada, um dia depois do meu aniversário eu entrei.
P/1 – Ah, foi?
R – É. Foi. Porque meu aniversário foi final de semana, um dia depois eu fui chamada pra iniciar o trabalho.
P/1 – Você se lembra da primeira criança ou adolescente que você teve contato?
R – Olha, porque não vinha só uma, vinha de monte, então tinha grupos, havia grupos. Mas tinha o Wesley, tinha o Ari, que andavam sempre juntos, eram já moradores de rua, dependentes muito novos, com 15, 14 anos.
P/1 – Você lembra o ano quando você entrou?
R – Foi em 97, final de 97... Desculpa. 2007. Final de 2007, início de 2008.
P/1 – E você desde então vem acompanhando aqui o trabalho, vem trabalhando aqui?
R – Estou. Isto. No Instituto, sim.
P/1 – Mas no Instituto, você sempre trabalhou aqui na casa, ou não?
R – Não. Não era aqui.
P/1 – Não?
R – Então, eu trabalhei no Andrezinho Cidadão, que é o programa com meninos de rua, de 2007, final de 2007, até o ano passado, 2014. Fiz três anos de meio em educadora, eu fiquei três anos e meio educadora. Quando eu voltei de licença maternidade da minha última filha, o Roberto, que é o coordenador do Instituto, me chamou pra ser técnica social, que o trabalho de técnica é acompanhamento das famílias daquelas crianças que estão na rua, em situação de rua.
P/1 – O acompanhamento é vocês irem até a casa dessas famílias?
R – Isso. Fazer toda... Isso. Ir até a casa, fazer um estudo, inserir em programas sociais pra garantir alguns direitos ali. Na realidade, tem que garantir todos os direitos, mas depende da prefeitura, que eu falo como município, pra garantir isso aí também. Então meu trabalho era técnico de acompanhar, fazer o primeiro atendimento e depois já passar para as assistentes sociais da prefeitura, do município, pra que deem a continuidade no trabalho, pra que garantam.
P/1 – O trabalho como técnica social, você vem desenvolvendo desde quando?
R – Então, eu fiquei três anos e meio como educadora, e como eu completei o ano passado sete anos, mais três anos e meio como técnica, no Andrezinho. Ainda agora venho pra cá, quatro meses, como técnica social do abrigo agora, do serviço de acolhimento.
P/1 – E, Magali, você tem alguma história, alguma lembrança do Projeto Andrezinho que você acompanhou? Alguma história que tenha te marcado?
R – Temos. Tenho sim. Eu tenho um histórico de um menino que vivia em trabalho infantil, mas porque ele tinha vários distúrbios psiquiátricos, e acaba que o Yuri, depois de... Que a gente conseguiu chegar até a mãe dele, descobrir que ele tinha esses transtornos, por isso que ele fugia de casa. Ele se trancava dentro de casa e ele se enforcou. Ele não aguentou e se enforcou, e ele tinha 12 anos.
P/1 – Que tipo de distúrbio ele tinha?
R – Ah, psiquiátrico, de conduta assim. Ele saía e ele era agressivo por vezes, e a mãe dele sempre correndo atrás, não era uma mãe desleixada, não era uma mãe que deixou pra trás, sabia, tentava cuidar do filho, mas ele fugia das próprias mãos dela. Então ela queria ter dado muito mais, óbvio, e não conseguiu porque o Yuri decidiu... Era um comportamento mental. Na realidade, não se sabe o que causou isso, mas a gente sabe que ele tinha distúrbios psiquiátricos.
P/1 – Agora, Magali, você chegou a acompanhar, assim, você teve contato com o Projeto Criança Esperança?
R – Então, eu tive muito pouco, porque eu estava voltando da licença maternidade, então quando eu cheguei, já estava acontecendo o projeto, que eram os minicurtas, cine debate. Então eram dois colegas nossos que estavam fazendo. Eu não ia pra rua mais nessa época, então não consegui acompanhar nenhum desses... Mas a gente sabia, tinha conhecimento, óbvio.
P/1 – Esses colegas continuam aqui?
R – Não. Não. A Carla foi até educadora por um tempo, mas como se formou em Serviço Social, logo ela foi em busca e ela conseguiu em outro projeto aí alcançar.
P/1 – Era Carla e...
R – E o André.
P/1 – André, né? Porque chamavam de Pirata, né?
R – Isso. Pirata. Exatamente. A Carla e o André.
P/1 – O André também não continua aqui?
R – Não. O André não. O André só veio mesmo pra este projeto do Criança Esperança, ele não era um educador nosso. A Carla fez o Projeto Criança Esperança e depois foi chamada pra trabalhar conosco como educadora social. Então finalizou o projeto e ela veio como educadora pra ir para as ruas.
P/1 – Você chegou a observar assim alguma... Você acompanhou assim... De perto não então o projeto?
R – Não, então, não consegui acompanhar de perto, porque daí como eu já voltei como técnica social e a gente tinha que acompanhar as famílias, então eu estava fazendo um trabalho paralelo ao deles.
P/1 – Agora, você teve contato com algum projeto apoiado pelo Criança Esperança?
R – Então, eu sei do Sacadura Cabral, que foi um dos projetos, eu já tinha contato com o Marcelo, que é o que recebia o Pirata e a Carla lá pra fazer esses debates aí. Sempre muito companheiro, trazia a criançada da comunidade pra participar aí desse projeto.
P/1 – Havia um envolvimento grande.
R – Isso. Havia. Havia sim. Havia uma mobilização fora do normal em todas as três comunidades que foram passadas. Três ou quatro.
P/1 – Você lembra o nome das comunidades?
R – Sacadura Cabral...
P/1 – Como chama?
R – Sacadura.
P/1 – Sacadura.
R – Cabral.
P/1 – Cabral. É uma comunidade?
R – É uma comunidade. Aí teve o Parque João... Vila João Ramalho, desculpa.
P/1 – Vila João Amaro?
R – João Ramalho.
P/1 – João Ramalho.
R – Isto.
P/1 – Ramalho. E o outro?
R – E o outro foi o Jardim Santo André. Esses são os que eu tenho certeza, que eu peguei quando eu voltei. Não sei se houve outras comunidades. Mas tinha um envolvimento, eles conseguiam trazer as crianças, fazer com que elas participassem mesmo, se envolvessem no projeto sim.
P/1 – Você já foi doadora do Criança Esperança?
R – Não. Do Criança Esperança não. Não.
P/1 – E depois do Projeto Andrezinho, que você acompanhou, depois como técnica social, quais foram as atividades que você passou a desenvolver aqui?
R – Aqui no Andrezinho?
P/1 – Isso.
R – Então, é o acompanhamento de famílias, reuniões com mães. A gente sempre tinha que trazer as mães pra próximo pra saber a real situação que estava vivendo. Porque às vezes só ia até a casa pra fazer uma visita, não era só aquilo. Mesmo porque tem vizinhos, aí elas ficam com medo de contar. Então fazia uma entrevista social somente com elas. E o fortalecimento de vínculos com as crianças junto com as mães pra que saíssem dessa situação de trabalho infantil, de situação de rua.
P/1 – Você se lembra de algum caso de famílias que você visitou, que ele te surpreendeu de alguma forma, te marcou assim?
R – Então, tem muitos que a gente conseguiu tirar das ruas. O pessoal do Jardim Santo André, foi quando eu entrei no Andrezinho, ainda era educadora, mas o trabalho dos educadores foi fundamental pra que eles saíssem das ruas. Hoje você não encontra nenhum. Então a gente fala que o Andrezinho são ciclos, pelo menos desde quando eu estou. O Jardim Santo André ia de 20 a 22 meninos para as ruas. A gente começou a fazer o trabalho dentro da comunidade, porque o trabalho do educador social é isso, é trazer pra comunidade, trazer as realidades deles e fazer com que eles sejam inseridos no ambiente deles, não no Centro, não no farol. E foi interessante porque nenhum... Hoje já estão até adultos, já passaram dos 18, muitos estudaram, então a gente vê sim, não é recuperação, não falo recuperação, porque isso aí é coisa de menino, de adolescente que não tem onde ver e acredita nesse mundo ilusório e acredita que o dinheiro do farol vá trazer alguma coisa, mas não é isso. Então hoje tem muitos casos, tem de superação, que a gente fala, superação, que está com a família, que está trabalhando, está estudando.
P/1 – E essas crianças e adolescentes, eles iam para o farol vender o quê?
R – Ou vender, ou pedir, ou fazer malabares. Vender balas, muitos como pedintes e outros fazendo malabares, jogando bolinha para o alto pra conseguir uma moedinha ali, pra comprar chocolate, doce, roupa, uma roupa diferente, um tênis diferente.
P/1 – Mas havia uma situação de que eles precisavam utilizar esse dinheiro pra ajudar a família?
R – Então, pra ajudar a família não. A maioria não. A maioria. Assim, tinha alguns que iam sim, porque chega em casa, você se depara com a situação dos pais, muitos desempregados, mas o trabalho do Andrezinho foi... Eu, como técnica do Andrezinho por três anos e meio foi que a gente inserisse esses pais em trabalhos, pra que as crianças pudessem fazer o que era correto pra elas, estudar e fazer uma oficina fora do contraturno escolar, no contraturno, entendeu? Então o que a gente fazia era essa busca de inserir os pais no mercado de trabalho pra que as crianças saíssem da situação de rua. Muitos não deram certo, muitos pais são comprometidos, são dependentes, têm vícios. Então não são todos que a gente consegue, mas a maioria até que sucesso de superação assim.
P/1 – Que bom.
R – É.
P/1 – Agora, Magali, há um alto índice de consumo de drogas, assim, por parte dessas crianças aqui?
R – Sim. Há. Há sim. Mas a maioria hoje são os meninos de São Paulo que têm esse... Ainda os daqui de Santo André não. Dentro das comunidades tem uns que já não vêm mais para o farol, daí a gente sabe que está no tráfico lá dentro, que conseguiu uma “oportunidade” lá com... Porque eles vão crescendo, o pessoal fica de olho e chama, e eles acabam indo, porque é dinheiro fácil, mas eles não sabem do perigo. E a gente às vezes nem consegue mais acessar essas crianças, devido ao tráfico que é muito influente ali dentro, a gente não consegue acessar, nem pra dar uma palavra, de falar que ali é perigoso. Aí saem. Quando a gente percebe também que saem do farol, é por isso, hoje. Os meninos do Jardim Santo André não, mas esses da Vila João Ramalho, a maioria sumiu, mas porque a gente sabe que escolheu o caminho do tráfico.
P/1 – Vocês conseguem entrar nessas comunidades?
R – Conseguimos. Conseguimos, porque a Prefeitura disponibiliza um carro, então eles sabem. Se não é o carro do Conselho Tutelar, é do Andrezinho. Então a gente tem fácil acesso, eles recebem a gente muito bem e respeitam. Isso qualquer hora do dia. Sábado, domingo, qualquer hora do dia. Se o Andrezinho hoje chegar lá, os educadores do Andrezinho chegar com os meninos, porque fez uma atividade, ou encontrou na rua, tá muito, vai levar pra casa, eles deixam entrar.
P/1 – E depois que você trabalhou no Projeto Andrezinho, qual foi outra atividade que você teve no Instituto?
R – No Instituto, então, agora em novembro eu fui convidada pra trabalhar aqui no serviço de acolhimento institucional de crianças e adolescentes, uma coisa muito gostosa também, porque eu nunca tinha trabalhado, não tinha noção do que era o serviço de acolhimento.
P/1 – Então agora recente então que você veio.
R – É recente, de novembro pra cá, quatro meses.
P/1 – E quais são as suas primeiras impressões?
R – Então, muito diferente dos meninos de rua com quem eu trabalhei sete anos. Questão de negligência, essas coisas então que tiram essas crianças dos pais, mas porque já estão naquela situação pior. Não é igual os meninos de trabalho infantil, eles estão ali sim em situação de rua, mas a gente ainda consegue trabalhar com as mães. Esses daí não, já perderam, porque a gente não conseguiu nem chegar, vamos supor, o Andrezinho não conseguiu chegar a essas crianças antes de que eles viessem para o abrigo, então eles já são acolhidos em situações que já estão muito gritantes assim.
P/1 – E que situações são essas que essas crianças se encontram?
R – Negligência...
P/1 – Violência?
R – Abuso, violência sim, muitas marcas, mas aí o Conselho Tutelar traz, já passa por IML, essas coisas, é constatado, aí retira do âmbito familiar, do seio familiar.
P/1 – Vocês têm um protocolo de atendimento pra essas crianças que sofreram abuso, aquelas que sofreram, por exemplo, negligência?
R – Então, na realidade, o trabalho do técnico social também no serviço de acolhimento, que é o que não me intimidou muito, porque já era o que eu fazia, é acompanhar as famílias, ver o porquê dessas situações, o porquê essa criança passou por isso. Porque o Conselho Tutelar traz, a partir dali é você que vai pesquisar onde mora o familiar, se esse familiar que foi tirado a criança não tem condições, você que vai avaliar e vai encaminhar ou pra um tio, ou pra tia, se tiver, senão é adoção. Se vê que em último caso a família não dá conta, é adoção. Então tudo isso é a gente que avalia, faz relatório para juiz e solicita aí a determinação, espera a determinação do juiz. Mas muitos, a maioria é por negligência de pai e mãe que saem de noite, deixam as crianças sozinhas em casa, vários irmãos. Na casa onde eu trabalho tem muito grupo de irmãos, que são quatro, são três, são dois, mas tudo na mesma situação. Porque não se tira um só, uma criança só, tiram todas as crianças da casa. Entendeu? Mesmo que a negligência, o abuso, é só com uma criança, se tiram todos.
P/1 – Todos. E em média, vocês atendem assim quantas crianças por mês?
R – Então, o serviço de acolhimento é assim, o Conselho Tutelar traz pra casa de entrada, a casa de entrada faz uma triagem e manda para as outras casas. São oito casas, cada casa comporta 20 crianças. Porque eles ficam... É a moradia deles a partir dali. Enquanto a gente não conseguir reverter a situação, verificar a possibilidade reinserção familiar, eles vão ficando ali, então é a casa deles. E lá na casa que eu trabalho tem muito assim, tem crianças que estão lá há sete anos já aguardando.
P/1 – Aguardando o quê? Adoção?
R – É. Porque daí a família, se a gente não conseguir nada da família, é um trabalho contínuo de formiguinha, você sempre tem que procurar a família. Procurou hoje, daqui três meses vai e procura de novo pra ver a situação, se foi superado, se tá trabalhando, se tem condições de ficar com a criança.
P/1 – Agora, Magali, pra entender, o serviço de adoção, ele é centralizado em algum órgão ou vocês que fazem a busca ativa desses pais?
R – Sim. Não. Não. Na realidade, a adoção já vem do fórum, pelo setor técnico do fórum, tem uma listagem lá e tem aquelas sim, aquelas exigências de pais que só querem bebês branquinhos, de zero a dois anos. Tem isso sim, tá? Não tem pais pra uma fila de oito a 12 anos. Não tem pais ali pra adoção, na fila de adoção, porque eles preferem crianças pequenininhas, que vão criando. Eles têm certo preconceito em adotar crianças mais velhas, então é onde as crianças vão ficando no abrigo, porque não tem como. E o setor técnico que avisa a gente quando tem uma família, aí a gente leva a criança até o setor técnico, onde a família vai estar pra conhecer a criança. Se a família gostar, adota, senão volta para o abrigo.
P/1 – Você já conheceu algum caso que deu certo, de adoção?
R – Já. Já sim. A gente presenciou agora no começo do ano. Em janeiro, o Henrique foi adotado por uma família, fez duas entrevistas com essa família, que já se encantou com ele já logo na primeira entrevista.
P/1 – Quantos anos?
R – O Henrique? Dez meses. Ele foi adotado. Esse é o que a gente fala, deu sorte porque é pequenininho, isso e aquilo, mas a gente sabe que quanto mais a idade vai passando, mais difícil é adotar.
P/1 – Mas entrou naquela, vamos dizer, naquela estatística comum.
R – Isso. De zero a dois anos.
P/1 – De zero a dois anos.
R – Isso. Exatamente. Bebê saudável.
P/1 – Mas você já viu alguma criança mais velha, com mais de cinco anos, que foi adotada?
R – Não. Ainda não.
P/1 – Não?
R – Não. Não. É que trabalhamos com oito casas, né? Aqui são três, nas três casas do Instituto trabalha, não vi nenhuma criança sendo adotada. Mas pode ser, óbvio, que outras casas devem ter acontecido adoções, sim.
P/1 – Que você tenha acompanhado, tenha visto.
R – É. É. Que a gente está sempre junto, uma audiência, mas aí a juíza chama todas as casas, a gente acaba acompanhando ali, mas só por fora.
P/1 – Agora, Magali, você estava falando que são oito casas. Oito casas do quê?
R – De acolhimento.
P/1 – De acolhimento em Santo André?
R – Em Santo André.
P/1 – Mas você acompanha só aquelas casas que estão ligadas ao Instituto?
R – Três. Isso. Que são três do Instituto.
P/1 – Qual é a casa de entrada?
R – A casa de entrada é Lar São Francisco Um, aí tem essa daqui que é o Lar São Francisco Dois, e a que eu trabalho é Lar São Francisco Três.
P/1 – Agora, o cotidiano assim, você faz uma carga horária aí de oito horas diárias?
R – Tento, né? A gente tenta das oito às cinco.
P/1 – Quem fica com as suas crianças?
R – Então, o meu marido. O meu marido hoje está afastado, ele pediu licença da Prefeitura, então hoje ele fica com os meus filhos. Mas a minha mais velha já estuda pela manhã, faz atividade à tarde, já consegue fazer as coisas sozinha e me auxilia bastante com as crianças quando meu marido precisa sair, fazer alguma... Ela fica. Ela ajuda, auxilia bastante.
P/1 – A escola também é próxima da casa?
R – Próxima. Próxima. Próxima. Dos quatro. A escola dos quatro. Só a pequena que não estuda hoje, quatro anos.
P/1 – E hoje, Magali, o que é importante pra você na sua vida?
R – O que é importante pra mim? Olha, a minha família é muito importante pra mim, o meu trabalho é importantíssimo pra mim, porque hoje eu vejo que o meu estudo não foi em vão, então eu sei ver assim que... E eu preciso desse trabalho, e não me vejo fora. Eu não me vejo hoje desempregada mais. Todo mundo chega, tem muita gente que tem preconceito: “Imagina, você tem que cuidar dos seus filhos, tem quatro, você deixa largado”. Não. Primeiro que eu não deixo largado. A gente tem essa experiência aí, eu não deixo largado. Eu coloco em escola, faz cursos pra que eles se desenvolvam. Eles não vão ser meus para o resto da vida, eles têm que estar preparados para o mundo, então não adianta jogar essa culpa em mim, que essa culpa eu não tenho. Eu trabalho sim, chego em casa só à noite, mas dou atenção sim necessária de acordo com a rotina. Disso eu não me preocupo. Então os dois são muito importantes pra mim: família e o trabalho.
P/1 – E quais são seus sonhos?
R – Meus sonhos. Meus sonhos são de ver meus filhos crescendo, seguindo um caminho direito. Nem falo direito, porque a gente não sabe o que é certo, o que é errado, hoje em dia é tão misturado que a gente nem sabe mais o que é certo e o que é errado, mas que eu consiga passar aí essa importância de viver pra eles. Não quero ver ninguém dependente de ninguém, dependendo de ninguém. Não quero nenhum filho meu dependendo de ninguém, de marido, de esposa, eu quero que eles sejam eles.
P/1 – Realizados.
R – Realizados.
P/1 – É isso aí. Magali, você gostaria de acrescentar algo que eu não perguntei pra você, que seja importante assim pra você, que quando você pensa assim: “Ah, eu, Magali, assim, isso é importante pra minha história”?
R – Olha, eu hoje como mãe, eu tenho sim que lembrar que a minha mãe é o alicerce de tudo, ela deu tudo pra mim e para o meu irmão gêmeo, como foi dado para os meus irmãos, então isso eu tenho muito comigo. Nunca quis nem procurar a mãe biológica, porque eu não senti falta disso. Então isso eu quero deixar assim, que a minha mãe é uma guerreira e que ela me supriu de todas as formas.
P/1 – Isso aí.
R – É isto.
P/1 – Magali, o que você sentiu contando a sua história?
R – Nossa, não sei. Acho que um alívio, sabe? Alguém está me ouvindo, alguém está compartilhando isso comigo, está aqui. Gostei bastante. Gostei mesmo.
P/1 – Bom, pra nós do Museu da Pessoa foi um prazer ouvir a sua história.
R – Muito bom.
P/1 – Obrigada, Magali.
R – Obrigada você.
FINAL DA ENTREVISTA
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