LEMBRANÇAS DO PASSADO.
O menino do engenho
Na década de 30 o progresso era muito lento e na tecnologia de automação nem se pensava, entretanto, era uma época de tranquilidade, respeito, vergonha e tudo que era nobre, como nobre eram os senhores de engenho. Os engenhos de cana de açúcar, com o seu primitivismo, e em abundancia em Sergipe, e em outros estados, funcionavam com energia a vapor, gerada pela queima de lenha e aproveitamento do bagaço da cana, que após processada, era jogado em uma fornalha, se transformando, também, em energia. A preparação da terra, o plantio da cana e todo o trabalho feito para que se chegasse à produção do açúcar, era manual. A cana era transportada em carroças de bois. Cada carroça era puxada por uma junta de bois, (isso mesmo). A junta se constituía de seis animais atrelados às carroças, as quais eram conduzidas por duas pessoas: uma que guiava os animais e outra, geralmente um garoto, que ia à frente orientando-os. Era uma coisa maravilhosa. Para as pessoas adultas, e principalmente crianças, visitar um engenho era uma festa, ver as canas sendo transportadas por uma esteira rolante, a qual deve ter dado origem as escadas rolantes existentes nos modernos shoppings de hoje, as moendas entrelaçadas,
esmagando a cana. O caldo, chamado de garapa, naquela época, era conduzido para os tanques de cozimento e a seguir, para um caldeirão grande, totalmente fechado,
revestido de madeira e um visor de vidro, onde se processava a cristalização, indo depois para umas turbinas que faziam a separação do excesso de melaço, ficando apenas os cristais branquinhos e doces que é o açúcar, hoje elogiado por uns e condenado por outros, como o é, o sal. O melaço, oriundo desse processo, chamava-se de mel cabaú. Era vendido para ser transformado em cachaça. Servia, igualmente, para alimentar os animais, misturado com uma boa quantidade de sal, resultando em uma ração...
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O menino do engenho
Na década de 30 o progresso era muito lento e na tecnologia de automação nem se pensava, entretanto, era uma época de tranquilidade, respeito, vergonha e tudo que era nobre, como nobre eram os senhores de engenho. Os engenhos de cana de açúcar, com o seu primitivismo, e em abundancia em Sergipe, e em outros estados, funcionavam com energia a vapor, gerada pela queima de lenha e aproveitamento do bagaço da cana, que após processada, era jogado em uma fornalha, se transformando, também, em energia. A preparação da terra, o plantio da cana e todo o trabalho feito para que se chegasse à produção do açúcar, era manual. A cana era transportada em carroças de bois. Cada carroça era puxada por uma junta de bois, (isso mesmo). A junta se constituía de seis animais atrelados às carroças, as quais eram conduzidas por duas pessoas: uma que guiava os animais e outra, geralmente um garoto, que ia à frente orientando-os. Era uma coisa maravilhosa. Para as pessoas adultas, e principalmente crianças, visitar um engenho era uma festa, ver as canas sendo transportadas por uma esteira rolante, a qual deve ter dado origem as escadas rolantes existentes nos modernos shoppings de hoje, as moendas entrelaçadas,
esmagando a cana. O caldo, chamado de garapa, naquela época, era conduzido para os tanques de cozimento e a seguir, para um caldeirão grande, totalmente fechado,
revestido de madeira e um visor de vidro, onde se processava a cristalização, indo depois para umas turbinas que faziam a separação do excesso de melaço, ficando apenas os cristais branquinhos e doces que é o açúcar, hoje elogiado por uns e condenado por outros, como o é, o sal. O melaço, oriundo desse processo, chamava-se de mel cabaú. Era vendido para ser transformado em cachaça. Servia, igualmente, para alimentar os animais, misturado com uma boa quantidade de sal, resultando em uma ração nutritiva e saudável. Como o transporte daquela época era feito todo em lombo de burro, era comum chegar ao engenho, tropas enormes, trazendo no dorso dos animais alforjes, que eram saco duplo de couro, fechado nas extremidades e aberto no meio, formando como que dois bornais, que se enchiam equilibradamente , sendo a carga transportada no lombo de cavalgaduras, para adquirir o produto, então: da cana não se perdia nada. Naquela época e naquele ambiente maravilhoso, nasce , na década de 30, mais um menino do engenho, sim... mais um, porque no total, foram dez filhos nascidos e criados ali. A educação era muito rígida, as crianças tinham o maior respeito pelos mais velhos, porque assim eram orientados pelos seus pais. Embora só houvesse escolas nas cidades, tinha sempre alguém com experiência bastante para alfabetizá-los. Na nossa casa, tinha uma sala de aula e todos eram obrigados a frequentá-la pela manhã e pela tarde. Quando já estavam sabendo ler e escrever, iam para a cidade fazer o curso primário e o ginásio em escolas oficializadas, e voltavam para casa, apenas nas férias. O ensino fundamental (curso primário) era feito em cinco anos. Para ingressar no ginásio, ainda tinha que prestar um exame de admissão. No currículo escolar constavam Inglês e Francês. O professor era mesmo que um pai, tinha toda autonomia sobre o aluno. Nas provas de português, até a falta de um acento tirava ponto das notas. Como era respeitada a nossa língua!
OS SENHORES DE ENGENHO
Os senhores de engenho daquela época eram, realmente, senhores de idade avançada; talvez, porque eu já nasci fora da época deles. Mas, lembro-me perfeitamente das suas fisionomias e de seus costumes. O engenho, onde nasci, pertencia à família. Os dois mais velhos detinham a liderança na administração, e eram meus tios em segundo grau. Ambos moravam em casarões suntuosos. Um deles ficava localizada bem em frente a nossa casa. Até hoje guardo na memória a sua planta: era todo cercado com grades de madeira. “Um portão em frente à entrada principal da casa, “dava acesso ao gabinete que se projetava de todo o resto da construção,” servia de gabinete que era utilizado para receber os empregados imediatos a fim de tratar dos assuntos pertinentes aos seus encargos. “Um belo jardim enfeitava a entrada da casa e era cuidadosamente tratado com muito amor, pela sua proprietária. “Havia também um agradável alpendre, de onde se descortinava uma vista deslumbrante. Para a alegria da criançada da família, existia um balanço com dois bancos, um de frente para o outro, que acomodava com conforto quatro pessoas, mesmo adultas.
No fundo, um grande pomar com vasta variedade de arvores frutíferas, cujos frutos ali produzidos, eram consumidos pela família. Vale ressaltar que o luxo, privilégio dos senhores de engenho, era inconteste. Não havia as maravilhas modernas que hoje a tecnologia nos proporciona, porém, já existia a geladeira, que funcionava a querosene, o fogão à lenha, o telefone - uma caixa preta com uma manivela na lateral, preso à parede - servia para a comunicação à distância, hoje visto apenas em museus. Na sala de visitas, além do mobiliário composto de sofás e poltronas confeccionadas com a mais pura e nobre madeira torneada e entalhada com ricos desenhos, feitos por verdadeiros artistas, vale a pena ressaltar, que os assentos em palhinha trançada, eram cobertos por ricas almofadas de seda com lindos bordados feitos a mão, muito em moda na época. Complementando a decoração, as mais finas cortinas e um piano faziam partes do ambiente. Para suas viagens e passeios um automóvel Ford, cujo exemplar deve ter sido um dos primeiros fabricados, pois, eu já o alcancei inerte em uma garagem, existindo apenas a sua carcaça. Ali servia de refúgio para as nossas brincadeiras. Sempre que tínhamos um tempo ocioso, corríamos para lá e sentávamos ao volante, fingindo que estávamos dirigindo. Como eram ingênuas as crianças daquele tempo. Não havia a violência que campeiam os tempos atuais, onde as crianças já nascem e se criam em um ambiente hostil, onde prolifera a violência que vivenciamos hoje. Bem, voltando aos meus tios, tenho na memória que um deles morava em frente a nossa casa e gostava muito de mim, não sei porque deu-me o cognome de Aramis, (um dos três mosqueteiros) era como sempre se dirigia a mim. De quando, em vez, ele saia à cavalo e me levava em sua companhia. Parava algumas vezes à beira do caminho e apeava do seu cavalo para cortar o galho de um arvoredo, cuja madeira se prestava para a confecção de palitos de dentes, o que ele tinha habito de fazer quando estava no engenho acompanhando o desenvolvimento do trabalho para a produção “confecção” do açúcar. Ali, ele sentava em frente a uma mesa, e pacientemente, com um canivete muito bem “super” amolado, passava o tempo transformando, com uma perfeição inigualável, aquela madeira em perfeitos palitos de dentes. As suas três filhas, moças de finos hábitos, pois, que, educadas na Capital, estudaram nos melhores colégios. Uma delas formou-se em piano, cujo instrumento tocava com perfeição, vindo a ensinar a sua arte a outras moças, quando se mudaram para a cidade vizinha.
O meu outro tio era aquele senhor austero, com uma fisionomia carregada, que exibia um bigode caprichosamente delineado, que o fazia se distinguir dos demais. Tinha uma inteligência aguçada e dirigia os seus negócios com punhos de ferro. Morava em um belíssimo sobrado, localizado em um terreno elevado, de onde tinha a visão de toda a sede da propriedade. Esse era mais apegado ao meu irmão mais moço que teve a infelicidade de presenciar o seu triste e horrendo fim, o que detalharemos mais adiante. “Quero destacar, aqui, que os meus dois tios,” dirigiam o empreendimento na maior harmonia possível. Não havia nenhuma rivalidade entre eles, o que é comum nas grandes empresas de hoje, onde cada um quer deter o poder a qualquer custo, muitas vezes resultado em brigas horrendas e muitas vezes fatais.
A CONVIVÊNCIA
A vida naquele ambiente era salutar e muito agradável, pois, não havia poluição alguma. Morávamos em uma casa bastante grande que abrigava confortavelmente uma família de 12 pessoas, mais os empregados domésticos. A casa estava situada em uma área de grande dimensão, ocupada por um enorme sitio onde se cultivava varias espécies de frutas da região, tais como: manga, abacaxi, goiaba, carambola, groselha, fruta-pão, jenipapo, laranja, tangerina e muitas outras. Havia, igualmente, um belo jardim que era cuidadosamente tratado pelas delicadas mãos da matriarca da família. Como era lindo e gostoso, você acordar pela manhã, abrir a janela do quarto, e vislumbrar aquele espetáculo de cores, sentir o perfume das rosas, jasmins, angélicas, margaridas, cravos e outras tantas, que no conjunto se transformava em um aroma que só a natureza é capaz de produzir. Havia também, um lugar destinado a criação de animais: vacas, cavalos, galinhas, porcos, além de algumas espécies que os empregados do engenho capturavam quando faziam as queimadas para preparação do terreno que era destinado a plantação de canas. Era praticamente um mini zoo. De vez em quando, alguns chegavam com pequenos ferimentos ou queimaduras. Eram tratados com o maior cuidado, permanecendo em um grande cercado para nossa admiração e de quem nos visitava. Quando acordávamos, e depois de contemplar a natureza com aquele belo espetáculo das flores desabrochando, sendo visitadas pelas abelhas, que em seu árduo trabalho diário, dali retirava o pólem que em seguida era transformado em mel, destinado ao consumo da família, nos dirigíamos ao curral, onde, como complemento da primeira refeição, tomávamos um copo do delicioso e genuíno leite que saia morninho do peito da vaca. Após esse ritual pegávamos os cavalos, íamos a um rio, que cortava a propriedade ao meio, para tomar um delicioso banho e lavar os animais. Ah, que tempos que jamais voltarão para o deleite da geração atual. Hoje, os proprietários de fazendas residem nas grandes cidades. Em alguns casos, têm crianças que, quando lá vão, ficam encantadas com o que vê.
Praticamente, tudo que se consumia era produzido ali, sem os produtos tóxicos usados hoje em dia em abundancia: o feijão, o amendoim, a macaxeira, a mandioca - para fazer farinha - o milho que era plantado no dia de São José para que nos festejos juninos pudéssemos ter o bolo de milho (conhecido como manauê), canjica, milho cozido e pamonha. À noite, após a queima da fogueira ficávamos todos à sua volta, as mocinhas fazendo simpatias e adivinhações para arranjarem namorados, os meninos assando o milho descascado ou envolto em suas palhas, que era muito gostoso. Normalmente, nessa época, iam amigos e colegas de escola, que moravam na cidade, passar as férias juninas em nossa casa, o que aumentava ainda mais o prazer de estar ali comemorando, em grande estilo, o dia de São João. Como a família era grande, acrescida com os hospedes da cidade, se improvisavam quadrilhas, acompanhadas pelo toque da sanfona, cujas teclas eram dedilhadas por algum curioso ali residente, que embora não tivesse tido qualquer orientação musical, desempenhava bem o seu papel de sanfoneiro. Como parte dos festejos, o arrasta pé não podia faltar. Os convivas varavam a madrugada em perfeita harmonia e muita vibração, fazendo ligeiros intervalos para degustação das deliciosas guloseimas, assim como, o imperdível e delicioso licor de jenipapo. Do lado de fora, o som produzido pelo pipocar dos foguetes, ia se contrapondo ao som da sanfona como se fizesse a marcação do ritmo. Passado o São João, vinha o São Pedro, tido como o santo padroeiro dos viúvos, que era comemorado com as mesmas pompas do São João. Porém, com o passar dos anos, coitado dele!, foi perdendo o seu prestigio, apesar do número de adeptos atualmente ser muito maior, hoje pouco é lembrado. Passado esse período de comemorações, todos voltavam para a cidade a fim de frequentarem o segundo período letivo... e a paz voltava a reinar onde todos os dias era uma festa.
A nossa vida no engenho não era só de ócio e brincadeiras, pois, da nossa educação, o trabalho era um fator de vital importância. “O nosso pai era proprietário de um grande armazém, que abastecia as pessoas que ali residiam e dos demais engenhos da região. Ali eram comercializados desde remédios, alimentos, tecidos, material de limpeza, etc. etc. Funcionavam como os supermercados de hoje, nas suas devidas proporções. Então a gente, mesmo pequeno, porém, já sabendo fazer contas e lidar com dinheiro, passava a ajudá-lo atrás do balcão. Era uma tarefa árdua, pois, nos finais de semana, na sexta feira à noite e no sábado pela manhã era preparada a folha de pagamento dos empregados, e o movimento no armazém era redobrado. Como naquele tempo não havia sacolas plásticas, tudo era embrulhado em folhas de papel apropriado e fechado a dedo, fazendo-se uma dobre sobre a outra até o fechamento completo. Isso era realmente cansativo, pois tinha que deixar tudo embrulhado para facilitar o atendimento no momento em que o armazém estava cheio. Muitas vezes, eu e meu irmão mais novo, tínhamos essa tarefa, o que fazíamos nos revezando, enquanto um pesava, o outro embrulhava. Assim, passávamos o dia todo preparando as porções de sabão, açúcar, café, temperos etc..
Era chegado então o fim de semana. Sábado ao meio dia eram interrompidos todos os trabalhos, para que fosse efetuado o pagamento semanal dos trabalhadores e pequenos plantadores de cana da região. A movimentação era grande. Nesse dia, cada um procurava vestir uma roupinha melhor e as mocinhas se enfeitavam com uma flor no cabelo, pó de arroz e ruge nas faces, componentes de maquiagem da época. Não era só esse ambiente maravilhoso que vivenciávamos, raramente ocorria um desentendimento entre alguns moradores, causado pelo ciúme ou efeito da danada da cachaça, culminando com uma briga de foice que, por ser uma ferramenta de trabalho era portada pela maioria dos trabalhadores. Essa contenda, quando não era interrompida pelos companheiros presentes, levava a ferimentos em ambos contendores e casualmente à morte de um adversário. Lembro-me que uma vez este fato ocorreu em frente à nossa casa e se não fosse a pronta interferência de terceiros, o resultado teria sido a morte de um ou mesmo dos dois: a causa da desavença foi traição conjugal, que naquela época era a maior desonra para o homem.
O armazém era um prolongamento da casa em que residíamos e tinha a sua lateral toda gramada, onde costumávamos ficar à noite, em especial no período de verão quando o céu se nos apresentava com uma cor azul escuro, onde se destacava a lua cheia ladeada por uma infinidade de estrelas cintilantes que emitiam, juntas, uma luz suave, cuja beleza só se tem o privilégio de admirar onde não há a profusão de luz gerada pelo homem, como nas grandes cidades. Era nesse o cenário que costumávamos passar horas e horas em companhia de alguns moradores, especialmente um senhor já de idade avançada, conhecido como seu Manoel dos Poços, empregado antigo da fazenda que gostava de contar casos pitorescos, e acontecimentos curiosos vivenciados em suas andanças, caçadas e pescarias.
A VIOLÊNCIA
A violência que apavorava todos os moradores daquela e de outras regiões era a praticada pelo bando de Lampião, que se deslocava de norte a sul e de leste a oeste, a fim de fugir da perseguição policial. Lampião era uma espécie de Robin Hood nordestino, apesar de alguns historiadores o considerá-lo como um marginal sanguinário e violento. O seu alvo principal era os senhores de engenho e fazendeiros que tinham boas posses, de quem exigia que lhes dessem comida e dinheiro para custear a sua manutenção e distribuir com alguns pobres e aqueles que lhe acoitavam. Apesar da sua fama de desordeiro, era muito humano e só usava da violência quando alguém lhe revidava ou o denunciava à milícia. Certa ocasião ele apareceu lá pelas nossas bandas e mandou um recado para o meu pai dizendo que ia mandar um dos seus capangas, se não me falha a memória, um tal de cabeleira, buscar alimentos pois, vinham de uma longa viagem e estavam famintos. E junto com a mensagem vinha um aviso para que não o denunciasse pois, do contrário, voltaria e não seria uma visita cordial. Amedrontados, todos por onde ele passava, guardava segredo da sua visita. Era raro o fazendeiro que não mantinha em sua casa, armas de fogo: rifles, espingardas, bacamartes, pistolas e raramente um fuzil, que eram as armas da época, para sua proteção e caçadas e mesmo assim não esboçavam nenhuma reação. O fuzil era a arma proibida, porém um ou outro fazendeiro o possuía.
Voltando aos meus tios, vamos narrar o episódio que aconteceu com aquele que eu considerava o mais austero e inteligente: Como a propriedade só dispunha de energia elétrica na época da moagem, aproveitando um pouco do que a usina gerava, ele resolveu construir uma hidro-elétrica, utilizando-se de um pequeno rio que passava nos fundos da nossa casa. Não sei se teve o auxilio de algum profissional ou alguém entendido no assunto, o fato é que à margem desse rio, foi feita uma pequena represa e instalada um roda d’agua, como era comumente chamada. Parecia uma roda gigante dos atuais parques de diversões. Essa roda era instalada na frente de uma comporta que, quando aberta a água caia sobre ela fazendo-a girar com velocidade constante. Em uma extremidade do seu eixo era colocada um polia que através de uma correia fazia girar o gerador da energia, que dali era distribuída para as residências da família e alguns pontos em frente as suas casas. Embora tivesse um empregado encarregado de cuidar da manutenção nas instalações, lubrificar as peças móveis de metal, verificar o nível da água, etc., ele periodicamente ia fazer uma inspeção no local. Tudo funcionava às mil maravilhas, quando um certo dia, no fim da tarde, ele foi acompanhado do meu irmão, que na época deveria ter uns dez anos de idade ou pouco menos, e estava ali admirando a sua obra e fazendo a lubrificação dos mancais que ficavam em cada extremidade de um eixo de ferro e logo abaixo tinha uma lastro de madeira que cobria parte do canal e servia como ponte para a passagem de uma lado para o outro. Ele estava usando uma blusa de pijama, feita com tecido de algodão e muito resistente, quando sentiu que algo estava lhe puxando. A blusa do pijama foi se enroscando no eixo, e quando ele percebeu não conseguiu se desvencilhar dela e mal teve tempo de gritar por socorro, ficando girando em torno do eixo e a cada volta o seu corpo batia de encontro ao lastro de madeira tendo morte instantânea. Ao ver aquela cena, o meu irmão correu para pedir ajuda, porém, quando as pessoas chegaram, encontraram apenas o tronco, tendo os braços e pernas sido mutilados. Toda a região ficou em polvorosa pois, nunca antes havia tido um acidente de tamanhas proporções. Este fato é a única recordação triste que guardo até hoje. Isto é: essa tragédia aconteceu por volta das 18:00 hs. do dia sete de junho de 1943 e como estávamos no período da segunda guerra mundial, outro fato marcante aconteceu logo depois: O torpedeamento de três navios brasileiros, próximo à praia de mangue seco, município baiano, tendo se constituído em um acontecimento que causou consternação geral em todo o povo brasileiro. Não bastasse a apreensão das famílias com a convocação de jovens para ingressarem no exercito, que estava formando batalhões a fim de mandá-los para frente de combates na Itália, pois o Brasil era um dos países aliados. Os náufragos recolhidos na praia do Mangue Seco, foram transportados para Aracaju, por estar mais próxima do acontecido. Nas cidades onde as ambulâncias passavam com as suas sirenes ligadas, provocando um ruído ensurdecedor e melancólico, causava pavor e medo em virtude das circunstancias daquele acontecimento. Medo porque na imaginação de cada um, era o prenuncio de que a guerra, a qualquer momento, poderia se desencadear em nosso território, o que felizmente não aconteceu pois, terminou pouco tempo depois, para alegria de todos os brasileiros.
AS VIAGENS
As viagens coletivas eram feitas em carro de bois adredemente preparados: o teto era coberto de forma abobadada, com esteiras, para proteção contra o sol e chuva, enquanto o lastro era forrado também com esteiras e colchões para maior comodidade dos viajantes. Embora êste fosse um meio de transporte usual, era uma atração à parte. Quando entrava na cidade, um carro de bois transportando famílias, o que era sempre notado pelo ruído causado pela fricção do eixo de madeira com a madeira da sua base, resultando em uma sonoridade contínua e até mesmo agradável. Para a criançada era uma alegria fazer essas viagens que, devido às condições das estradas e o
longo percurso se tornava em uma verdadeira aventura.
Este era o legítimo carro de bois e as três, acomodadas à direita, eram minhas primas, filhas do tio que morava em frente a nossa casa.
TREM PARADO NA ESTAÇÃO
As viagens de trem daquela época, eram uma verdadeira aventura. Fiz algumas delas para Salvador e posso afirmar que era bem desconfortável passar 12, 15 horas dentro de um vagão onde, muitas vezes entrava uma passageiro levando animais como porco, carneiro, aves, etc. para serem vendidos em feiras de cidades próximas. O odor daquela mistura de animais e gente da mais variada espécie e dos sanitários que existiam em cada vagão, era insuportável. E o pior: A fuligem causada pela queima do combustível (carvão ou lenha) que penetrava nos vagões deixava passageiros impregnados daquele pó preto. Era ou não uma aventura?
Os casamentos na roça, eram outra atração à parte e se realizavam, geralmente aos domingos, na cidade mais próxima, distante, mais ou menos, uma légua, que corresponde a seis quilômetros. A noiva, já devidamente paramentada, com seu vestido branco, sua grinalda de flores naturais, colhidas nos jardins caprichosamente espalhados pelas redondezas, divinas paisagens que se formavam em alguns pontos da propriedade, obras da natureza, seguia à frente do noivo em carro de bois, enfeitado com folhagens e palmas do aricuri, acompanhada da madrinha e alguns parentes, seguida de um cortejo de cavaleiros, entre eles, o noivo com o seu terno branco todo imponente como se aquele fosse o seu dia de gloria, e na verdade era. Não menos adornados eram os seus cavalos, cada qual procurando mostrar o seu garbo, conduzidos sabiamente pelos seus montadores. Após as cerimônias nupciais, todos retornavam à casa da noiva, onde já os aguardava um zabumba (conjunto instrumental popular, constituído de dois pífanos, caixa , bumbo e triangulo) banda indispensável em qualquer festejo das roças. Não podia faltar também um sanfoneiro , que a partir do inicio da noite, passava a fazer parte do conjunto, dando inicio a um arrasta pé que se desenrolava até a madrugada. Não podemos deixar de mencionar que a comida e bebida eram fartas pois que, todos colaboravam com alguma coisa para o maior brilhantismo da festa.
A VIDA NA CIDADE
O menino cresce e chega a idade de se mudar para a cidade a fim de continuar seus estudos e vai morar com seus avós. Se matricula em um colégio particular, ingressando, como era normal, no primeiro ano pois, já tinha conhecimentos suficientes, aliás, devido ao aprendizado que teve com uma de suas primas que era formada em professora, já no segundo semestre foi transferido para o segundo ano, tendo cumprido satisfatoriamente as duas séries em um só ano. O colégio era de propriedade de um senhor corpulento, de fisionomia carregada e pele bem escura o que, só pela aparência, impunha muito respeito aos seus alunos. Apesar da sua educação e do fino trato com todos, na hora de punir um aluno que tivesse cometido algum ato de indisciplina fazia valer a sua autoridade e o punia rigorosamente colocando-o de castigo. Quando a falta era muito grave, além do castigo que lhe era imposto, ainda aplicava alguns bolos de palmatória, o que presenciei varias vezes no período em que estudei em regime de semi-internato. Naquela época os professores tinham poderes iguais aos pais, podendo assim praticar esses atos sem restrições. O ensino era bastante rigoroso e administrado em dois turnos: pela manhã e à tarde. Os alunos eram obrigados a freqüentar as aulas devidamente fardados sem a qual não podia entrar no colégio. Os uniformes eram feitos de um brim grosso, de cor amarelada, conhecido como brim kaki e era composto de calça comprida, túnica cheia de botões do pescoço até a cintura, pala nos ombros e quepe feito do mesmo material, parecendo mais um fardamento militar, além do uso obrigatório de uma botina preta. As meninas vestiam saias abaixo do joelho, blusa da mesma cor porem, de um tecido mais fino e uma boina na cabeça. Nas datas comemorativas, especialmente no dia sete de setembro, todas as instituições de ensino participavam do desfile em homenagem a independência do Brasil. Era um espetáculo de beleza e elegância. À frente, ia o contingente do Tiro de Guerra local e em seguida os colégios com suas bandas de instrumentos de percussão e de sopro, porta-bandeiras e balizas fazendo evoluções graciosas e delicadas que encantavam a todos por onde passavam, foi também, uma época muito gratificante e de grandes recordações.
As crianças e adolescentes não tinham maldade, pois eram criadas em ambientes sadios: sem drogas, bebidas, farras e violência. Se distraiam lendo revistas de quadrinhos, e praticando jogos inocentes. Lembro-me que na cidade onde morava tinha um praça cujo piso era de terra e tinha dois enormes tamarineiros, onde a garotada se reunia para jogar pião ou bola de gude.
VIOLENCIA URBANA
Apesar de já ter falado sobre este tema, não podemos deixar de comentar que nas cidades a vida também era de tranquilidade e em consequência as portas das casas eram divididas em duas partes, ou seja: duas metades, sendo que a parte superior era mantida aberta enquanto a inferior tinha apenas um ferrolho na parte de dentro, apenas para mantê-la fechada para impedir a entrada de animais e sempre ao alcance de qualquer pessoa. Grades de ferro, cadeados, correntes, etc. não existia, muito menos câmeras de segurança, cerca elétrica, e outros aparelhos sofisticados que foram sendo criados ao tempo em que a violência foi aumentando. Em uma cidade de aproximadamente vinte mil habitantes existia apenas uma cadeia, onde raramente era mantido preso alguém que cometesse um assassinato, roubo ou qualquer tipo de violência intolerável. Não é isto que presenciamos hoje, onde os roubos, assaltos, tráficos de drogas, estupros e o mais grave de todos: os políticos, na sua maioria desonestos, que se apoderam indevidamente do erário público para enriquecerem a qualquer custo, tirando da classe pobre o direito de poder frequentar uma boa escola, hospitais com equipamentos de última geração para cuidar de sua saúde e muitos outros delitos que são praticados no dia a dia com conivência de policiais e das próprias Leis do País. Imaginem o que não vai acontecer daqui pra frente.
MODA
Na verdade, os tempos passados eram completamente diferentes. Vejamos por exemplo: os trajes femininos. As mulheres preservavam o seu corpo incognitos com trajes que cobriam do pescoço ao meio da perna, como vemos na foto acima, alem de usarem anagua (uma segunda saia por baixo do vestido) que camuflava ainda mais a beleza da silhueta feminina. Na parte superior tambem era adicionado um corpete, alem do sutiã, meias e sapatos, não deixando transparecer nem sombra dos detalhes do formato do corpo.
Assim eram os trajes de banho dos anos 40/50. As mulheres eram elegantes até para tomarem banho de mar. Os maiôs de corpo inteiro e raramente de duas peças porem muito elegantes e discretos. Nas paginas seguintes mostraremos os trajes usados em diversas épocas
Em 1.950 os trajes ainda eram muitos discretos.
Grupo de moças e rapazes em trajes de baile.
Até mesmo para a pratica de esportes as roupas eram bem discretas e elegantes, cobrindo a maior parte do corpo, como vemos acima.
Em l965 duas garotas passeando pela rua na Africa do Sul, com trajes mais ousados, causa admiração aos transeuntes, como podemos deduzir pelos seus olhares.
Em 1.976 este decote ainda era motivo para censura.
Em 1975 ainda se primava pela elegancia, embora as saias já deixavam à mostra os joelhos.
Texto de Ana W., leitora que publicou as fotos acima:
Atualmente, quando saímos à rua, notamos que muitas pessoas têm a aparência desleixada. Jovens com camisetas mal-cuidadas e jeans rasgados, e é raro ver alguém trajando um belo terno ou vestido. Sentindo-me um tanto nostálgica, decidi recordar como as pessoas costumavam vestir-se com esmero e elegância antigamente. Belos trajes, bons tempos.
COMUNICAÇÃO
Ainda na década de 40, a comunicação era precária, embora já existisse o telefone. Lembro que em casa de meu tio, tinha um aparelho pregado na parede. Era uma caixa de madeira (foto acima) com uma manivela do lado direito, um fone para escuta e um microfone para transmitir a voz e duas sinetas em cima que disparavam quando a central ligava para avisar que alguém queria falar. O funcionamento era mais ou menos assim: Em cada cidade tinha uma central responsável para receber e transferir a ligação para o destinatário. Era um painel enorme, cheio de fios e com os buraquinhos para introduzir o fio responsável por cada unidade telefônica. Como funcionava? Se você estava em casa, se aproximava do aparelho, girava a manivela varias vezes e a central atendia e perguntava: quer falar com quem? e a pessoa dizia: com fulano, então ela ligava o terminal de quem estava ligando ao terminal de destino, e assim era completada a ligação.
SANEAMENTO-BÁSICO
Vendedor de água potável
Os serviços de higiene e limpeza que fazem parte do saneamento básico atual, não existiam. E os cuidados com a saúde eram rudimentares: O abastecimento de água potável para uso pessoal, vinham de um algum veio de água corrente ou minadouro próximo, transportado em barris de madeira, em animais ou carroças, vendido de porta em porta e armazenados em potes de barro, para o consumo pessoal. Já, para o uso geral, normalmente todas as casas tinha um fonte cavada (conhecida como cisterna) o nível do lençol d’agua e retirada manualmente por baldes amarrados em uma corda (imagem abaixo).
Fonte de água utilizada antigamente
Assim, também era o sanitário: Cavava-se um buraco afastado da casa, que era coberto por um lastro de madeira e sobre o mesmo era colocada uma caixa, também de madeira, com altura aproximada de uma cadeira onde a pessoa se sentava e ali fazia suas necessidades fisiológicas, o ambiente era fechado com uma porta para acesso, evidentemente. Com todas essas prerrogativas, a vida era maravilhosa.
COMÉRCIO
A venda de produtos de toda natureza era feita por vendedores que se dividiam em varias classes: balconista, pracista, ambulante, de porta em porta e finalmente o viajante.
O balconista: era aquele que ficava atras do balcão para atender ao cliente em todo o processo da venda.
O pracista: Percorria a cidade diariamente, visitando pequenos comerciantes conhecidos como bodegueiro porque os estabelecimentos eram classificados como “bodega”.
O ambulante: Este sobrevive até os dias atuais.
O de porta em porta: Esta classe existiu até alguns anos atraz. Lembro que, até a década de quarenta na cidade onde morava existia um loja de tecidos de dois árabes: Sr. Jorge e Sr Elias. O Sr. Elias periodicamente saia à rua com um ajudante que transportava uma mala cheia de mercadoria e parava de porta em porta oferecendo seus produtos. O mais interessante é que ele trazia consigo um metro dividido em duas partes móveis que ele balançava provocando o som de uma parte batendo na outra, para avisar a sua presença. E se alguém queria comprar algo já o esperava na porta.
O viajante: Conhecidos como “Os Cometas” houve um tempo em que viajavam à cavalos, muitas vezes com vários animais carregando malas com amostra de tecidos, percorrendo as mais diversas cidades durante o mês, enfrentando chuvas, sol e outros riscos. Dos anos 50 em diante já existia o transporte ferroviário e era muito comum os Laboratórios Farmacêuticos contratarem pessoas para divulgarem seus produtos com a classe médica. Eles eram muito importantes e prestigiados em todas a cidades por onde passavam. Há uma cidade, na Bahia, que existe uma praça denominada: Praça dos Cometas. Existe até um livro em homenagens à classe.
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